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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
«O destino tem coisa do arco-da-velha. Então não é que, na minha primeira época no Sporting - em 1977/78 - o sorteio do campeonato ditou logo um Sporting - Benfica na primeira jornada. Tinha deixado o Benfica há poucos dias, depois de o representar sete anos consecutivos, e tinha logo que ser esse o meu primeiro adversário.
Nesse dia, quando subi ao relvado, fez-me muita confusão. Estava habituado a subir por aquele túnel mas pelo outro lado. Há poucos meses tinha feito aquele mesmo trajecto com a camisola encarnada. E depois era também um questão de amizade. Do outro lado estavam os meus melhores amigos. Conhecia melhor os meus adversários do que os meus próprios companheiros. Foi muito estranho.
Durante o jogo tentei tirar partido disso. Não foi uma nem duas vezes que gritei para o Toni, "passa a bola Toni !". Às primeiras ele ainda hesitou mas nunca foi na conversa. "Tu agora és do inimigo !",dizia ele.
O estádio estava cheio e eu sabia que uma grande parte daqueles olhos estavam postos em mim. As pessoas tinham curiosidade em saber como é que eu reagia a jogar contra um clube que representei durante tantos anos. Por isso fui ter com o Chalana, para mim um dos melhores jogadores portugueses de todos os tempos, e avisei-o, "oh Chalana, vê lá se não vens para o meu lado com essas rabetas porque é a minha estreia e não quero passar aqui uma vergonha." Resposta dele: "ó Russo, tá descansado que isto é tudo em família, não há problema, eu não faço essas coisas aos meus amigos." Ora, na primeira jogada do encontro o sacana pega na bola, vem direito a mim e, ainda hoje não sei bem como, passou-me a bola pelo meio das pernas. Aquilo era a pior coisa que me podiam fazer. Irritei-me e fui direito a ele, "Fernando, mas afinal o que é esta merda pá ?!", estava em brasa, "É pá ó Russo desculpa, mas era o único sítio por onde a bola podia passar..." Poucos minutos depois há um canto do lado direito a favor do Benfica. A bola vem cruzada para a área e o Chalana de cabeça, pimba ! Lá para dentro.
(...) Depois do jogo fomos, como sempre, todos juntos comer um prego e uns "bichinhos" a uma cervejaria ali em Benfica, porque acima de tudo estava a nossa amizade. O jogo acabou empatado 1-1, golo de Fraguito.»
Do livro Estórias d'Alvalade de Luís Miguel Pereira
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