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Rogério Casanova, jornal Expresso, está de volta para o primeiro jogo oficial da época com a sua usual e muito popular análise humorística à performance dos jogadores do Sporting, no seu triunfo diante o Desportivo das Aves:

 

Rui Patrício

O primeiro toque na bola surgiu aos 10 minutos. A primeira defesa acrobática a safar erro de um colega aos 24. O primeiro golo sofrido sem quaisquer culpas terá de ficar para a próxima oportunidade. 

 

Piccini

Passou os primeiros 15/20 minutos do jogo muito resguardado: pela única faixa de sombra do relvado; pelo facto de ocupar o lado mais distante das câmaras; pelo software japonês de qualidade dúbia utilizado ainda em alguns lares portugueses; pelo flagelo dos anúncios pop-up; pela diminuta constelação de pixels que filtrava a sua presença através de um par de óculos de mergulho besuntados com margarina. Quando conseguiu emergir deste nevoeiro tecnológico, os resultados foram desiguais: cada recuperação crucial ou contenção inteligente era equilibrada com uma cueca sofrida ou uma perda de bola comprometedora. Melhorou na segunda parte (como Matthieu, aliás), soube dar algum apoio rudimentar ao ataque e ainda ia marcando o 0-3, depois de uma finta de corpo dentro da área contrária, num movimento físico que, se algum dia fosse observado no corpo de Schelotto, levaria as pessoas a chamar imediatamente um exorcista.

 

Coates

Com bola: ensaiou duas incursões ofensivas pela faixa direita, uma em cada parte, a segunda das quais só travada em falta já perto da área contrária, depois de deixar dois adversários para trás. Sem bola: emboscou a linha avançada do Aves com um lenço embebido em clorofórmio, enfiou-os todos na bagageira do carro, e levou-os até Monsanto.

 

Mathieu

Marcou dois golos de livre directo na carreira, um pelo Toulouse, em 2007, e outro pelo Barcelona, em 2015. É portanto, pelos padrões de Adrien Silva, um especialista. Hoje tentou mais um, ao minuto 9, mostrando estar já plenamente adaptado ao espírito do clube que um dia, há não muito tempo, encorajou Anderson Polga a tratar das bolas paradas. A defender, optou quase sempre pela solução mais segura. Ao minuto 29, por exemplo, apanhou Agra de frente, já na área, numa jogada em que Semedo tentaria desarmá-lo com um toque de calcanhar, seguido de túnel, seguido de pirueta à Zidane ainda dentro da área, e posterior saída em galope na direcção do meio-campo - com elevadas probabilidades de acontecer golo, fosse numa baliza ou na outra. Matthieu cedeu canto, sacudiu as mãos, e foi trabalhar.

 

Fábio Coentrão

Enternecedora a rapidez com que os colegas perceberam que lhe podem passar a bola de qualquer maneira, em qualquer zona do campo, sejam quais forem as circunstâncias. Coentrão não se vai atrapalhar, não vai perder a bola, não vai precisar de fazer falta, não vai obrigar ninguém a acender um cigarro, por muita vontade que ele próprio sinta de o fazer. A pujança física também vai melhorando, e o número de sprints por jogo tem subido, desde a pré-época, em progressão aritmética. (Pelos meus cálculos, lá para a décima jornada, vai fazer oitocentos por jogo.)

 

Hoje esteve bem em tudo, menos a cruzar. Ou seja: é finalmente o lateral certo no clube certo.

 

William Carvalho

Para explicar o intervalo criativo entre uma indicação cénica e o trabalho do encenador, Tom Stoppard gostava de falar, em entrevistas, numa encenação de A Tempestade feita em Oxford, nos anos 70. O palco era o extenso relvado da Universidade, com um lago ao fundo. Depois da sua última deixa, Ariel virava-se e corria através do relvado, até chegar à beira do lago — e depois continuava a correr, pois a produção instalara uma espécie de passadeira sólida, um centímetro abaixo da superfície da água. O público via Ariel a correr devagarinho pelo lago fora, e a ouvir o som líquido das suas passadas, até desaparecer de vista, e uma explosão de fogo-de-artifício assinalar o seu desaparecimento num chuveiro de faíscas contra o pôr-do-sol. No texto de Shakespeare, a única indicação que se lê é "Ariel sai de cena".

 

No jogo de hoje, de acordo com as instruções tácticas que recebeu, William Carvalho jogou no meio-campo.

