Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




 

Daniel-Oliveira.jpg

Passo a descrever as 12 lições que Bruno de Carvalho aprendeu com a experiência de Donald Trump. Umas resultam de personalidades narcisistas e megalómanas semelhantes. Outras serão fruto de coincidência. Outras correspondem ao “ar do tempo”. Outras terão sido mesmo decalcadas pelo próprio ou por conselho de agências de comunicação. Mas todas correspondem a uma forma de fazer política, seja num país ou num clube:

 

1– Para manter uma maioria fanatizada não pode haver matizes. O mundo divide-se em dois: o povo, representado por mim, e a elite, representada por aqueles que me enfrentam

 

O povo, no caso do Sporting, é o sócio comum. A elite é uma amálgama. Podem ser pessoas reconhecidas pelos sócios (os “notáveis”), mesmo que tenham apoiado ou feito parte das direcções do líder; os accionistas, mesmo que tenham sido grandes amigos no passado; e grupos sociais específicos (os “croquetes”). O povo é toda a gente que não se destaque publicamente, liderado pela única pessoa que merece ser destacada, o próprio Bruno de Carvalho. O único “notável” legítimo. O resto ou é elite ou está ao serviço dela para retirar o poder ao povo.

 

2– Não pode haver nenhuma plataforma de diálogo e compreensão entre os que estão do meu lado e aqueles que se opõem a mim

 

Para que a radicalização de posições e a fanatização acrítica funcione é fundamental que não haja qualquer plataforma de diálogo entre os que estão pelo líder e os que estão contra o líder. Os primeiros alvos devem ser, por isso, os moderados. A fractura absoluta entre os dois lados permite quebrar todos os laços de pertença que não dependam da liderança.

 

Quem não seja por Bruno de Carvalho é “sportingado” e não tem nada em comum com os que o apoiam. Nem sequer o clube, a que não deviam pertencer. A incomunicabilidade torna impossível a razoabilidade. Passam a ser dois mundos que não se falam e não se compreendem. Isso protege os apoiantes do líder de qualquer influência.

 

3– Uma enorme aliança de interesses conspira contra mim (ou contra nós)

 

Nenhum ataque ao líder resulta de uma opinião livre e desinteressada. Todos estão ligados por uma enorme rede conspirativa que pode juntar pessoas e grupos com pouco ou nada em comum. A visão conspirativa do mundo é o que traça o laço inquestionável entre o povo e o líder, fazendo de cada novo inimigo não uma derrota mas a confirmação da justeza da luta.

 

No caso do Sporting, isso incluiu aqueles que os adeptos se habituaram a ter como heróis: os jogadores. Anular a “idolatria” pelos atletas (ainda muito antes das rescisões) é uma excelente forma de concentrar apenas no presidente o foco da admiração. De um lado temos Bruno de Carvalho e todos os verdadeiros sportinguistas e do outro os accionistas, os agentes, os jogadores, a comunicação social, os outros clubes e todos aqueles que internamente trabalham para estes interesses.

 

4– A instituição existe na medida que eu existo, eu sou quem agrega todos os que a defendem

 

A instituição, os seus símbolos e a sua história, que geralmente precedem os dirigentes e a eles devem sobreviver, são lentamente substituídos pela figura do líder. Porque tudo o que transcende o líder exibe a transitoriedade da sua liderança, relativizando assim o seu próprio poder. Os momentos da vida familiar do presidente misturam-se com a vida do clube. E o presidente está no centro de todos os momentos relevantes do clube. Está sentado no banco como se fosse um treinador ou a festejar no relvado como se fosse um jogador. Não aprecia a tribuna presidencial onde outros presidentes estiveram, o que o equipararia a eles. Só assim se constrói a ideia de que a instituição nasceu, morrerá e se esgota com o seu líder. Afastá-lo é matar a própria instituição.

 

5– Todas as figuras que me acompanham no poder são secundárias, descartáveis e apenas aceitáveis se me seguirem cegamente

 

Nenhuma figura, para além do líder, se deve destacar. Dar relevância à equipa dirigentes é dar força aos futuros traidores. O líder decide, os outros aplicam. O único obstáculo a isto, no caso de Bruno de Carvalho, foi Jorge Jesus. Que se revelou, coisa que nunca imaginei, um “político” notável. Apenas para a sua própria sobrevivência, mas notável.

