
Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística à performance dos jogadores do Sporting no embate desta terça-feira da Liga dos Campeões, frente à Juventus. A "brincar", diz-se muitas verdades...
Rui Patrício
Uma noite atípica, mas apenas na medida em que se viu rodeado de caras pouco familiares, como naquelas festas em casa do amigo de um amigo, em que não conhecemos praticamente ninguém. Fora isso, tudo dentro da normalidade, tanto no golo sofrido, como no punhado de defesas seguras, como na quantidade de passes longos precisos (com superior taxa de acerto aos de Anderson Polga), como na discrição com que voltou a lembrar-nos que, algures nos últimos dois anos, por um qualquer processo misterioso, deixou de ser um bom guarda-redes e passou a ser um grande guarda-redes - ou pelo menos o mais próximo que é possível chegar a ser um grande guarda-redes e ainda assim passar a carreira inteira em Portugal.
Stefan Ristovski
A saída de bola da Juventus após o apito inicial confirmou que os olheiros italianos não brincam em serviço; podem não ter tido oportunidade prévia de observar Ristovski, mas observaram certamente todos os laterais-direitos do Sporting na última década e fizeram recomendações em conformidade: despejar-lhes bolas para as costas. Com Schelotto, com João Pereira (e, nos piores dias, até com Cedric) era quase sempre o plano A do adversário, e quase nunca era preciso um plano B. Bastou uma verba acumulada de 5,2 milhões de euros para os obrigar a pensar noutras letras do alfabeto. Fez um grande jogo, e teve até direito ao seu baptismo oficial: ao minuto 23 fez um cruzamento completamente disparatado que saiu perto da bandeirola de canto. Levantou o braço e pediu desculpa aos adeptos, que, num gesto de grande cumplicidade, lhe dedicaram uma salva de palmas, como quem diz: "escusas de estar com merdas que já percebemos que és um achado".
Sebastián Coates
Está em tão boa forma, e interpreta de tal maneira à letra o conceito de consistência, que transformou as suas acções em campo num repertório, limitando-se a reproduzir o mesmo material de palco em palco. A ousada intercepção de um cruzamento de frente para a baliza e com a sola do pé, cedendo um canto quando muitos marcariam um auto-golo? Hoje surgiu ao minuto 16. O habitual truque de fintar o primeiro adversário, entusiasmar-se, passar por mais dois, galopar até à área contrária, e só perder a bola para o quarto? Hoje veio ao minuto 28. O cartão amarelo que o afasta da recepção ao Olympiacos, e que viu por protestos, de forma a compensar o seu desejo secreto de enforcar Higuain com os atacadores das próprias chuteiras, rasgar-lhe o abdómen de alto a baixo com uma unha pontiaguda, e brandir o seu coração ainda palpitante à luz dos holofotes, gritando "ARE YOU NOT ENTERTAINED?" Tudo isso foi ao minuto 79.
André Pinto
Foi já por volta do minuto 60 que me ocorreu subitamente que ainda não tinha pensado uma única vez em Mathieu, sussurrando o seu nome com um sorriso melancólico e o olhar perdido no horizonte de pixels ensaboados e pop-ups de sites de apostas. Não fez um jogo perfeito: uma falha de coordenação com Coates na primeira parte permitiu a Khedira cabecear isolado na área, e por uma ou outra ocasião não tratou a bola com a devida serenidade gaulesa (apesar de, nesse aspecto específico, ser um claro upgrade em relação a Paulo Oliveira). Mas esteve sóbrio, certinho e, até pela oposição que encontrou, terá deixado muita gente mais descansada com a qualidade do plantel.
Jonathan Silva
Entrou cheio de confiança e estreou-se logo aos 35 segundos com um passe triunfante e inesperado para os pés de um colega de equipa. Foi o mote para uma noite repleta de novidades em que chegou até a fazer um cruzamento bastante razoável para Dost (minuto 32) e a ganhar dois ou três lances no um-para-um com Cuadrado. Não descartou por completo (era o que faltava) os cortes erráticos, os passes absurdos e as más decisões ofensivas, mas, acima de tudo, conseguiu não ser um desastre de proporções Bíblicas, o que é desde logo uma vitória. Soube, grande parte do tempo, refugiar-se nos hábitos e formalismos da posição, e guiar-se pela regra básica de poupar esforços e não arranjar sarilhos, talvez o antídoto mais eficaz ao seu estilo de jogo instintivo - que é um estilo de jogo essencialmente histérico.
