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Fair play no futebol ?

Naçao Valente, em 16.07.19

Turkish_21.jpg

"O coronel Silva Leão, num Volkswagen oficial, passou a porta de armas da sede da unidade às onze da manhã como todos os dias, depois de ter estado em Alvalade, para despachar expediente no Clube que presidia. Tão absorto no desaparecimento de um jogador moçambicano de nome Eusébio, que tinha contratado há uma semana, que não se apercebeu da triste e amarrotada figura que o esperava à porta do gabinete. Foi o seu ordenança que o informou que tinha à espera um paisano, que teimava em falar-lhe com urgência.

Quando entrou no gabinete do comandante, Judas Tadeu, estava tão perturbado que nem reparou no homem fardado, de óculos graduados, sentado atrás de uma secretária ornamentada com galhardetes militares. Na parede as armas da unidade estavam encimadas pelos dizeres: Artilharia 14, DISCIPLINA HONRA GLÓRIA e mais abaixo, outra frase: “ESFORÇO DEDICAÇÃO E GLÓRIA EIS O SPORTING”. Uma voz fortemente metálica acordou-o da sua letargia:

-Senhor comandante, venho fazer queixa do sargento Sancho. Manchou a minha honra, usou a minha mulher e destruiu a minha vida...

-Ó Sancho, o que é que você andou a fazer com a fêmea dum tal Judas?

Bem, meu coronel, eu de facto envolvi-me com a senhora de um amigo, mas sabe como é... um homem não é de pau...

-Pois, mas a mim é que me caiu o menino nos braços. Já não me bastava o rapto do craque moçambicano, possivelmente por aqueles filhos da (som de corneta) do outro lado da segunda circular, e vem agora você a meter-me em mais uma enrascada. "

Excertos de Flagrante Fatal (Os Bons Velhacos-estórias de caserna)

Este excerto vem a lume a propósito da selva que é o aliciamento de jogadores jovens, já desde os tempos em que estávamos longe  do "mercantilismo" desregrado. O conto que mistura dois factos, o envolvimento extra conjugal de um sargento e a contratação de Eusébio pelo SL Benfica, são a base real. Tudo o resto é mera ficção. Embora na época o comandante do Regimento de Artilharia de Costa, fosse um conhecido sportinguista, onde cumpriam serviço jogadores do Sporting, em condições especiais, (exemplo: um promissor médio de nome Dani) o presidente real era Brás Medeiros.

O caso Eusébio exemplifica claramente o que hoje em dia, exponenciado pela ganância, é o mundo de contratações no futebol. Em linhas gerais, o jogador evidenciou-se no Sporting de Lourenço Marques, uma filial do Sporting, que negociava a sua vinda para Portugal. Segundo a versão de Hilário da Conceição, algumas discrepâncias nas verbas a pagar ao atleta arrastaram o assunto. O Benfica, numa acção surpresa, foi a Moçambique, avançou dinheiro e trouxe-o para Lisboa, em 16 de Dezembro de 1960.

Hilário ainda o convenceu, entretanto, a vir para o Sporting a troco de mais dinheiro, mas mais uma vez, o Benfica, avisado,"escondeu" o Eusébio algures no Algarve. O caso meteu a Federação Portuguesa de Futebol que não avalizou a transferência, e o caso arrastou-se por vários meses, até haver um acordo entre os dois clubes a 10 de Maio de 1961, tendo-se  estreado a 23 de Maio e marcado três golos.

A negociação feita com o jogador e a família, à margem do clube onde jogava, é o exemplo de que a falta de regras, de fair play, no mundo do futebol, não são novidade. A integração de Eusébio, um fora de série,  no plantel do Benfica fez toda a diferença. Apesar do bom plantel que possuía não teria sido a mesma equipa sem este jogador. Como se tivesse feito parte do plantel leonino a história do Sporting não teria sido a mesma. 

Nestes tempos, a multiplicação destes casos é a regra. Ao contrário dos anos sessenta, onde ainda pesavam as óbvias vantagens desportivas, hoje pesa principalmente o cifrão. E se mesmo após a assinatura de contratos de formação existem jogadas de bastidores, na fase anterior, a selva é total. Vence quem tiver mais dinheiro para "untar" as mãos dos pequenos atletas, que prometem ser estrelas, e dos seus progenitores que sonham formas rápida de enriquecimento.

