O Estádio de Alvalade foi concebido numa perspectiva olímpica com campo relvado e pistas de atletismo e de ciclismo. Inicialmente previa-se que as bancadas fossem totalmente cobertas e o estádio perfeitamente simétrico. No entanto, as dificuldades financeiras do clube e os custos de construção obrigaram a que a bancada central nascente fosse substituída por um peão, sendo a bancada central poente a única coberta por uma pala.
Para ajudar a financiar a obra, foram colocados à venda títulos de subscrição que os benfiquistas chamaram de ‘lagartos’. O jornal “Sporting” de 10 de Fevereiro de 1951 refere-se a isso. Num golpe de mestre, o jornal proclamou que “cura-se a ferida com o pelo do mesmo cão, como é vulgar dizer-se”. Vai daí, determinou que “doravante, adopta-se a designação de ´lagartos` para mais facilmente a propaganda atingir os seus objectivos”.
De ChakraIndigo a 10.06.2020 às 16:16
Caro Leão Zargo
Tenho duas questões que gostaria de lhe colocar, como conhecedor da história do futebol em Portugal:
- Eu tenho cópias dos títulos de subscrição do Sporting com a palavra "Lagartos". Porque afirma que "os benfiquistas" (quais, a direcção, um adepto, mil adeptos?) é que lhe deram esse nome. e qual seria a motivação ? Não tenho conhecimento de documentos ou noticias sobre esse assunto.
- Partilha da opinião que o agravamento do estado financeiro do clube pela construção do estádio de Alvalade tenha tido como consequência o desinvestimento na equipa de futebol e a perda da ligeira supremacia do Sporting (Sporting 9 titulos/Benfica8 titulos, em 1956- curiosamente nesta época da conclusão do Estádio o FCPorto conquistou o 4º titulo, 16 anos depois).
Agradeço a resposta antecipadamente.

Caro ChakraIndigo
Sempre ouvi contar esta "história", não tendo a certeza de que corresponda à realidade. Nos anos 40 os sportinguistas chamavam depreciativamente os benfiquistas de "lampiões" a propósito de determinados "roubos" nas arbitragens. Creio que Lampião era o nome de um brasileiro que tinha sido preso por assaltos e roubos.
Talvez por causa do grafismo e da tonalidade verde dos títulos de subscrição do Sporting, alguns adeptos do Benfica chamaram-lhes "Lagartos". Foi essa designação que o jornal Sporting de 10 de Fevereiro de 1951 aproveitou e apelou na 1ª página à compra dos "Lagartos".
As primeiras vendas foram um sucesso e uma semana depois o jornal Sporting voltava à carga: "felicitamos todos os 'lagartos' por preferirem os 'LAGARTOS'."
A verdade é que nos dias de jogo do clube, nas proximidades do campo de futebol, gritava-se a plenos pulmões "comprem o lagarto" e "olhó lagartinho", adquirindo a expressão lagarto outro significado aos olhos apaixonados dos leões. Entre os sportinguistas de há 30 ou 40 anos era normal chamarem-se de "lagartos" entre si.
Esta é a "lenda" que sempre ouvi contar.
A segunda questão que coloca é muito interessante e merece um comentário à parte. Mas, é verdade o que refere: o Sporting teve graves problemas financeiros em consequência dos custos da construção do Estádio de Alvalade em 1956.
De ChakraIndigo a 10.06.2020 às 17:13
Obrigado.
Sim, o apelido "lampiões" vem por analogia com Virgulino Ferreira da Silva, vulgo "Lampião" que era nessa altura um famoso ladrão do nordeste brasileiro.
Conhecido ainda como Rei do Cangaço, por ser o mais bem sucedido líder cangaceiro da história.
Ficou conhecido como Lampião, devido á sua capacidade de disparar consecutivamente, iluminando a noite.
Quanto ao tema "Lagartos" terei de ir investigar mais.
ChakraIndigo
Já não me recordava com esse pormenor do "Rei do Cangaço". Obrigado. Claro que também o nome de Lampião é associado ao Estádio da Luz, mas creio que não é essa a razão.
De acordo, fico à espera da sua investigação sobre os Lagartos.