 

6– A lei é um mero formalismo e os contrapesos ao meu poder são traição

 

Numa nação seria muitíssimo difícil, mas num clube é bastante fácil nomear órgãos inexistentes, promover a leitura criativa dos estatutos e da lei ou adulterar o conteúdo de decisões judiciais. Ficou evidente como é possível fazer desabar um edifício regulamentar e criar uma espécie de legalidade paralela. E com isso infectar toda a estrutura, impondo a todos a dúvida sobre a legitimidade de qualquer contrapoder.

 

Bruno de Carvalho não é Donald Trump porque o Sporting não é um país. Mas é impressionante o que eu, com tantos anos de experiência política, aprendi ao observar poucos meses de confronto num clube. E estou assustado com o que nos espera na política.

 

7– Se eu vencer o povo votou em mim, se eu perder houve fraude

 

Nas eleições federais, Donald Trump deixou sempre na dúvida se aceitaria os resultados caso fosse derrotado. Deixar no ar a possibilidade de haver uma fraude era o que lhe permitiria não respeitar a vontade dos eleitores se fosse contra ele. Para a Assembleia Geral de sábado – e, se for o caso, nas eleições –, muitos seguidores de Bruno de Carvalho têm feito o mesmo, deixando várias pistas sobre a probabilidade de uma “golpada”. Seja porque venceu, seja porque houve fraude, Bruno de Carvalho tem sempre a vitória garantida junto dos seus. E assim os poderá manter fanatizados.

 

8– Banalizar o insulto até já não ser ouvido como insulto retira quem não insulta do confronto

 

A maioria dos intervenientes políticos e cívicos está limitada por algumas regras sociais de civilidade. Desfazer essas regras pode ser uma grande vantagem. Como se costuma dizer, não vale a pena atirares-te para a lama com um porco, ficas sujo e ele gosta. Banalizar o insulto permite retirar da contenda quem quer proteger a sua credibilidade. Quando repetido muitas vezes o insulto deixa de chocar. E quando deixa de chocar, a ausência dos oponentes nesse nível de debate passa a ser percepcionada como sinal de fraqueza. No fim, resistem os mais agressivos, que conseguem acompanhar a violência do debate, o que leva o espectador desatento a equiparar os dois lados. Nisto, Bruno de Carvalho é uma cópia quase decalcada de Donald Trump. Apenas um pouco mais grosseiro.

 

9– Toda a comunicação social está contra mim porque faz parte do sistema, só devem acreditar em mim e nos que falam em meu nome

 

A comunicação social portuguesa não gosta de Bruno de Carvalho com o mesmo empenho que a norte-americana detesta Donald Trump. Um e outro fizeram tudo para ser odiados pelos jornalistas. E os jornalistas caíram na armadilha. Um e outro não perderam nada com este ódio que rapidamente se transforma em parcialidade. Todos os ataques funcionam como confirmação de que a comunicação social trabalha para o inimigo. E quanto mais forem provocados mais partidários serão os jornalistas e mais razão darão à sua “vítima”.

 

A partir daqui, passa a ser possível dizer que, estando militantemente contra o líder, toda a comunicação social mente. E exigir aos seguidores que a ignorem, ignorando assim qualquer tipo de escrutínio externo. No caso de Trump, pede para verem a Fox News. No caso de Bruno de Carvalho, só pode pedir para verem a Sporting TV, que usa, tal como o site do clube, como órgão oficial de facção.

 

10– Mesmo que a comunicação social não goste de mim vai-me dar todo o tempo de antena porque eu lhes ofereço o grotesco, que dá audiências

 

Se a comunicação social não demonstra qualquer simpatia por Bruno de Carvalho, assim como não mostrou qualquer simpatia por Donald Trump, porque lhe dá tempo de antena ilimitado? Porque, à sua escala, um e outro dão audiências. Todas as novelas que alimentam são deprimentes, tristes, rocambolescas, por vezes o acidente para que todos olham, mas um excelente reality-show.

 

E assim Bruno de Carvalho vai usando a dependência das televisões por audiências para ter palco e ganhar força. E usa, como Trump, as redes sociais para criar factos de polémica diários.

