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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Quando em dia de jogo chego ao Estádio de Alvalade o primeiro olhar é para o nosso guarda-redes que faz o aquecimento. Sempre mantive uma relação especial com os guarda-redes do Sporting. E, desde que me recordo de gostar de futebol, preservo num canto precioso da minha memória aquele que acompanhou parte muito importante da minha juventude leonina: Joaquim da Silva Carvalho.
Carvalho nunca tremeu perante o epitáfio de José do Carmo Francisco, em “Os Guarda-Redes Morrem ao Domingo”: “Eles ganham, mas às vezes perdem. Eles vivem, mas às vezes morrem. Sempre que sofrem um golo impossível, sempre que no último minuto se deixam bater e um resultado muda, é uma pequena morte. Um esquecimento negro esconde no olhar dos adeptos todas as defesas, todas as intervenções positivas dos restantes minutos.” Nunca tremeu, mesmo quando a bola feita cometa era disparada contra o nosso coração!
Construí um imaginário feito de fotografias esbatidas a preto e branco nos jornais desportivos e nas caricaturas minuciosas do Francisco Zambujal, em A Bola. E sinal do tempo, também construído através dos relatos de futebol pela voz de Artur Agostinho. Recordo-o vestido com uma camisola negra e luvas da mesma cor a defender de forma imponente a baliza do Sporting. Era o meu Lev Yashin.
A colecção Ídolos do Desporto apelidou-o de “homem tranquilo” do Sporting. Até parece piada, pois para companheiros e adversários era o “Cavalo”. Em situação de perigo para a baliza o Carvalho era impetuoso e ninguém estava a salvo de ser atropelado na luta feroz da grande área.
Recordo-me de dois acontecimentos invulgares. Na finalíssima com o MTK, em Antuérpia, o Carvalho esbofeteou o Pérides porque este hesitou numa bola dividida. Foi para lhe acalmar os nervos, disse ele. No final do jogo com o Varzim, que sagrou o Sporting campeão nacional em 1965-66, Carvalho desfaleceu com a emoção. Os homens também choram, digo eu.
Ao longo da década de 60 houve sempre jogadores da linha média leonina como Géo, Osvaldo Siva, Gonçalves ou Peres que se integravam com eficácia no ataque, juntando-se a Mascarenhas, Figueiredo, Lourenço ou Marinho, tornando a equipa bastante ofensiva e espectacular. Lá atrás, Carvalho segurava as pontas. Entre os postes era extremamente competente e apesar da sua invulgar compleição física, reagia de forma felina aos remates de curta distância. Um jornalista belga escreveu após a vitória frente ao MTK que “o guarda-redes das luvas pretas tinha umas mãos compridas”. Grande elogio.
Carvalho estreou-se no Sporting no decurso da época de 1959-60 e logo num derby, no Estádio da Luz. As coisas corriam mal para os leões que aos vinte minutos já perdiam por três bolas a zero. Na baliza, o Octávio de Sá cumpria a via-sacra dos guardas-redes: dia mau na baliza é dia de crucificação. Nada lhe saía bem, ficava-se nas saídas, largava as bolas, falhava os cruzamentos. Um desatino. Aí, o treinador Fernando Vaz avisa para o lado a meia voz: ”Ó Carvalho, prepara-te para entrar que o Octávio está com a cabeça ao contrário”.
Naquela altura só havia direito a uma substituição, apenas o guarda-redes poderia sair por razões físicas. Octávio de Sá simulou uma lesão e Carvalho entrou para a baliza.
“Pegou de estaca”, disse mais tarde o Fernando Mendes, o grande capitão. E pegou mesmo, pois foram quase dez anos a titular do Sporting, até surgir o Vítor Damas em 1968 a ocupar o lugar e iniciar uma nova saga. Coisas de guarda-redes.
Entretanto, correu muita água por debaixo das pontes e grandes guarda-redes defenderam a baliza do Sporting. Mas, o meu "keeper" de sempre é o senhor Joaquim da Silva Carvalho!
P.S.: Carvalho foi jogador do Sporting de 1958-59 a 1970-71, conquistou a Taça dos Vencedoras Taças, venceu três vezes o Campeonato Nacional e a Taça de Honra e uma vez a Taça de Portugal.
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