 

Gelson Martins

Estreou-se esta época na arte do cruzamento com um banano para trás da baliza. Alguns minutos mais tarde, ultrapassou Nélson Lenho num par de patins invisíveis e voltou a cruzar mal, embora desta vez rasteiro e atrasado. À terceira ocasião de perigo, deixou-se de subterfúgios e aceitou o fardo de fazer (quase) tudo sozinho. Viria a marcar também o golo do descanso, antes que houvesse chatices. Tal como no início da época passada, voltou a mostrar a capacidade de ser decisivo, mesmo nos dias em que não é consistentemente desequilibrante.

 

Adrien Silva

Teve um livre directo ao seu jeito ao minuto 38, daqueles em que não costuma perdoar e acerta normalmente com a bola em cheio na barreira. Desta vez o remate não lhe saiu bem e a bola acabou por sair na direcção do guarda-redes, algo que acontece aos melhores, aos piores, e aos assim-assim. Como a época passada demonstrou, é talvez o jogador do plantel que mais precisa de estar no pico da condição física para ser o jogador que é; e para lá chegar tem de ir jogando, mesmo que jogue como hoje, mesmo que... enfim, sabem aquela piada de John Lennon sobre a hipótese de Ringo Starr ser o melhor baterista do mundo? Adrien, nesta altura, nem sequer é o melhor baterista dos Beatles. Precisa de tempo e da paciência dos adeptos, dois bens escassos até 31 de Agosto.

 

Marcos Acuña

Sofreu a primeira falta do campeonato aos 30 segundos. Será a primeira de muitas. Recuperou a bola aos 7 minutos (depois de falhar um cruzamento). Será a primeira de muitas. Molhou o pincel pela primeira vez ao minuto 21, recebendo a bola na, chamemos-lhe, "zona Alan Ruiz" (quina da área, do lado direito), e conseguindo virar-se, ajeitar a bola e rematar, tudo em menos de meia-hora. É ele quem lança Gelson para o golo inaugural. E nunca foi menos do que inteligente a posicionar-se no momento defensivo (já no jogo de apresentação se tinha percebido que tem jeitinho para cortar linhas de passe e impedir variações de flanco). Pelas primeiras impressões, sugere que aconteceu ao Sporting uma coisa sem precedentes: gastou-se um camião de euros num canhoto sul-americano - e ficou-se com um bom jogador.

 

Bruno Fernandes

Depois de uma pré-época promissora e entusiasmante, em que ocupou com qualidade um dos dois lugares do meio-campo, era historicamente necessário pô-lo hoje a jogar numa posição nova, fenómeno que no fundo é um produto das condições materiais do nosso tempo. A sua velocidade de pensamento e de execução ainda se notaram, a espaços: no repentismo com que rematou cruzado para grande defesa de Adriano, ou na composição artística de calcanhares com naturezas mortas com que prefaciou a jogada do 0-1. Foi ideologicamente saneado ao fim de uma hora.

 

Bas Dost

O que foi verdadeiramente impressionante na sua época de estreia em Portugal não foram os números que acumulou, mas ver esses números aliados a uma presença tão espectral que por vezes quase pareceu uma ausência. Em vez de assistirmos a duelos entre defesas-centrais e Bas Dost, assistimos a duelos entre defesas-centrais e um vazio nos arredores da bola que, por acaso, ia sendo empurrada para dentro da baliza. Trinta e cinco vezes seguidas. Outros pontas-de-lança fazem remates estrondosos à barra, gritam palavrões nas repetições em câmara lenta, têm cortes de cabelo interessantes. Bas Dost marca golos e cumprimenta os amigos. Hoje, à falta de oportunidades claras (tirando uma ocasião já perto do fim), dedicou-se a servir quase toda a gente à sua volta, na procura desesperada de uma assistência e, possivelmente, de um abraço.

 

Podence

Após alguns ensaios inconclusivos ou interrompidos, lá conduziu um contra-ataque perfeito, largando a bola no momento certo e com um passe bem medido, algo que (suspeita-se) fará mais vezes em proporção directa aos minutos que jogar.

 

Battaglia

Veio fornecer ao meio-campo a capacidade que começava a faltar: mexer-se depressa de um lado para o outro. E mostrou o truque que começa a dominar como poucos: intercepção, progressão rápida com a bola, desaceleração súbita, e novo arranque em velocidade, obrigando o adversário a cometer falta. É um truque limitado, mas útil, e o certo é que até agora nunca falhou. Continua a parecer o melhor suplente possível que a equipa podia ter tido nas duas épocas anteriores.

 

Jonathan Silva

Nota-se que está um jogador mais maduro e contido: não cometeu qualquer falta nem viu um único cartão amarelo nos 17 segundos que esteve em campo.

 

publicado às 04:44

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