 

11– Um exército de fanáticos (ou de perfis falsos) nas redes sociais faz milagres para anular o inimigo

 

Quem tem acompanhado as polémicas do Sporting nas redes sociais fica varado com o cerco feito a qualquer pessoa que ouse fazer a mais pequena crítica a Bruno de Carvalho. Os ataques não passam apenas pela repetição dos argumentos dados pelo presidente, por mais estapafúrdios que sejam. Quase sempre recorrem ao insulto e à perseguição em matilha ou à ameaça explícita. A violência é tal que até os mais corajosos e persistentes desistem de participar no debate, deixando as tropas de choque sozinhas na arena.

 

Dirão que tudo isto é o habitual das redes sociais. A diferença é que, neste caso, é coordenado. Muitos dos perfis são falsos ou anónimos e há fortes suspeitas de que a empresa de comunicação contratada pelo Sporting estreou em Portugal a estratégia experimentada por Trump e políticos de extrema-direita europeus.

 

12– Se mentir sempre, ou não serei desmentido ou obrigarei o inimigo a estar sempre a responder-me

 

Qualquer fact-checking às intervenções de Bruno de Carvalho exigiria muito mais espaço do muito que ele usa. Tal como sucedia com Donald Trump. Em muitos casos a mentira é fácil de desmontar, de tal forma é descarada. Só que as mentiras são como as dívidas: uma é um problema para o mentiroso, muitas é um problema para quem queira repor a verdade. Perante uma sucessão de mentiras, que permitem construir uma realidade paralela (o fanático é condicionado a não acreditar na imprensa e em mais ninguém que não seja o líder), o adversário tem duas hipóteses: repor a verdade e ficar preso à agenda imposta pelo líder ou deixar que a mentira se instale como verdade.

 

Bruno de Carvalho não é Donald Trump porque o Sporting não é um país. Quem não ligue ao que se passa no futebol considerará, por isso, este paralelo absurdo. Mas é por estarem em patamares muito diferentes que este exercício é tão útil. Porque se Bruno de Carvalho conseguiu – e penso que em muitos casos o fez conscientemente – adaptar para um clube a lógica de um combate político do outro lado do Atlântico, quer dizer que a receita é ainda mais eficaz do que se pensava.

 

Quem conseguir readaptar a táctica de Bruno de Carvalho à política nacional poderá ir longe e ter efeitos destrutivos a uma escala muito maior. Claro que, por ser o meu clube e por ser um presidente que apoiei, dou a isto tudo uma importância talvez desmedida. Num clube não existem os mesmos conflitos que existem no resto da sociedade, as pessoas não valorizam as mesmas coisas, as condições materiais de vida têm pouca relevância para as escolhas que fazem. Mas é impressionante o que eu, com tantos anos de experiência política, aprendi ao observar poucos meses de confronto num clube. E estou assustado com o que nos espera na política.

 

Daniel Oliveira, jornal Expresso

publicado às 04:04

Comentar

Para comentar, o leitor necessita de se identificar através do seu nome ou de um pseudónimo.


12 comentários

Sem imagem de perfil

De Fidalgo a 22.06.2018 às 08:34

Caros Amigos Sportinguistas,

Tenho andado a ler algumas publicações do passado aqui no Camarote, e descobri uma que me diz muito, não só pelo conteúdo, mas porque foi escrita pelo meu falecido irmão. É datada de 20 de Novembro de 2016, podia ter sido escrita ontem. Diz o seguinte:

«Volto a repetir aquilo que disse numa publicação anterior. Bruno de Carvalho está refém da sua própria estratégia. Sabendo disso, e para continuar a sobreviver, não pode tomar agora decisões que contrariem aquilo que andou a vender às massas populares sportinguistas.

Bruno de Carvalho fez uma carreira longa nas estruturas internas do clube, sempre cultivando um contacto próximo e constante com os adeptos, com as claques de apoio ao clube leonino, cedendo à emoção e desvalorizando a razão. Foi assim que ele conquistou a confiança de grande parte dos adeptos. Desta forma foram criadas as condições para se exercer um autoritarismo consentido, uma dominação que não é entendida por quem é dominado. E infelizmente...há ainda muito sportinguista que não entende isso.

