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Sabe-se de ciência certa que um jogo de futebol é semelhante a uma peça de teatro. Nele encontram-se os ingredientes principais da arte dramática, sendo que o campo é o próprio palco, o treinador faz de director de cena e os jogadores são os actores. O público, esse, só pode ser o coro como numa tragédia grega. Alcino Pedrosa num belíssimo texto (O Teatro e o Futebol) no Leitura de Jogo mostrou que é assim mesmo.

 

Esta conversa vem a propósito de um dos dérbis mais espectaculares de que alguma vez ouvi falar. Foi um Benfica-Sporting disputado na Estância de Madeira, no Campo Grande, em 25 de Abril de 1948. Os leões precisavam de vencer por três golos de diferença para, tendo a mesma pontuação do rival, ultrapassá-lo na tabela classificativa do Campeonato Nacional. 

 

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Na primeira volta o Sporting foi derrotado no Estádio José Alvalade (antigo Stadium Lisboa) por 1-3. O golo leonino foi conseguido por Travassos aos 89 minutos, mas o desalento da derrota impediu o festejo. Provavelmente, o Zé da Europa não imaginou nesse dia o valor que pode ter um golo marcado a um minuto do final de um jogo de futebol. Daquela vez, nem o coro foi capaz de anunciar o que estava para acontecer.

 

O Sporting era treinado por Cândido de Oliveira, um benfiquista que jogou de águia ao peito até sair em 1920 para ser um dos fundadores do Casa Pia Atlético Clube. Os jogadores eram do melhor que alguma vez vestira a camisola do leão rampante. Os “Cinco Violinos” e companhia não tremiam no momento de enfrentar o destino num campo de futebol.

 

A semana que precedeu o dérbi foi de arrasar os nervos para os lados de Alvalade. Peyroteo andou adoentado com febre e, para piorar tudo, na direcção do Clube houve quem desconfiasse da táctica que o treinador estava a preparar para o grande confronto. Houve quem garantisse que seria suicida, desconfiando do benfiquismo de Mister Cândido. Pelos vistos, já não havia memória daquela tarde de Junho de 1923, em Coimbra, quando Cândido de Oliveira foi o massagista dos leões num Sporting-FC Porto nas meias-finais do Campeonato de Portugal.

 

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O Sporting apresentou-se muito forte no Campo Grande. Peyroteo fintou a febre e depositou um póquer de ases na baliza do infortunado Contreiras. Espírito Santo ainda reduziu o marcador, mas os quatro golos do bombardeiro de Alvalade determinaram o destino do título de campeão nacional. Não esquecendo o golinho do Travassos ao cair do pano no dérbi da primeira volta, como que a hybris da tragédia grega (a acção contra o estabelecido) naquele campeonato. Muitos anos mais tarde os Deolinda cantariam que “o que tem de ser tem muita força”. Nem mais !

 

Então, no meio dos festejos e senhor do seu destino, Cândido de Oliveira profere a célebre frase "somos bestiais quando ganhamos e bestas quando perdemos" e apresenta o pedido de demissão. O director do Sporting que duvidou do treinador procurou-o no emprego para o demover, jurando que a demissão seria a dele, o dirigente. Cândido, grande como sempre, apertou-lhe a mão dizendo que ficavam os dois para a conquista do título.

 

O Sporting passou para a liderança do campeonato pela diferença de um golo, não havendo alteração até ao final da competição. Os leões foram derrotados em Setúbal, mas às águias aconteceu o mesmo em Elvas. Campeão por uma singela bola que atravessou a fatídica linha da baliza. Uma bola, uma bolinha… um berlinde! Os benfiquistas, desesperados, chamaram-lhe o "campeonato do pirolito". Pegou de estaca até aos nossos dias essa do pirolito, a bebida gaseificada e doce que era feita à base de ácido cítrico e de essência de limão, com um berlinde de vidro a fazer de rolha.

 

Por ter sido o Campeão Nacional em 1947-48 o Sporting tomou posse da monumental “Taça O Século”, com 1,23m de altura. Venceu, ainda, a Taça de Portugal ao derrotar o Benfica nas meias-finais (3-0) e o Belenenses na final (3-1), coroando uma época memorável com a segunda dobradinha da sua História, para além da vitória na Taça de Honra da Associação de Futebol de Lisboa.

 

Ficha do jogo

 

Campeonato Nacional da I Divisão (1947-48)

22ª jornada

Benfica 1 - Sporting 4

25 de Abril de 1948, Estância de Madeira (Campo Grande)

Árbitro - Libertino Domingues (Setúbal)

 

Benfica - Contreiras, Jacinto e Fernandes, Moreira, Félix e Francisco Ferreira, Espírito Santo, Arsénio, Julinho, Corona e Rogério “Pipi”

 

Treinador - Lipo Hertzka

 

Marcador - Espírito Santo (75m)

 

Sporting - Azevedo, Álvaro Cardoso e Juvenal, Carlos Canário, Luís Moreira e Veríssimo, Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano

 

Treinador - Cândido de Oliveira

 

Marcador - Peyroteo (35, 41, 58 e 69m)

 

 

Nota: Fotografia da equipa do Sporting com os três troféus que conquistou na época de 1947-48 e de Fernando Peyroteo num dérbi com o Benfica (não datado).