Rodrigo Battaglia
Representa um interessante desafio técnico aos responsáveis por agregar estatísticas sobre "posse de bola". Porque a "posse de bola", quando Battaglia está envolvido, ou apenas nas imediações, será sempre um conceito problemático e contestado. Estará a equipa adversária verdadeiramente "em posse de bola" com Battaglia por perto? Duvidoso. Por outro lado, estará a sua equipa em "posse de bola" quando é Battaglia a conduzi-la? Não por muito tempo (e hoje até esteve melhor no passe do que é habitual). Porque Battaglia parece alimentar profundas objecções de princípio a que alguém tenha "a posse de bola" e dedica todo o seu esforço a este meritório combate filosófico: demonstrar a precariedade básica de um conceito que, tal como o gato de Schrödinger e a localização do material de Tancos, é mais uma sobreposição quântica do que uma condição estável e observável.
Gelson Martins
Tal como inteligentemente se explicou neste espaço nas últimas semanas, Gelson encontra-se num mau momento de forma, incapaz de criar desequilíbrios ofensivos, e propenso a tomar más decisões. Por conseguinte, criou o golo num lance individual, fartou-se de desenhar boas combinações (especialmente com Bruno Fernandes) e foi dos que mais lutou para esticar o jogo na pior fase da equipa, entre os 60 e os 85 minutos.
Bruno César
Depois de algumas experiências entre o inconclusivo e o penoso a médio-ala e a lateral, recuperou finalmente a posição onde fez as exibições mais agradáveis ao serviço do clube, e a única onde ainda pode ser útil (em particular contra este tipo de oposição): terceiro homem do meio-campo, mas a subir até à linha de Dost quando a equipa perdia a posse. Inaugurou o marcador com o seu polivalente remate de pé esquerdo (hoje adaptado a pé direito), viu outros dois passarem perto dos ferros, e não deu descanso a ninguém. Até pode ser coincidência, mas é depois da sua saída que a equipa recua 10 metros e que a Juventus parte para os minutos de maior sufoco. Belo jogo.
Mascus Acuña
Continua a implementar a sua abordagem revolucionária à pressão alta: correr do ponto a ao ponto b à mesma velocidade com que a bola é trocada entre o adversário no ponto a e o adversário no ponto b, de forma a conseguir pressioná-los alternadamente, mas, na prática, ao mesmo tempo. É um processo tão contra-intuitivo e, por um par de ocasiões, deixou os jogadores da Juventus tão incrédulos que acabaram por entregar a bola a Acunã e foram reflectir um bocadinho. Terá jogos mais influentes ofensivamente, marcará mais golos, fará mais assistências, mas suspeita-se que os seus lances paradigmáticos serão sempre parecidos com o do minuto 49, quando veio fechar ao meio, recuperou uma bola na meia-lua, passou por Pjanic em velocidade e desmarcou Dost, tudo em menos tempo do que demora a dizer "nove milhões extremamente bem gastos".
Bruno Fernandes
Estreou um novo penteado, respondendo assim às dúvidas de todos aqueles que um dia perguntaram qual seria o aspecto de um contabilista da Gestapo que decidisse integrar uma boys band. Fez uma excelente primeira parte, cheia de rodopios e recepções orientadas para ganhar tempo e espaço, e sempre com boas ideias para aproveitar o tempo e espaço que conseguia ganhar. Hibernou por meia-hora depois do intervalo, deixou de conseguir segurar a bola, e a equipa ressentiu-se. Voltou a sair da toca ao minuto 88, livrando-se de um adversário no corredor central e rematando de longe, por cima da trave: reagiu como se tivesse falhado um penalty, o que, no seu caso, até se compreende.
Bas Dost
Não marcou, mas fez um daqueles grandes jogos que aprendeu a fazer nestas ocasiões: ágil a mover-se e a pensar, e exímio a encontrar uma solução ao primeiro toque, mesmo quando essa solução estava nas suas costas. Foi assim que isolou Gelson na primeira jogada da 2ª parte, e que assistiu Bruno César para dois remates perigosos. Falhou, salvo erro, um único passe: uma devolução demasiado curta no círculo de meio-campo ao minuto 47, que o fez levar imediatamente as mãos à cabeça em desespero. (Se Jonathan Silva reagisse da mesma forma sempre que comete um erro semelhante, já estaria careca). Antes de sair, viu um amarelo justíssimo, que mais não seja porque, presenteado com a oportunidade de desfazer as trombas de Chiellini à cotovelada, não a soube aproveitar.
João Palhinha
Conseguiu trazer ao meio-campo alguma da agressividade de Bruno César, mas vários metros atrás, ou seja, viu-se mais a bloquear remates do que a recuperar bolas. Sempre que tentou subir no terreno cometeu faltas, algumas das quais até foram bem assinaladas.
Doumbia
Hoje não resultou.
Petrovic
Muito bem a fazer exercícios de aquecimento antes de entrar, mostrando que merece novas oportunidades para dar saltinhos intensos e vigorosos na linha lateral a um minuto dos noventa.