Ao melhor estilo marxista, coisa que a miudagem não sabe o que é, nem quer saber, Bruno criou a ideia de que há bons e maus sportinguistas. Ao colocar a palavra decisiva nas emoções, sentimentos e percepções dos adeptos, dos grupos organizados de apoio ao Sporting, Bruno de Carvalho fez desaparecer a intermediação racional, de ponderação e lucidez que está associada às estruturas de poder.

Um presidente de um clube de futebol não poderá utilizar esse seu estatuto privilegiado – verdadeiro poder em função da importância do futebol na sociedade actual– para exteriorizar um discurso de ódio, um discurso que ajude a criar divisões internas e que pode facilmente levar à violência.

Tudo isto ajuda a explicar aquilo que o Rui escreve no final do seu texto, dizendo que ele aparenta ter a necessidade de alimentar discórdias de todo o tipo, de fazer capa de jornais e depois culpar a comunicação social. Faz parte de uma estratégia...muito, muito perigosa».

Podem verificar aqui: https://camaroteleonino.blogs.sapo.pt/ponte-de-ligacao-aos-leitores-2743076
Sem imagem de perfil

De Francisco a 22.06.2018 às 09:23

Excelente texto!
Imagem de perfil

De Rui Gomes a 22.06.2018 às 10:05

Caro Fidalgo,

Este texto do seu irmão, entre outros que ele escreveu enquanto andou de mãos dadas connosco, ilustra a sua clarividência sobre o estado de coisas então e ainda hoje.

Um histórico testemunho do seu sportinguismo.
Sem imagem de perfil

De Fidalgo a 22.06.2018 às 11:38

Caro Rui,
Obrigado pelas palavras.
O Zé foi sempre um grande crítico de Bruno de Carvalho, porque desde cedo percebeu quem era esta personagem, e para o que vinha. O que mais o magoava em tudo isto era a destruição dos valores e da identidade, fundamentais não só para o Sporting, como para toda a sociedade. Acreditou sempre na importância da evolução e da modernidade, mas nunca descurando as origens e os valores da educação e do respeito.
Um abraço
Imagem de perfil

De Naçao Valente a 22.06.2018 às 13:18

Caro Fidalgo,
Um texto muito lúcido e com total actualidade. Percepciona o que estava a acontecer e prevê o que aconteceria. Nessa altura, ainda éramos poucos a alertar para a descaracterização que o Sporting estava a sofrer, quer a nível da sua unidade interna, quer ao nível do seu isolamento externo. Tivemos a capacidade de entender que estávamos perante um indivíduo sem princípios e sem valores, com um projecto (em parte oculto) de poder ditatorial. Apesar disso, nunca pensei que fosse tão longe.

Outros como o autor do texto, estranhamente se deixaram levar pela sua demagogia e sempre lhe foram dando água benta. Acordaram tarde, mas mais vale tarde que nunca.


Bem haja o seu irmão pela sua lucidez e coragem.
Sem imagem de perfil

De JCR a 22.06.2018 às 14:02

Brlhante texto, caro Fidalgo, escrito pelo seu malogrado irmão, que, e fé à parte, se estiver no céu, estará agora a dizer como teve razão, à quase 2 anos atrás!

Pena é muitos dos que agora estão contra o maior ditador da história do desporto Português, terem quase fanaticamente, como escreveu Daniel Oliveira, adorado o querido líder, pelo que, vergonha na cara, precisa-se e muito, nos sócios do nosso clube, com quase 112 anos!

E resta-me também só referir, no texto do seu irmão, 1 reparo, é que nem só o marxismo, tem e usa este estilo, basta ver o criminoso Trump, que de marxista, tem pouco ou nada, basta ver também o exemplo do canditado a líder dos TERRORITAS da Juve Leo, Mário Machado, que de marxista, também tem muito pouco ou nada, populistas, não têm ideologia política, firmada nas ideologias políticas do passado, têm só e isso sim, a sua própria ideologia, e que é, querer sempre e só, o poder absoluto e supremo, mais nada!

Comentar post





Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Taça das Taças 1963-64



Pesquisar

  Pesquisar no Blog



Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D




Cristiano Ronaldo