A propósito das proezas de João Lourenço, a recente evocação do grande Fernando Peyroteo – o maior goleador de sempre do futebol português e um dos maiores do futebol mundial – num excelente texto também de Leão Zargo, fez perpassar pela minha memória o filme de momentos fabulosos e gratificantes proporcionados por um atleta, que sendo uma autêntica força da natureza, era, igualmente, uma personalidade de excepção, homem de exemplares integridade e lealdade, um verdadeiro gentleman dentro e fora dos terrenos de jogo – detectando-se nele algo de aristocracia, derivado talvez do facto de ser sobrinho-bisneto do Conde de Torres Novas, que foi um antigo Governador da Índia Portuguesa.
Eu era apenas um miúdo quando, levado por amigos sportinguistas dos meus pais ao Estádio do Lumiar, me deslumbrava perante aquela fenomenal “máquina” de fabricar golos, comungando do êxtase da multidão que gritava “golo!” ainda a bola não tinha sido disparada dos seus pés…
Relembro-me que, tendo eu 14 anos, me atrevi a escrever uma carta pessoal a Fernando Peyroteo, endereçada à sede do Sporting, pedindo-lhe um bilhete para um jogo entre a selecção militar portuguesa (que ele integrava) e uma selecção da britânica Royal Air Force, realizado em 17 de Fevereiro de 1946. Dois dias antes do confronto, ao regressar do colégio, a minha mãe, de ar severo, interpelou-me: “Ouve lá, mandaste alguma carta ao Senhor Peyroteo? É que ele telefonou para cá, para tu estares no domingo, à uma hora da tarde, no Quartel da Graça (de onde o autocarro da selecção militar partiria para o Estádio Nacional)”. Impressionada pela minha explosão de contentamento, ela acedeu a interceder pela autorização junto do meu pai e ambos, perdoando a minha ousadia, acabariam por me levar à Graça.
Acolhendo-me calorosamente, Peyroteo foi de uma afabilidade extrema. Chegados ao mítico Estádio – onde, em 1944, ele marcara o histórico primeiro golo da inauguração – pediu a um membro da comitiva para me conduzir até ao meu lugar. E após o jogo (que terminou 1-1, com mais um golo da sua autoria) concedeu-me o imenso prazer de me sentar a seu lado na viagem de retorno ao quartel, durante a qual mantivemos uma animada conversa.
Até ao final da sua prodigiosa carreira futebolística, Fernando Peyroteo – o melhor (o verdadeiro) avançado-centro que teve até hoje o futebol nacional – continuou a oferecer incontáveis alegrias aos sportinguistas e numerosos títulos ao Sporting – que, tal como no caso de João Azevedo (o maior guarda-redes de sempre e ainda recordista do número de títulos e troféus conquistados pelo nosso Clube) ainda não prestou à sua memória a consagração que inteiramente merece e lhe deve.
Estive presente na inauguração da loja de artigos desportivos que Peyroteo abriu na Rua Nova do Almada, em Lisboa, e reencontrei-o em Luanda, quando de uma missão jornalística a Angola, em 1961, tinha ele 43 anos – tendo-me chocado profundamente a sua expressão abatida e o seu sentir amargurado e deprimido, não apenas consequente do seu débil estado de saúde, mas também pela ignóbil ingratidão do esquecimento de que se considerava (e com toda a razão) injusta vítima. Faleceria em Novembro de 1978, com apenas 60 anos.
Leão da Guia,
agradeço-lhe o belíssimo e invulgar testemunho. Hoje em dia num tempo em que tudo é documentado através da imagem é difícil imaginar esses anos da década de 1940 de que, praticamente, temos apenas a fotografia e a palavra escrita de quem teve o privilégio de assistir às façanhas de grandes atletas, sendo o nosso Peyroteo a figura de absoluto destaque.
A ausência de registo da imagem, principalmente em filme, não tem permitido que ao fantástico avançado-centro do Sporting seja reconhecida e valorizada a invulgar craveira futebolística que iguala ou ultrapassa as maiores figuras do futebol mundial.
O Leão da Guia sublinha com justiça a dimensão humana e ética de Peyroteo. Há algum tempo, pesquisando sobre figuras excepcionais do nosso Clube, fixei-me em algumas que aliaram à capacidade atlética igual dimensão pessoal. De todas, foi o Peyroteo que se destacou pelo seu carácter marcado por elevadíssimo sentido da dignidade e da honra. Um cavalheiro!
De juliuscoelho a 17.10.2015 às 20:41
Espectacular testemunho que eu (desculpe) ....invejo!! O que eu daría ou faría para ter conhecido Peyroteo assim dessa forma , saiu-lhe uma rifa de joker amigo Leão.
Foram esses tempos que fizeram de nós sportinguistas com o verdadeiro conhecimento e sentimento da mística do Leão.
- E concordo consigo quando descreve aquela figura com asas invísiveis que tinha como seu nome no planeta Terra, de João Azevedo, asas que depois deixou guardadas e bem escondidas mas que por golpe do destino Victor Damas as encontrou.
Muito bem, julius, muito bem.
De juliuscoelho a 17.10.2015 às 21:36
Leão uma notícia muito triste , já que falamos dos nossos goleadores , faleceu o nosso MANOOOEL,
aqueles 3 golos ao Benfica , EU ESTAVA LÁ.(razão dos 3 Os , como passei a escrever o seu nome apartir desse jogo)
Estou triste , muito triste!!!
julius,
é muito triste a notícia, embora fosse conhecida a situação de saúde desde o acidente cardiovascular que ele sofreu há alguns anos.
