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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Precisamente na semana em que Portugal acordou petrificado com a detenção do virtuoso César Boaventura, ficou a conhecer-se a terceira versão do novo regulamento com que a FIFA pretende domesticar o faroeste das transferências.
Os números não são perfeitos, mas são bem melhores do que os anteriores. Não poderão ser gastos em comissões mais de 10% do valor de cada transferência, distribuídos em 3% (3,3) para cada uma das partes (clube vendedor, jogador e clube comprador).
Só o representante do clube vendedor poderá amealhar o máximo dos 10%, significando isso que nenhum outro interveniente receberá comissão nesse negócio, e deixa de existir a possibilidade de um agente atuar em nome de mais do que uma das partes envolvidas.
A "Clearing House", a criar pela FIFA e traduzível por "Casa da Clarificação", acolherá o dinheiro de cada transferência e será responsável pela respectiva distribuição, com um detalhe essencial: as comissões serão depositadas apenas em contas sedeadas no país de residência do agente. Não há informações do que sucede quando o país de residência são as Ilhas Caimão e, mais importante, nenhuma garantia de que os tribunais europeus e os neoliberais da Comissão Europeia não voltem a julgar o projeto como um atentado contra o livre empreendedorismo. Das futuras normas (veremos), entendem-se algumas melhor do que outras.
Existe uma facção convincente na Europa que defende o formato norte-americano, onde o agente representa exclusivamente o jogador e respectivos direitos de imagem. Pareceria bem se o mercado de transferências não se tivesse tornado uma fonte de rendimento tão importante, sobretudo para as órfãs ligas médias (como a portuguesa). Isso não acontece nos Estados Unidos da América. O trabalho do agente que procura a colocação para os jogadores excedentários ou vendáveis é, muitas vezes, fundamental aqui (daí o valor de Jorge Mendes), e conflitua com os interesses do representante do atleta. Este último pode, por exemplo, conformar-se com um clube que aceda aos salários desejados, sem cuidar do valor de transferência esperado pelo vendedor.
Já será menos fácil entender que continue a ser pagável uma comissão ao representante do clube comprador. Se uma administração não consegue fazer esse trabalho sozinha, serve para quê? E se o objectivo declarado dos regulamentos é travar as fraudes e a inflação no futebol profissional, legitimar, do lado do comprador, alguém que tem todo o interesse em negociar o valor mais alto possível é manter a porta aberta às mesmas artimanhas actuais.
E demasiada gente à mesa negocial, ainda que, em princípio, seja gente de cadastro limpo ou branco sujo, porque a FIFA recusará licenças a quem tenha sido condenado a penas de prisão para além dos doze meses por determinados crimes. Não chegará, porventura, para manter os Boaventuras ao largo, pelo menos antes de se atascarem na lama, mas era o mínimo dos mínimos, até porque o grande mistério depois destas medidas óbvias ao ano 21.º do século XXI reside numa pergunta óbvia: porquê tão pouco e só agora?
Artigo de José Manuel Ribeiro, Director de O Jogo
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