A problemática da hegemonia do futebol português nos anos 50 e 60 é vasta e multifacetada. Na verdade, o Sporting teve supremacia do futebol português durante a época de 1940-41 até à primeira metade da década de 1950. Nesse período, conquistou nove vezes o Campeonato Nacional e cinco vezes a Taça de Portugal. Essa hegemonia esfumou-se a favor do Benfica na segunda metade da década de 1950 e durante a de 1960. Para isso houve várias razões, nomeadamente as dificuldades financeiras do Sporting e porque o Benfica fez com maior eficácia a transição do semiprofissionalismo para o profissionalismo no futebol na década de 1950.
Nos anos 50, o Sporting atravessou graves dificuldades financeiras devido à construção do Estádio. O custo aproximou-se dos vinte e cinco milhões de escudos e, apesar do elevado valor das contribuições angariadas pela Comissão Central do Estádio, pesou bastante no orçamento do Clube. Esse contexto financeiro condicionou a renovação da equipa que o técnico Enrique Fernandez pretendia efectuar. Mas, a situação financeira crítica teve raízes nas décadas anteriores, em que houve com frequência anos com saldo negativo, atenuados pelo sucesso desportivo da equipa principal de futebol que evitou uma maior visibilidade das dificuldades financeiras.
A hegemonia benfiquista começou a ser desenhada por Otto Glória em 1954 em consequência das alterações estruturais que ele impôs no clube. As suas ideias implicaram, nomeadamente, a profissionalização da equipa, a criação do Lar do Jogador, a instauração de concentrações e estágios, a elaboração de regulamentos muito rigorosos e limitações à entrada dos directores no balneário. Teve um sucesso imediato, conquistou dois campeonatos e três taças de Portugal. Bélla Guttman deu continuidade ao trabalho de Otto, lançando o Benfica europeu.
Estas duas questões são de ordem estrutural. O aspecto de carácter conjuntural verificou-se num Benfica 4 - Sporting 3 disputado na antepenúltima jornada do Campeonato 1959-60. Antes desse jogo, os encarnados tinham apenas um ponto de vantagem sobre os leões e com essa vitória o Benfica conquistou o título de Campeão Nacional. Este jogo decidiu o título, mas, mais do que isso, decidiu como é que o futebol português evoluiu nos anos seguintes. Sem esse título de campeão nacional não teria havido o Benfica campeão europeu em Berna em 1961.
De ChakraIndigo a 10.06.2020 às 17:36
Caro Leão Zargo,
em traços gerais expôs claramente o meu pensamento sobre essa questão, supremacia/construção dos estádios (o financiamento da Luz foi melhor sucedido), a que se somam outras questões estruturais que enumerou, e bem.
Somaria ainda uma melhor definição do perfil de jogador a escolher, tendo em conta que o Benfica não podia contratar futebolistas estrangeiros, tendo de ser mais criterioso e conhecedor do futebolista português. Também ajudou a definir uma imagem mais popular e agregadora, embora sejam aspectos subjectivos que eu possa valorizar mais por se tratar do meu clube.
Fico sempre satisfeito quando se consegue analisar o passado sem chavões de "clubes do regime".
Obrigado pela partilha

Caro ChakraIndigo
Uma pequena ironia de que me recordei agora. O Sporting "deu" o título ao Benfica ao empatar com o Belenenses nas Salésias na última jornada.
Essa foi a primeira época de Otto no Benfica. O treinador brasileiro manteria a mesma autonomia e poder se o Benfica não tivesse conquistado o título?
De ChakraIndigo a 10.06.2020 às 18:24
LZ
É daquelas perguntas de que nunca teremos resposta

Caro ChakraIndigo
Penso que os aspectos que refiro foram os determinantes. O Sporting ainda se bateu com o Benfica nos anos 60, mas a superioridade benfiquista decorreu da presença do Eusébio. Nunca no futebol português um jogador foi tão determinante como ele foi. Depois, quando se entrou na década de 1970, o Benfica já estava claramente à frente no que refere ao plantel, mas também ao profissionalismo e à organização do departamento do futebol.
De ChakraIndigo a 10.06.2020 às 17:41
Concordo na generalidade, mas tenho de referir que tão determinante como Eusébio no Benfica foi Peyroteo no Sporting.
Peyroteo teve o azar de ter nascido antes do tempo da Taça dos Campeões, e o quão maravilhoso teria sido ver Eusébio e Peyroteo a competir na mesma década.
De qualquer forma, não podemos esquecer que o Benfica foi Campeão Europeu sem Eusébio, mas efectivamente com ele o nível da equipa (e do Clube) subiu para outro patamar.