Fez bem em escrever ManOOOel. Recorda-nos o dia em que marcou três golos ao Benfica num jogo para a Taça de Portugal.
Que repouse em paz!
De juliuscoelho a 17.10.2015 às 21:57
faça-lhe quando fõr oportuno uma homenagem com um Post e escreva o seu nome ManOOOel .
Abraço
julius,
de acordo, não me esquecerei. Para além do mais, o Manoel merece, ele que chegou a Alvalade com a recordação do Yazalde muito fresca na memória dos sportinguistas e que fez grandes jogos na companhia do Manel, Jordão e Keita.
Recordo-me bem dele, nesse tempo assistia aos jogos no peão de Alvalade bem na linha do círculo central. Bons tempos!
De juliuscoelho a 17.10.2015 às 22:12
Vimos então, juntos, muitas vezes , nao me viu? :):)
julius,
é quase certo. Ali no peão onde era possível ouvir o Damas a gritar com a sua voz de trovão para o José Carlos que marcasse o Eusébio bem em cima e que não lhe desse nem dois palmos de relva!
De juliuscoelho a 17.10.2015 às 23:20
E os calduços que o Damas dava nos defesas? Um dia vi-o a correr sair da grande aerea para dar tamanho calduço no Bastos que tentava "escapar" á reprimenda do mestre.
O Damas era bravo e tinha voz de comando. Saudades!
De juliuscoelho a 17.10.2015 às 20:52
O sentimento no futebol , após o arrumar das botas é gelado como o glacial Perito Moreno. O exemplo do Eusébio quizá a excepção a uma regra injusta e cruel para quem foi o responsável de imensos momentos de glória durante anos a fio.
A unica verdadeira homenagem que fica na história de alguns , é terem os seus nomes imortais nas lembranças dos adeptos passando para a gerações seguintes.
Peyroteo , quando o Leao o reviu em Luanda,ainda nao o sabia, por isso estava triste com sentimento de desilusão.
Não sabia, que tinha conseguido a .....imortalidade!!
De sloct a 17.10.2015 às 22:28
Extraordinário testemunho!
Muitíssimo obrigado, caros Leão Zargo, juliuscoelho e sloct, pelas vossas generosas palavras.
Recordar aqueles que fizeram o Sporting grande e especial é uma missão de consciência contra o ostracismo, a ignorância e a ingratidão que, deploravelmente, tem vindo a grassar no nosso Clube.
Estamos a evocar tempos em que se construíam fortes ligações anímicas com quem nos representava nobre e dignamente no terreno das competições, conquistando o nosso apreço pelo seu exemplo moral, ético e desportivo – algo absolutamente inconcebível nestes tempos actuais do futebol industrial e mercenário, dos jogadores saltimbancos, em que o mais ténue sentimento de afecto espiritual por qualquer dos nossos representantes corre sério risco de resultar numa chocante desilusão…
De HY a 18.10.2015 às 19:06
Nunca esquecerei a elegância do Lourenço, sobretudo os seus golos de cabeça, um simples desvio e lá estava. Ouvi o 4-2 pela rádio, pois ainda não tinha autonomia para is sozinho à Luz e o meu pai gostava mais de Alvalade(só lá pôs os pés muitos anos depois). Mas o elegante Lourenço foi o meu primeiro ídolo vivo do Sporting. Que dia. Lembro-me também de um jogo contra o Valência, 4-0, em que ele marcou 3 se não me engano. Fazia uma excelente dupla com o Figueiredo. Infelizmente, como era do Sporting, nunca teve a glória na selecção que merecia (há uma entrevista muito interessante em que ele conta como o seleccionador Manuel da Luz Afonso o impediu de jogar com a camisola das quinas aí lado do Eusébio.
Também o dia dos 3-0 do Manoel ficará para sempre gravado, podíamos quase ter feito nesse dia o que fizémos dez anos depois, mas a sorte protegeu os lampiões de uma tarosa maior. Descansa em paz grande leão.
Hy,
o Manuel da Luz Afonso foi muito injusto com o Lourenço e o Figueiredo quando do Mundial de 1966. O Figueiredo terminou o campeonato em grande forma e marcou no Campeonato Nacional o mesmo número de golos do Eusébio.
O Lourenço teve uma época de 65-66 um pouco irregular, falhou jogos entre Dezembro e Fevereiro, mas terminou em muito bom plano. Voltaria fazer grandes épocas em 1967-68 e 68-69, mas não foi internacional A. Injustamente.
De HY a 18.10.2015 às 20:13
Já agora, o mesmo se passou com o Manel. Houve 4 grandes avançados portugueses no seu tempo: ele, o Jordão, o Gomes e o Nené. Comparem as internacionalizações. Lembrem-se de que não o levaram ao México (ainda bem). Lembrem-se quando iam buscar o moinhos à ultima da hora e para substituir alguém que se lesionara e acabava ele por jogar e o Manel ficar no banco. Foi sempre assim, desde os anos 60...até com o Moutinho, que o prof Pardal Queirós não o tenha levado à África do Sul só se pode explicar por incompetência grosseira, anti-sportinguismo primário ou compadrio...