Camarote Leonino

O assobio é um talento que só está ao alcance de alguns. O criador dotou-nos da capacidade de produzir silvos, mas a verdade é que nem todos a desenvolvem devidamente, o que é pena, porque saber assobiar pode trazer grandes vantagens. O som não é apenas intensidade, é também frequência, e o nosso ouvido está mais desenvolvido nas altas do que nas baixas frequências. O assobio é um som de baixa intensidade, mas porque é emitido numa frequência alta é detectado pelo ouvido humano. Esta característica torna o assobio muito importante nas nossas vidas, pois são múltiplas as suas funções. O assobio pode ser utilizado para fins musicais, para o piropo inofensivo, para chamar a atenção de alguém, para pedir socorro, e também, claro está, para manifestar desagrado. O assobio frouxo não tem utilidade alguma. As escolas deviam ensinar a trabalhar o assobio, pela importância que esta faculdade tem. O assobio é largamente utilizado em estádios de futebol para manifestar desagrado, e continuará a sē-lo enquanto não for criminalizado. Acredito que não estaremos longe desta medida. Assobiar é uma das poucas formas, e talvez a mais civilizada, que o adepto anónimo tem de se manifestar quando está perante um acontecimento que não lhe agrada. O assobio é sempre preferível ao palavrão. Apraz-me registar a educação que tiveram os espectadores nas suas manifestações de desagrado para com o João Mário. Em vez de partirem para o insulto, ficaram, e bem, pelo assobio. Só lhes fica bem. Claro está que uma vitória sobre o Liechtenstein não é notícia. Haveria notícia se fosse o Liechtenstein a ganhar. Os recordes do Ronaldo, pela sua quantidade, também já não são notícia. Desta forma, na ausência de notícias naturais, que cativem as audiências, é preciso criá-las artificialmente, pois a necessidade de alimentar programas desportivos de várias horas assim o exige. É neste contexto que aparece a estonteante notícia dos assobios ao João Mário. De facto, é uma notícia que só falta ser comentada pelo presidente Marcelo. Também não devia ser posto de parte um voto de protesto na Assembleia da República. Vivemos tempos esquizofrénicos.