ChakraIndigo
Compreendo a sua referência a Peyroteo e de facto ele foi determinante sempre enquanto jogou. Era o goleador por excelência do futebol português, um avançado-centro como não voltou a haver. Chamaram-lhe o "Bombardeiro".
Em campo, Eusébio tinha uma mobilidade diferente de um camisola 9 nos anos 30 e 40. Outro tempo, outro sistema de jogo. Eusébio movimentava-se em todo o meio campo ofensivo do Benfica.
Tem razão, o Benfica campeão europeu é anterior a Eusébio.
De ChakraIndigo a 10.06.2020 às 18:23
Leão Zargo
Eusébio era uma espécie de 10, misturado com 9, nem era centro campista nem ponta de lança.
Para além dos golos que marcou, Eusébio fez centenas de assistências para golo, e conseguiu destacar-se numa equipa com alguns dos melhores e mais titulados futebolistas do futebol português.
Provavelmente Portugal nunca mais terá um Bola de Ouro a jogar numa equipa portuguesa.
Peyroteo não teve a sorte de ter nascido uns anos mais tarde, ele e Eusébio juntos talvez tivessem levado a selecção a conquistar um titulo.
ChakraIndigo
Caracteriza muito bem Eusébio. Essa versatilidade tornou-o excepcional, e teve ao lado dele alguns dos melhores jogadores do seu tempo.
Excelente debate, este. Parabéns aos dois.
Peyroteo e Eusébio, cada um no seu tempo. Nunca saberemos o que fariam hoje. Não duvido minimamente que seriam à mesma grandes jogadores, mas a soma dos golos já não é tão plausível.
Lendas para a história do futebol português e mundial.
De Bento a 10.06.2020 às 16:58
👍
De RCL a 10.06.2020 às 18:49
O futebol português pode, teoricamente, dividir-.se em 5 períodos:
1º - Sporting dos 5 violinos.
2º- Chegada de Otto Glória ao Benfica, vindo do Vasco da Gama do Rio de Janeiro, trouxe o profissionalismo
3º - Eusébio, como já foi dito , marcou as décadas de 60 e 70.
4º- Pinto da Costa, 21 campeonatos em 38 anos de presidência.
5º - Luís Filipe Vieira, 7 campeonatos em 17 anos .
Também a construção da Bancada Nova do Estádio José Alvalade levantou problemas financeiros que levou à saida de vários jogadores. Em 1982 Pinto da Costa é eleito presidente do FCP.
O Sporting, campeão em 1982, tinha uma equipa capaz de ganhar mais 3/4 campeonatos. João Rocha despediu Allison e sairam alguns jogadores para o FCP. Parece tirado a papel quimico de 1956 com a agravante de um jejum de 18 anos. Começavam também os jogos de secretaria

SL
Falta explanar a totalidade do consulado de Pinto da Costa e, em tempos mais recentes, o de LF Vieira.
De RCL a 10.06.2020 às 22:16
Isso será trabalho para alguém com genio de historiador , sociólogo, que perceba de artes mafiosas. Eu só gosto de futebol e de ganhar honestamente, como em tudo na vida. O encanto está em ser o melhor!
Um abraço!
SL
De ChakraIndigo a 10.06.2020 às 22:30
Caro RCL
tenho para mim que o ponto critico no Sporting foi a época em que Pinto da Costa e Valentim Loureiro conseguiram "cozinhar" um titulo do Boavista retirando ao Sporting a possibilidade de fazer o bi-campeonato e depois o tri, e quem sabe retomando o lugar que lhe foi "retirado" pelo clube do Porto.
O Sporting de Dias da Cunha conseguiu igualar os 18 campeonatos do FCPorto, e foi um grande líder para o Sporting, e em má hora os sportinguistas o obrigaram a sair, não percebendo o quão incómodo ele se tinha tornado para o "sistema".
Dias da Cunha percebeu claramente quem mandava no futebol, e tentou manter maior proximidade com o Benfica, até pela relação pessoal com elementos da direcção do clube, demarcando-se das práticas pouco éticas de Pinto da Costa e Valentim Loureiro.
Fala-se muito do "benfiquistão", esquecendo que o Benfica até há 6 anos teve um período de 20 anos em que conquistou 2 campeonatos e 2 Taças de Portugal, dos quais 13 com Vieira como responsável do futebol e depois Presidente.
Parece evidente que houve um clube beneficiado pelo sistema, e Dias da Cunha entendeu isso perfeitamente.