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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Os fundos de investimento em jogadores de futebol representam um dilema, ou melhor, uma multidimensional problemática para o futebol, desporto e indústria. A partilha dos passes de jogadores não é nova e tem gerado polémica por toda a Europa, e por todo o mundo, com os seus defensores - clubes que argumentam que é uma forma de aumentar a competitividade no futebol - e os opositores - clubes do Reino Unido e da França que obrigam que os seus clubes detenham 100 por cento dos passes dos jogadores - reclamando, com alguma razão de ser, que não é justo em termos de concorrência, que eles tenham de pagar a totalidade dos passes quando as equipas de outras nações só têm de pagar percentagens, em alguns casos mínimas.
No "olho do furação" situa-se o comité executivo da UEFA, presidido por Michel Platini, que tem vindo a preparar-se para exercer pressão na FIFA assente na premissa que só os clubes podem ser detentores dos passes dos jogadores e que a partilha deve ser proibida, por uma questão de princípio, parte fulcral do qual, contende o organismo, é a luta que está a travar contra a viciação de resultados e a corrupção no futebol, em geral, a fraude desportiva. Na eventualidade da FIFA não aprovar e implementar regulamentos mundiais nesse sentido, a UEFA está preparada a implementar um enquadramento regulamentar que permita banir esquemas de propriedade de terceiros nas suas competições, com prazos de três a quatro anos, para eliminar esta propriedade de terceiros.
Os direitos federativos só podem estar na posse dos clubes de futebol e são estes que permitem a inscrição dos atletas nas competições. Depois, há os direitos económicos, em que os clubes vendem parte desses direitos a outras entidades, como fundos de investimento, que pagam directamente aos clubes a verba acordada pela percentagem adquirida. O objectivo do clube é obter liquidez integrando ou mantendo o activo na sua equipa. O fundo é de vir a lucrar com uma futura transferência. A essência do problema - ou boa parte do problema - deve-se a que está sempre implícita a expectativa de uma transferência para que o fundo possa beneficiar economicamente com ela. O todo da transacção levanta questões pouco transparentes, mas nem por isso menos reais, sobre a influência que os fundos podem exercer sobre clubes e jogadores, porque, a verdade seja dita, sem transferências dos jogadores, os fundos não têm meios para recuperar o seu investimento. Também no centro da equação existem clubes de todos os países com menor poderio financeiro que argumentam, com alguma justificação, que só cedendo partes dos passes dos jogadores é que conseguem enfrentar as suas dificuldades económicas. No contexto desportivo, dizem estes, só partilhando o investimento feito em jogadores lhes permite contratar o tipo de atleta que elevará a sua competitividade, especialmente perante os clubes ricos. O inverso da moeda, contudo, apresenta uma outra vertente válida: com ou sem fundos, os emblemas ricos terão sempre uma vantagem sobre os não ricos; a existência deste tipo de crédito, faz com que determinados clubes operem além das suas possibilidades financeiras e, algo que passa algo despercebido: os fundos inflacionam o mercado significativamente, porque mesmo jogadores medianos ou pouco acima da média reclamam compensações superiores, conscientes de que os clubes poderão não ter o dinheiro mas que terão acesso a ele através dos fundos.
O maior e mais poderoso fundo de investimento em jogadores é a "Doyen Sports Investments Limited", considerado por alguns "misterioso" por ser sediado em Malta mas, na realidade, não é apenas isto, já que faz parte do Grupo Doyen, uma holding de firmas e fundos de investimento sediado em Londres, no Reino Unido, e em Istambul, na Turquia. O Grupo tem interesses em minerais, petróleo e gas, energia eléctrica, imobiliária e hotéis (em grande escala), desporto e entretenimento. A ideia do "braço" desportivo surgiu por intermédio do português Nélio Lucas, em colaboração com dois ex-jogadores do Atlético de Madrid, Juanma Lopez e Mariano Aguilar, com ainda alguma alegada associação a Jorge Mendes. O fundo tem investimentos nesse mesmo clube da capital espanhola, Sporting, Benfica e FC Porto, entre outros, e ainda patrocina o Gétafe, Sporting Gijon e o Sevilha. Em Abril de 2013, o Grupo Doyen lançou ainda um outro "braço" denominado "Doyen Global", que faz a gestão de comunicações e imagem de jogadores de futebol - a exemplo de David Beckham e Neymar - e os interesses comerciais de outros, a exemplo de Cristiano Ronaldo e José Mourinho. O seu próximo grande projecto centra-se em Neymar, que assinou contrato com a "Doyen Global" em Maio.
O fundo "Doyen Sports" providenciou o investimento em Radamel Falcão pela sua transferência do FC Porto para o Atlético de Madrid, detém 33,3 por cento dos direitos económicos de Mangala e Steven Défour do FC Porto - 5 milhões de euros em Dezembro de 2011 -, 80 por cento dos direitos de Ola John - custou 9 milhões de euros - muito embora o Benfica insista que são apenas 50 por cento, 900 mil euros na compra de Labyad a troco de 35 por cento, e 3 milhões na compra de Marcos Rojo a troco de 75 por cento do seu passe. Na Espanha, Alberto Botia e Geoffrey Kondogbia foram para o Sevilha a troco de um investimento de 4 milhões de euros. Estes, apenas alguns exemplos.
Em última análise, será que a UEFA irá conseguir fazer frente a tão poderosos interesses do mercado internacional e, por outro lado, será que os clubes de menor capacidade financeira - os portugueses um exemplo claro - irão conseguir manter o nível de competitividade desejado, especialmente na Europa, sem a comparticipação dos fundos na compra de activos ?
Nota: Este post foi originalmente escrito e publicado aqui no Camarote Leonino no dia 21 de Julho de 2013. Como é possível verificar, na altura não mereceu muita atenção por parte dos leitores - em relação a comentários - mas creio que a maior parte da informação ainda hoje é válida.
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