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“Ninguém acredita na Justiça”

Rui Gomes, em 20.05.20

2020-05-19.png

Ninguém acredita na Justiça” – quem publicamente o afirma não é um qualquer cidadão comum português, mas "apenas" o próprio Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (em entrevista ao “Expresso” publicada em 6 de Março, último).

Um reconhecimento deveras lúcido, realista e corajoso que reforça, de resto, a convicção geralmente enraizada de ser a Justiça precisamente a causa maior do grande e persistente atraso de Portugal face aos países democráticos evoluídos, com consequências funestas para sectores fundamentais da vida dos portugueses. Um verdadeiro e penoso entrave ao nosso progresso colectivo. Uma maldição que se arrasta desde há séculos e parece jamais extinguir-se.

Como um fenómeno galvanizador de paixões extremadas e descontroladas, o futebol tem vindo gradualmente a converter-se num dos quadrantes popularmente mais visíveis e preponderantes da impreparação, da incompetência e da ineficácia da justiça portuguesa – um terreno minado por sucessivas revelações e suspeitas de corrupção activa e passiva de juízes e magistrados, fundamentadas em abusos de influência, trocas de favores, conluios vários entre colegas de profissão, interesses externos e favoritismos clubistas, entre outros factores responsáveis pelo descrédito em que se tem afundado.

O fulminante desencadeamento - em 2004 - do célebre e escandaloso “Apito Dourado” suscitou muito fundas expectativas nos apaixonados exigentes do futebol limpo, honesto e transparente. A sempre hesitante Justiça portuguesa decidira, finalmente, penetrar em força num mundo que se tornara extensa e opacamente mafioso, a fim de repor a ordem legal e restabelecer a verdade desportiva.

Mas a ilusão não tardaria muito a transformar-se em revoltante desilusão. Apesar das inúmeras provas reunidas dos delitos, inegavelmente confirmadas pelas suas próprias declarações pessoais (que, aliás, ainda hoje se podem escutar) os protagonistas envolvidos na gravíssima trama acabariam, habilidosamente, por escapar às consequências dos seus crimes – desfazendo-se, assim, em pó um processo que custou aos contribuintes muitas centenas de milhares de euros…

Decorridos, porém, mais de dezasseis anos, a Justiça portuguesa continua, como se sabe, a ser, lamentavelmente, alvo de desconfiança e de suspeita relativamente às suas posições e intervenções nos sucessivos casos que envolvem ilicitamente o nosso maltratado futebol, os seus clubes, agentes e figurantes. Não raramente se lhe apontando ilações paradoxais, interpretações contraditórias, conclusões incongruentes ou decisões surpreendentemente incompreensíveis e inacreditáveis.

O seu fracasso ou incapacidade tem vindo a repetir-se nos variados casos em que lhe coube a responsabilidade de investigar e decidir. Entre eles, os dos E-mails, dos Vouchers, de Rui Pinto ou do E-Toupeira.

E temos presentemente, ainda, o julgamento da invasão terrorista da Academia Sporting, seus executantes e responsáveis – o qual, a deduzir pela sua evolução, se supõe igualmente destinado a engrossar o rol da controversa e da polémica. Na verdade, ao que consta, as mais recentes alterações introduzidas no processo de acusação do MP, tão enigmáticas como perturbadoras, além de muito deslocadas, permitem augurar, sem surpresa, um novo desfecho judicial mal-concebido e mal- sucedido.

Texto da autoria de Leão da Guia

Nota: Pintura a óleo intitulada "Justiça" de Svetlana Vinokurtsev (2005).

publicado às 02:49

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4 comentários

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De LG a 20.05.2020 às 09:16

Leão da Guia, a frase de António Piçarra tem um contexto, que estava relacionado com o processo das distribuições e da corrupção na Relação de Lisboa. Ou seja, porque as gentes da justiça (neste caso, dos juizes) mostram que são humanos. A função do advogado já está dessacralizada, a dos juízes para lá caminha a passos largos.

Muito haverá para falar, e muito já se escreveu, mas o que é a justiça?
As pessoas só dizem que se fez justiça quando a decisão vai ao encontro dos seus interesses. E numa justiça que é feita de partes, cada decisão judicial tem em teoria capacidade para irritar metade dos intervenientes num processo.

Mais, as pessoas, intoxicadas pelo que lhes é posto á frente, principalmente numa era de difusão de canais especializados (olá CMTV) não querem justiça, querem justicialismo. Se o acrescido interesse dos media pela justiça trouxe mais escrutínio, também trouxe muito mais populismo.

E nisto, o processo de Alcochete é paradigmático.
O LdG escreve que "Na verdade, ao que consta, as mais recentes alterações introduzidas no processo de acusação do MP, tão enigmáticas como perturbadoras, além de muito deslocadas, permitem augurar, sem surpresa, um novo desfecho judicial mal-concebido e mal- sucedido" Enigmáticas, perturbadoras e deslocadas porquê?

Neste aspeto, e estando o "mal concebido" em destaque, este LG remete para o que já escreveu aqui:

A acusação do MP, na parte que lhe interessava mais, estava fundada num conjunto de fantasias que nem a procuradora do julgamento, hoje, conseguiu defender, porque não foi feita QUALQUER PROVA.
NENHUMA PROVA, seja ela direta ou indiciária, testemunhal ou documental. A procuradora hoje, mais do que não ter provas, contrariou todas as suposições feitas no inquérito.
Mas o trabalho foi feito, quase dois anos de massacre noticioso, de efabulações, que conseguiram o resultado pretendido. Parabéns a todos, job well done.
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De Rui Gomes a 20.05.2020 às 17:06

A resposta é muito simples, apesar de se saber o que a "casa" gasta no que o caro LG diz respeito.

Indiferente da recém-tomada de posição do MP, que, na nossa opinião, devia ter argumentado a acusação o melhor possível e deixar a decisão para quem de direito, só quem não reside neste Planeta, física e/ou mentalmente, poderá entender que o destituído, directa ou indirectamente, não tornou possível o ataque à Academia.

Sem ele, nada teria ocorrido e nem daqui a cem anos a história vai esquecer.
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De LG a 20.05.2020 às 19:05

Rui, terá de compreender que quem refere que prenderia BdC e deitaria fora a chave não tem grande credibilidade para perorar sobre este assunto
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De Rui Gomes a 20.05.2020 às 20:21

P.S.: E não volte a minha "casa" dizer-me que não tenho credibilidade para debater seja o que for.

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