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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
«O que Sérgio Conceição disse de Rui Vitória – comparando-o a um boneco do filho – é comparável ao que Jorge Jesus disse em 2016 do treinador do Benfica. Entre outras preciosidades linguísticas explicou ao país que o homem não tinha unhas para um carro de alta cilindrada porque nem sequer o definia como treinador.
Entretanto o pobre treinador do Benfica, um “xoninhas” que não parece aquecer ou arrefecer, ganhou tudo o que havia para ganhar nos últimos dois anos em Portugal. No entanto, mesmo entre os benfiquistas, continua a existir uma desconfiança em relação às suas qualidades. Ao mínimo deslize lá vêm as críticas, os lenços brancos, o medo de que o homem não consiga levar o barco a bom porto. E os treinadores adversários, com um perfil oposto ao de Vitória, aproveitam logo para esticar a corda e sangrar a ferida.
O que quero dizer com isto é uma coisa simples e bastante assustadora. Em Portugal prefere-se quem fala alto a quem é manso. Sérgio Conceição ainda não ganhou nada na sua carreira de treinador mas a sua confiança é tal, a sua brutalidade é tão natural que grande parte dos benfiquistas, mesmo que peça no estádio pelo penta, no fundo dos fundos, acha que Conceição é melhor treinador do que Vitória.
O futebol é uma selva. É um recreio de crianças onde a crueldade não se esconde. Se repararmos bem, nas comissões de honra de Pinto da Costa, Bruno de Carvalho e Luís Filipe Vieira estão combatentes contra o Estado Novo, democratas genuínos e respeitáveis personagens que criticam a falta de respeito de alguns políticos pelas instituições. Manuel Alegre está ao lado do presidente do Benfica, Eduardo Barroso mantém-se firme no apoio ao presidente do Sporting, Rui Moreira é um conhecido apoiante de Pinto da Costa. São os nomes que me ocorrem, poderia dar mil outros exemplos de gente que fora do futebol seria capaz de matar ou morrer para defender a democracia. Qualquer um deles acharia repugnante apoiar cada um dos três presidentes se estes fossem candidatos políticos a uma qualquer eleição.
Um paradoxo interessante. É que o futebol não é democrático. A única coisa que importa é ganhar, o resto dá-se de barato. Quando um pobre jornalista faz uma pergunta a sério os protagonistas olham de lado, sorriem com desdém ou ameaçam quem a faz. No futebol concorrer a umas eleições com quem está no poder é quase uma impossibilidade – quem se atreve tem como certa uma viagem ao inferno.
Para que não existam equívocos: o futebol profissional (como o conhecemos) não é um desporto e não é uma democracia. O futebol não é para totós ou para gente realmente séria. No futebol é admissível socialmente que as pessoas não se portem bem. Podem chamar nomes aos árbitros, fazer esperas aos jogadores, intimidar adversários e alimentar conversas de café em que se aliviam as tensões que, noutras circunstâncias da vida, teriam de ser caladas.
No futebol os sócios dos clubes não votam em candidatos que pareçam realmente sérios – são considerados anjinhos. Gente que não saiba reconhecer o bas bond dificilmente ganha eleições. Gente que não pareça familiarizado com as trocas de favores, os meandros da arbitragem ou a linguagem marialva não ganha eleições.
O futebol é uma máfia. Com claques que são os escudos dos presidentes. Com a aprovação cobarde de uma classe politica que assim legitima os usos e costumes do futebol. A única vez do ano em que vemos deputados de todas as cores partidárias em convívio é nos almoços ou jantares anuais oferecidos pelos presidentes dos maiores clubes.
No futebol ninguém leva a mal. É uma brincadeira. Rimo-nos com os programas de televisão, com os comentadores mais perversos. Divertem-nos. Criticamo-los mas vemos. A comunicação social critica mas potencia isto. Precisa disto.
Os chamados homens o futebol são tipos vividos, “pintas” que falam um léxico próprio e defendem o “cheiro do balneário” como statement filosófico e o “chico-espertismo” como modo de vida. São personagens da noite, personagens de alguns livros de Cardoso Pires.
As elites adoram-nos porque são tudo o que elas não conseguem ser, o seu modo de estar desperta o lado infantil dos que na sua chata vida têm de se comportar em chás das cinco, festas de beneficência e reuniões formais. O povo adora-os porque são o que mais próximo têm do sabor de uma vingança.
O futebol une as classes sociais num objetivo comum: ganhar e viver em transgressão, do lado dos espertos e não dos totós.
Coitado do Rui Vitória. O que o safa é ganhar».
Texto da autoria do escritor Luís Osório
***Agradecemos a referência ao nosso estimado leitor JOÃO PAULO GONÇALVES
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