E porque a natureza humana é , com as devidas excepções, cega pelo brilho do "ouro", não se pode esperar dos principais protagonistas outro comportamento. Esta forma de aliciar jovens, a bem dizer crianças, com menos de dezasseis anos de idade, com dinheiro, pelo seu desempenho futebolístico, indicia crime de utilização de trabalho infantil. A formação nessa faixa etária, não pode ser paga através de contratos onde as altas verbas circulam clandestinamente.

Este é um assunto grave e importante que deveria merecer atenção de quem tem poder nas estruturas desportivas, e a nível governamental. Por este caminho, o mundo do futebol, mais do que ausência de fair play, é cada vez mais, um mundo paralelo, bem real, onde predomina o poder de uma máfia do século XXI.

publicado às 03:03

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5 comentários

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De Pedro Miguel a 16.07.2019 às 09:01

Em primeiro lugar, a história que o PRÓPRIO Eusébio conta não é, nem parecida, com o que aqui é descrito, pelo que assumo que os pormenores aqui descritos também são ficção.

Por outro lado, considero que uma das grandes virtudes deste blog é a sua abertura a participações de adeptos de outros clubes... Mas não posso deixar de achar estranho que, para dar um exemplo, se fale no Eusébio e não, por exemplo, no João Pinto, Paulo Sousa e António Pacheco.

É que, descurando outros aspectos, umas das coisas que é unânime da história do Eusébio é que ele e toda a sua família eram simpatizantes do Benfica e que, eram os dirigentes do Sporting de Lourenço Marques que tentaram levá-lo para o SCP contra a sua vontade.

Já no caso que refiro, o SCP, aproveitando-se da fragilidade financeira do Benfica, levou alguns dos seus melhores jogadores. Penso que é difícil arranjar uma maior falta de "fair-play" do que isso.
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De Naçao Valente a 16.07.2019 às 13:32

O caso Eusébio, dado como exemplo, aconteceu porque o Benfica foi Lourenço Marques, contratar o jogador à revelia do seu clube, e porque o Sporting se deixou dormir na forma. Veio para Lisboa e depois foi escondido, para evitar que fosse contactado pelo Sporting.
Depois há as versões pessoais. A de Hilário não coincide totalmente com a de Eusébio, portanto acredite na que mais lhe convém, sem esquecer que eram conhecidos e creio que até amigos.
Não sei se a família era ou não simpatizante do Benfica. Agora ficção é que é a de que estava a ser forçado, contra sua vontade, para ir para o Sporting.
Fala-se de Eusébio por ser um jovem na altura e por seu um caso que deu muito que falar. Os outros casos que refere passaram-se com jogadores adultos, num contexto diferente. Houve falta de fair play? Digo que sim. Aliás não está escrita uma frase no meu texto, que diga que a falta de fair play é exclusiva de qualquer clube.
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De Rui Gomes a 16.07.2019 às 14:09

Caro Nação Valente,

Como já referi no meu outro comentário, a última pessoa a verdadeiramente compreender e a saber relatar a totalidade dos factos era o próprio Eusébio.

Nos seus últimos de vida, então, as sua declarações públicas sobre este e outros assuntos foram nada menos do que desastrosas, para ser simpático, e afectaram imenso a sua imagem perante o público português.

Está com Deus... descanse em paz.

P.S.: Curiosamente, no meu convívio ao longo dos anos com dirigentes, treinadores e jogadores do Benfica, este assunto nunca foi tema de conversa.
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De Naçao Valente a 16.07.2019 às 15:21

Caro Rui,

O caso Eusébio foi referido como ponto de partida e não como ponto de chegada. Os benfiquistas, em comentários, é que centraram a discussão nesse ponto. Compreendo que o assunto deixasse de ser falado, uma vez que foi ultrapassado com um acordo.

O ponto de chegada que passou à margem da discussão é o regabofe que existe no futebol no aliciamento de jovens/crianças com potencial. A entrada no mundo do trabalho é aos dezasseis anos. Se existe pagamento antes dessa idade estamos perante trabalho infantil clandestino. Eis o que quis acentuar.

Se esta situação não for travada corre-se o risco de clubes com mais dinheiro aliciarem os melhores, o que se traduz numa prática mais do que falta de ética, de um crime que não sei qualificar.
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De Rui Gomes a 16.07.2019 às 15:48

Sim, eu compreendi, mas era inevitável que acontecesse, por múltiplas razões.

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