Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
O futebol é uma extraordinária manifestação de natureza simbólica. Desde logo, pelo espaço estrutural, o estádio que desempenha uma função visual arquitectónica semelhante à das catedrais medievais e o terreno de jogo que se tornou uma imagem do nosso espaço social e cenário da própria existência. Por outro lado, pelos jogadores que são (ou foram) verdadeiramente excepcionais, quase como que actualizações dos antigos heróis míticos ou dos semi-deuses que se transformaram de homens comuns em verdadeiros super-homens. Manuel Marques, o Manecas do Sporting, pertenceu a essa plêiade de jogadores.
Cada um de nós tem o tamanho dos seus sonhos e Manecas acalentou desde muito jovem o ideal de brilhar com a camisola do leão rampante. Chegou ao Sporting em 1932, quando ainda tinha quinze anos de idade, para jogar nos principiantes. Em 1934 foi campeão de Lisboa em segundas categorias e estreou-se na equipa principal em Março de 1936, jogando a extremo-direito num jogo com o Belenses. Depois, jogaria como médio e como defesa.
Manuel Marques foi respeitado e admirado por todos os companheiros, um dos grandes capitães da História do Sporting, jogou ao lado dos ‘Cinco Violinos’ e é o segundo jogador do Clube com maior número de títulos conquistados (19), sendo ultrapassado apenas por Azevedo. Venceu o Campeonato de Lisboa (8 vezes), o Campeonato de Portugal (2), o Campeonato Nacional (5) e a Taça de Portugal (4). Permaneceu no Clube até 1950 e envergou a camisola verde e branca em 351 jogos (equipa principal). Apenas Hilário, Damas, Manuel Fernandes, Azevedo e Oceano vestiram a camisola leonina mais vezes do que ele.
Para além de Manecas, chamaram-lhe Manuel do Lenço. A mãe cansada de o ver chegar a casa ferido pelos campos pelados, ofereceu-lhe um lenço branco para limpar o sangue dos ferimentos. Usou-o sempre preso à cintura imaculadamente branco. No dia do ‘jogo de despedida’, em 5 de Outubro de 1950, Manuel do Lenço explicou a origem desse hábito: “Quando comecei a dar os primeiros pontapés, a velhota, como aparecia muitas vezes com os joelhos esfolados, deu-me um lenço branco para limpar os ferimentos. Devo, no entanto, acrescentar que até hoje nunca me servi dele, conservando-o sempre como talismã. Todos os anos, no começo da época, recebia um lenço novo, branco como a neve, que a minha mãe me enviava.”
Manuel Marques, que era um jogador duro e voluntarioso, possuía uma personalidade extrovertida e era fundamental para manter a boa disposição no balneário. Observador como era, rapidamente se apercebeu dos pontos fracos de Mestre Joseph Szabo contratado pelo Clube em Março de 1937. O húngaro, disciplinador implacável, não tinha grande sentido de humor, para além de, nesse tempo, falar mal o português. Era conhecido o gosto que Szabo tinha por uns bonecos que utilizava na explicação da táctica, mas, para seu desespero e irritação, por vezes o Manecas escondia-os algures no balneário. "Carágo, sinhores! Mônécas ser maniáco!", exclamava o treinador. Outro dia, antes de um jogo com o Benfica, o jogador fingiu recear o barulho dos adeptos adversários. Furioso, o Mister meteu-o na ordem: “Sinhor Mônécas, não perturbar rapaziada com essas coisas. Fixar, sinhores, fixar, maior dur dê cabeça para gajos é meter bola na baliza. Passar bola bons condições e Fernando [Peyroteo] calar tudos, gajos não piar mais”. Convenhamos que ainda hoje a recomendação do Mestre Szabo tem toda a validade!
Manuel Marques disse adeus da sua longa e brilhante carreira desportiva num ‘jogo de despedida’, no Lumiar, que colocou o Sporting e o Benfica frente a frente. O Sporting venceu por 8-1 e, nesse dia, utilizou o lenço branco que a mãe lhe oferecera. Foi para limpar as lágrimas quando explicou a origem desse talismã. O nº 135 da Flama deu grande destaque ao último jogo do grande capitão que foi a capa da revista com a menção de que “Manuel Marques - o Manecas do Sporting - abandona o futebol!”. Nas páginas interiores, a revista titulou um artigo, “Um ídolo que se retira, uma saudade que fica”, dando conta de uma mensagem que o jogador dirigiu a todos os desportistas portugueses.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.