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A problemática dos fundos

Rui Gomes, em 15.08.14
 

 

Os fundos de investimento em jogadores de futebol representam um dilema, ou melhor, uma multidimensional problemática para o futebol, desporto e indústria. A partilha dos passes de jogadores não é nova e tem gerado polémica por toda a Europa, e por todo o mundo, com os seus defensores - clubes que argumentam que é uma forma de aumentar a competitividade no futebol - e os opositores - clubes do Reino Unido e da França que obrigam que os seus clubes detenham 100 por cento dos passes dos jogadores - reclamando, com alguma razão de ser, que não é justo em termos de concorrência, que eles tenham de pagar a totalidade dos passes quando as equipas de outras nações só têm de pagar percentagens, em alguns casos mínimas.

 

No "olho do furação" situa-se o comité executivo da UEFA, presidido por Michel Platini, que tem vindo a preparar-se para exercer pressão na FIFA assente na premissa que só os clubes podem ser detentores dos passes dos jogadores e que a partilha deve ser proibida, por uma questão de princípio, parte fulcral do qual, contende o organismo, é a luta que está a travar contra a viciação de resultados e a corrupção no futebol, em geral, a fraude desportiva. Na eventualidade da FIFA não aprovar e implementar regulamentos mundiais nesse sentido, a UEFA está preparada a implementar um enquadramento regulamentar que permita banir esquemas de propriedade de terceiros nas suas competições, com prazos de três a quatro anos, para eliminar esta propriedade de terceiros.

 

Os direitos federativos só podem estar na posse dos clubes de futebol e são estes que permitem a inscrição dos atletas nas competições. Depois, há os direitos económicos, em que os clubes vendem parte desses direitos a outras entidades, como fundos de investimento, que pagam directamente aos clubes a verba acordada pela percentagem adquirida. O objectivo do clube é obter liquidez integrando ou mantendo o activo na sua equipa. O fundo é de vir a lucrar com uma futura transferência. A essência do problema - ou boa parte do problema - deve-se a que está sempre implícita a expectativa de uma transferência para que o fundo possa beneficiar economicamente com ela. O todo da transacção levanta questões pouco transparentes, mas nem por isso menos reais, sobre a influência que os fundos podem exercer sobre clubes e jogadores, porque, a verdade seja dita, sem transferências dos jogadores, os fundos não têm meios para recuperar o seu investimento. Também no centro da equação existem clubes de todos os países com menor poderio financeiro que argumentam, com alguma justificação, que só cedendo partes dos passes dos jogadores é que conseguem enfrentar as suas dificuldades económicas. No contexto desportivo, dizem estes, só partilhando o investimento feito em jogadores lhes permite contratar o tipo de atleta que elevará a sua competitividade, especialmente perante os clubes ricos. O inverso da moeda, contudo, apresenta uma outra vertente válida: com ou sem fundos, os emblemas ricos terão sempre uma vantagem sobre os não ricos; a existência deste tipo de crédito, faz com que determinados clubes operem além das suas possibilidades financeiras e, algo que passa algo despercebido: os fundos inflacionam o mercado significativamente, porque mesmo jogadores medianos ou pouco acima da média reclamam compensações superiores, conscientes de que os clubes poderão não ter o dinheiro mas que terão acesso a ele através dos fundos.

 

O maior e mais poderoso fundo de investimento em jogadores é a "Doyen Sports Investments Limited", considerado por alguns "misterioso" por ser sediado em Malta mas, na realidade, não é apenas isto, já que faz parte do Grupo Doyen, uma holding de firmas e fundos de investimento sediado em Londres, no Reino Unido, e em Istambul, na Turquia. O Grupo tem interesses em minerais, petróleo e gas, energia eléctrica, imobiliária e hotéis (em grande escala), desporto e entretenimento. A ideia do "braço" desportivo surgiu por intermédio do português Nélio Lucas, em colaboração com dois ex-jogadores do Atlético de Madrid, Juanma Lopez e Mariano Aguilar, com ainda alguma alegada associação a Jorge Mendes. O fundo tem investimentos nesse mesmo clube da capital espanhola, Sporting, Benfica e FC Porto, entre outros, e ainda patrocina o Gétafe, Sporting Gijon e o Sevilha. Em Abril de 2013, o Grupo Doyen lançou ainda um outro "braço" denominado "Doyen Global", que faz a gestão de comunicações e imagem de jogadores de futebol - a exemplo de David Beckham e Neymar - e os interesses comerciais de outros, a exemplo de Cristiano Ronaldo e José Mourinho. O seu próximo grande projecto centra-se em Neymar, que assinou contrato com a "Doyen Global" em Maio.

 

O fundo "Doyen Sports" providenciou o investimento em Radamel Falcão pela sua transferência do FC Porto para o Atlético de Madrid, detém 33,3 por cento dos direitos económicos de Mangala e Steven Défour do FC Porto - 5 milhões de euros em Dezembro de 2011 -, 80 por cento dos direitos de Ola John - custou 9 milhões de euros - muito embora o Benfica insista que são apenas 50 por cento, 900 mil euros na compra de Labyad a troco de 35 por cento, e 3 milhões na compra de Marcos Rojo a troco de 75 por cento do seu passe. Na Espanha, Alberto Botia e Geoffrey Kondogbia foram para o Sevilha a troco de um investimento de 4 milhões de euros. Estes, apenas alguns exemplos.

 

Em última análise, será que a UEFA irá conseguir fazer frente a tão poderosos interesses do mercado internacional e, por outro lado, será que os clubes de menor capacidade financeira - os portugueses um exemplo claro - irão conseguir manter o nível de competitividade desejado, especialmente na Europa, sem a comparticipação dos fundos na compra de activos ?

 

Nota: Este post foi originalmente escrito e publicado aqui no Camarote Leonino no dia 21 de Julho de 2013. Como é possível verificar, na altura não mereceu muita atenção por parte dos leitores - em relação a comentários - mas creio que a maior parte da informação ainda hoje é válida.

 

publicado às 12:58

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34 comentários

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De Rui Gomes a 15.08.2014 às 18:29

Caro Miguel,

Respondo de memória e com uma certa cautela porque não tenho disponibilidade neste momento para revisitar a lei Webster , que é algo complexa. É possível que sim, e sublinho possível ou talvez, porque o jogador já terá 3 anos de contrato cumpridos e terá de indemnizar o clube pelo balanço , neste caso mais 2 anos, salvo erro. Gostaria de voltar mais tarde a confirmar isto, depois de ler novamente a lei.

Apenas conheço o Nélio Lucas como CEO da Doyen . Havendo lógica, uma corporação tão enorme nunca entregaria a liderança de um dos seus "braços" a uma pessoa que não é competente. Mais não sei e nunca procurei saber. Um dos meus colegas talvez saiba mais. Mais tarde, talvez possa elaborar um pouco neste sentido.

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