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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Durante o passado fim de semana, ao abrir um conhecido site de alojamento de vídeos começado por “Y” e acabado em “Tube”, surgiu-me nas sugestões uma entrevista de Rúben Amorim a Rui Unas, já com uns três anos. Rúben havia terminado a carreira há poucos meses e nos primeiros minutos da conversa admite que só por essa razão estava ali, sentado naquele cadeirão, porque durante os seus tempos de jogador não era exactamente livre de dizer o que pensava, porque é raro um clube gostar de um jogador que fale mais do que o guião pré-cozinhado e bastante bem aquecido durante três minutos em conferências de imprensa anódinas - e isto já sou eu a dizer, não aquele Amorim de há três anos mas, por outras palavras, foi isto mesmo que ele disse.
Para fechar este segmento da conversa, Rui Unas remata com um: “Por um lado há uma coisa boa de teres saído do mundo profissional, é que assim já podes ter uma expressão”, algo a que Amorim responde quase imediatamente com o “sem dúvida, sem dúvida” mais aliviado que vi nos últimos tempos.
Pois bem... sendo agora, três anos depois, treinador de um clube grande, Rúben Amorim terá seguramente certo guião ou conjunto de regras, muitas delas talvez não escritas, sobre o que pode ou não dizer. E manobrar essas regras a seu favor, que é mais fácil de se fazer quando se é treinador do que jogador, também é um sinal de inteligência. Nisso, o técnico do Sporting tem sido irrepreensível e o espectáculo que deu na cabine da Sport TV após a final da Taça da Liga, que aliás venceu pela segunda vez consecutiva, um momento de late night televisivo mais à americana do que à portuguesa, foi uma vitória quase tão grande quanto aquela que teve em campo.
Houve espaço para tudo, desde aquele banter entre antigos colegas, com Rúben a gozar com o aumento de peso de José Sousa, com quem jogou no Belenenses, até ao jogo e às suas incidências, com Amorim a ter uma resposta honesta e franca sobre quase tudo, às vezes nem sequer respondendo a perguntas mas sim aproveitando deixas.
A honestidade e a capacidade de não se levar excessivamente a sério são grandes armas comunicacionais e Rúben Amorim trata-as talvez como ninguém cá dentro: só assim é possível assumir que os jogadores da equipa adversária lhe deram tudo um dia e que por isso sentiu o dever de os cumprimentar no final do jogo, um a um, a muitos com abraços demorados. Ou ainda que passa os Natais a falar com Antero Henrique, seu cunhado mas também figura de relevo de um FC Porto de outros tempos. Sem que nada disto melindre a florzinha de estufa que é o nosso futebol, tão pouco capacitado para entender que isto não tem de ser feito de constantes guerras: as pessoas têm passados - Rúben até é benfiquista - e isso é a vida, não precisamos de ficar assanhados por causa disso.
A conversa é totalmente premium, até no sentido financeiro da coisa porque, infelizmente, só quem assina a subscrição que dá total acesso aos cinco canais da Sport TV a pôde ver inteiramente em directo, sem soluços. Porque no seu canal aberto, a Sport TV optou por interromper Rúben Amorim para transmitir a enésima conferência de imprensa de um presidente a dizer mal da arbitragem e, de premeio, a atacar a equipa adversária, naquele caso em específico porque teve o desplante de festejar um título, por mais mixuruca que ele seja.
(Isto é um bocadinho como as nossas bocas abertas depois dos resultados eleitorais de domingo. Muitas vezes nós, jornalistas, fazemos uma escolha, colocamos as luzes em cima de alguém. Não me verão aqui a dizer que fizemos bem ou mal, porque eu própria não tenho essa resposta. Apenas que temos o dever de reflectir).
Também foi pena não transmitirem no canal aberto a conferência de imprensa de Luís Neto, que até sendo um bom central, será seguramente no futuro um ainda muito melhor comentador, a prova absoluta que os jogadores de futebol, mesmo obrigados a regras, podem sempre encontrar algum espacinho entre as amarras para falar bem, claro, com substância e olhar crítico.
O Sporting anda a ganhar e não é só dentro de campo.
Artigo da autoria de Lídia Paralta Gomes, em Tribuna Expresso.
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