 

publicado às 13:19

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9 comentários

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De Profeta a 08.11.2015 às 14:04

Mais uma grande história

Por falar em histórias do antigamente, conhece aquela de um jogo entre o Sporting e o Belenenses, em que o Belenenses precisava, salvo erro, de ganhar por 2 golos de diferença para ser campeão? O Sporting já estava de fora da luta pelo titulo, mas era o benfica que estava a disputar o titulo com o Belenenses. Acontece, que o Sporting ganhou por 2-1, mas anularam um golo ao Belenenses. Passados 30 ou 40 anos, o guarda-redes do Sporting de então, o Carvalho, admitiu que o golo foi mal anulado. Foi uma tarde de grande desgosto para os Belenenses. Foi algo dentro disto que eu vi num programa na BolaTV, chamado Liga 4-3-3.

Já ontem, na RTP3, num programa sobre histórias do futebol, falaram do Peyroteo, já que ele foi falado lá fora, e inclusive, foi dado como o melhor jogador português de sempre. Nesse programa, questionaram o que teria sido o Peyroteo se já existissem competições da UEFA e prémios individuais como a Bola de Ouro e a Bota de ouro. Para além de ter a melhor média de golos no nosso campeonato, tem também a melhor média de golos de todos os campeonatos nacionais da história do futebol. Supera qualquer Pelé em média de golos. Impressionante.

Acabou a carreira aos 30 anos, já que tinha um negócio que deu prejuízo, e com o dinheiro do seu jogo de despedida entre o Sporting e o Atlético de Madrid, lá conseguiu pagar as dividas. Só para termos uma noção de que naquele tempo o dinheiro não tinha assim tanta relevância no futebol.

Quanto ao mestre Cândido de Oliveira, salvo erro, foi ele que afirmou que um clube ganhador tem que se preparar e consciencializar que as vitórias não duram para sempre, e nessas alturas é preciso não perder o discernimento, e saber-se reorganizar para as vitórias. Se formos olhar para o Sporting actual, nem estamos preparados para perder após um ciclo de vitórias, como nem sabemos se iremos ganhar...
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De Leão Zargo a 08.11.2015 às 16:11

Profeta!

Foi uma tarde maldita para os de Belém. O jogo parecia resolvido a contento do Belenenses, faltavam poucos minutos para acabar e o seu público começou a festejar antes de tempo. Deitaram foguetes. De repente, o que parecia inofensivo, transformou-se em golo pelo Martins. Os azuis choraram, os leões não festejaram, o Martins pediu desculpa ao Carlos Silva… mas a bola estava dentro da baliza e o Benfica foi o campeão. E o Sporting não foi pentacampeão. Faltavam quatro minutos para o fim do jogo.

O Carvalho chegou ao Sporting em 1958. Nesse jogo foi o grande Carlos Gomes que jogou à baliza. Houve uma defesa do guarda-redes na linha do golo. Confusão e correrias de um lado para o outro, mas o árbitro não assinalou o golo. Ficou a dúvida dolorosa para o Belenenses. Até hoje!

Cândido de Oliveira foi uma figura excepcional. Como cidadão, como jornalista e como desportista.
Ainda a propósito do post sobre o “campeonato do pirolito” recordo-me de um episódio curioso que envolveu o Cândido de Oliveira e o Sporting. Quando os leões fizeram a digressão ao Brasil em Julho de 1928 (a primeira de um clube português ao estrangeiro) convidaram um único jornalista para fazer a viagem. Cândido, precisamente.
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De João Gonçalves a 08.11.2015 às 15:50

Grandes histórias que até a um Benfiquista como eu, não me incomodam nada e dão algum prazer ler.
Felizmente para mi que também houve muitas histórias a acabar ao contrário desta.

Já agora, parabéns pelo blogue.
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De Larama a 08.11.2015 às 15:57

Como benfiquista acredito que goste muito deste blog
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De Leão Zargo a 08.11.2015 às 16:16

João Gonçalves,

olhe que o Benfica está em dívida com aquele campeonato que o Profeta refere mais acima!
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De sloct a 08.11.2015 às 17:46

Mais um excelente, perdão, EXCELENTE post!
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De Leão Zargo a 08.11.2015 às 17:48

sloct,
um abraço, perdão um ABRAÇO!
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De m1950 a 08.11.2015 às 23:53

Excelente post meu caro.
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De Leão Zargo a 09.11.2015 às 21:41

Agradeço, m1950.

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