Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
1.
Manuel Fernandes foi operado no final de maio a um tumor.
Uma intervenção delicada, um cancro nas vias biliares nunca é um passeio no parque. É silencioso, ataca invisível e quando o vemos, quando o pressentimos, já é difícil derrotá-lo.
Mas o Manel, grande figura do nosso desporto, um dos símbolos maiores do Sporting, é um vencedor. E um vencedor como sabemos não é o que ganha sempre, mas o que nunca desiste de lutar.
2.
Dizem-me que a operação correu bem.
Talvez o Manel esteja já a fazer perguntas sobre a nova época, sobre quem sai e quem entra no seu Sporting, sobre a vontade que tem de se levantar, de ir ao café, de estar com os amigos, de ir a Alvalade.
Tudo no Manel é ginga de futebolista.
As pernas arqueadas, os olhos de menino encantado quando engana o defesa, quando lhe troca as voltas.
Tudo nele é futebol e balneário.
Sabe tudo acerca desta imbatível metáfora da vida, sobre os golos que se marcam e os que se falham, sobre a felicidade de ganhar e o medo de perder.
E é amigo do seu amigo.
Tem tantos amigos o Manel.
Amigos de todos os clubes.
É fanático do Sporting e vai aos arames.
Muitas vezes é cego na análise, mas acaba a discussão e procura o abraço e um jantar que resolva todas as arrelias de um bate-boca.
Manuel Fernandes é o futebol em estado puro.
É como o Joaquim Agostinho no ciclismo, ganhar é tão importante como ser boa pessoa.
Na aldeia de Sarilhos, muito perto da Moita, podia ter sido pescador ou salineiro, a sua casa podia ter sido para sempre a casa dos homens que iam para o rio ou para o mar, casas brancas e humildes com redes à porta para que as moscas não pudessem entrar.
Só que ele marcava muitos golos.
3.
Era um rapaz vivo, mas triste.
A sua mãe partira e o Manel só tinha 10 anos.
A mãe de quem ele gostava e dependia tanto. Ouvia com ela os relatos do Sporting e a sua morte foi talvez o detonador para ele se cumprir.
O detonador para que um dia tenha começado a jogar no Sporting, quem sabe se não terá sido isso?
Porque cada golo lhe era dedicado, porque todas as vezes que enganou os defesas, todos os penalties que conquistou era para o céu que olhava com o seu sorriso malandro.
Mas jogar no Sporting parecia um sonho distante.
É que apenas aos 16 anos calçou umas chuteiras pela primeira vez. Antes não havia dinheiro para isso, precisava de ajudar em casa e de comer todos os dias.
Só que no Sarilhense marcou muitos golos.
Depois foi para a CUF e marcou muitos golos.
E terminado o contrato com a CUF ia assinar pelo FC. Porto, mas rezou muito para que o Sporting o resgatasse, falou muito com a mãe, pediu-lhe que intercedesse.
O Sporting desviou-o mesmo e aí começou a sua história.
Golos e golos.
Um avançado predador, um rapaz humilde e de olhar travesso, de miúdo eterno com a marca de uma tristeza que o fez sempre separar o gosto pela bola da necessidade absoluta de não perder mais ninguém.
De ter a sua casa sempre com uma porta aberta para quem chega, de ter sempre pronto um bocadinho de vinho tinto e um queijinho, de ter benfiquistas e portistas a quem trata por “irmão”.
4.
O Manuel Fernandes está a recuperar de uma operação delicada.
É demasiadamente novo para deixar de marcar golos – o que continua a fazer dentro da sua cabeça.
Foi homenageado pelo Sporting antes do último jogo em Alvalade com o Benfica – e foi tão bonito ver toda a gente a aplaudir, o público dos dois lados, os jogadores das duas equipas, os amigos que lá estiveram.
E foi tão bonito ver os seus olhos brilhantes.
O seu silêncio num mar de aplausos.
Senti-o sozinho, dentro do seu mundo particular, a rever a sua vida desde o pé descalço de Sarilhos até ao cume da montanha de onde nunca mais sairá.
Obrigado, Manel.
Obrigado por todos os golos.
Mas sobretudo, obrigado por tudo o que és e ofereces aos outros.
LO
(Luís Osório na sua página no Facebook em 8.6.2023)
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.