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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
I
Tenho seguido o grande debate sobre o estado do Sporting na comunicação social e nas redes sociais. Depois de tudo espremido chego a uma conclusão pessoal que admito possa ser polémica: o que vejo discutir-se são minudências. Procurando ser mais explícito o que é que se discute? Se perdemos um ou outro jogo, com os rivais directos ou não, se estamos ou não a dezanove pontos do primeiro lugar, se não ganhamos nenhum título, se temos uma equipa fraca, se nos faltam defesas ou médios, se compramos mal, se o treinador tem ou não tem competência, se a Direcção deve ou não cumprir o mandato, se a estrutura do futebol actua bem ou mal. Em conclusão pequenos assuntos apenas relacionados com o futebol profissional.
Na minha perspectiva é uma discussão irrelevante no que ao Sporting Clube de Portugal diz respeito, porque a Instituição é muito mais que uma equipa de futebol de profissional, embora este seja fundamental, porque a sua existência está ligada a um glorioso e ecléctico percurso. No ciclismo, que mobilizava o povo de Norte a Sul do país e fez crescer o número de adeptos, no hóquei em patins, que colava o mundo leonino à rádio, nos seus tempos dominantes, e no atletismo, que fornecia campeões internacionais a Portugal, apenas para dar alguns exemplos.
O passado é história, eu sei, mas foi nela que se caldeou o grande Clube que hoje temos. E, precisamente por isso, recorro a essa história para sublinhar que a grandeza do Sporting CP não pode estar dependente de minudências. Durante mais de um século aconteceram vitórias e derrotas, títulos perdidos ou ganhos, por pequenos pormenores, com grandes ou pequenas distâncias pontuais. Há nessa história fases boas e menos boas, grandes e menos grandes equipas, assim como períodos de maior ou de menor domínio. Com o orgulho de, como já tenho escrito, terem as nossas conquistas sido feitas dentro do que consideramos a verdade desportiva.
O desporto, em geral, e o futebol, em particular, evoluíram, acompanhando a evolução da sociedade. A passagem épica do amadorismo para o profissionalismo tornou o desporto e o futebol numa gigantesca indústria que hoje move muitos milhões. A transparência foi sendo substituída pela opacidade. O Sporting CP, na sua genuinidade/ingenuidade, não se adaptou bem a essa mudança, mas não deixou de ser o grande Clube graças à sua massa adepta, que se perpetua como uma grande família. Se o Sporting dependesse somente de resultados mais ou menos pontuais do futebol, para ser uma Instituição de referência, já não existiria. Portanto, repito, colocar a discussão no patamar de resultados transitórios é uma perda de tempo inconsequente.
O que o Sporting CP precisa de discutir, para além da espuma dos dias, é um projecto que alavanque o presente e que garanta o futuro. Com ideias, com elevação, longe do ruído dos estádios, à margem da bola que entra ou não, e da conversa de café que deve servir apenas para o adepto "lavar a alma" como sempre aconteceu, mas não mais do que isso.
II
Um projecto estruturado não pode estar apenas dependente dos títulos a curto prazo. Tem de apontar em primeiro lugar para a construção de uma estrutura financeira sólida. Passa por tirar de imediato o Sporting do estrangulamento financeiro em que vive há muito, sempre à beira da insolvência em primeiro lugar e da falência logo a seguir.
Em primeiro lugar, os adeptos têm que ser devidamente informados da situação real. As despesas não podem continuar a ser superiores às receitas, nomeadamente os gastos com o futebol profissional, que arrastam a parte de leão. Isso implica constituir uma equipa de futebol condizente com os recursos, que represente o Clube com total dignidade e lute pelos melhores lugares, sem estar sujeita à pressão dos títulos, independentemente de os conquistar.
A aposta continuada e consistente na formação, muito abandonada nos últimos anos, tem de ser (já devia ser)... o alfa e o ómega do Clube, gerando activos tanto na área desportiva como na financeira. A abordagem ao mercado precisa de ser muito mais criteriosa, com a constituição de uma equipa de pesquisa competente, que avalie possíveis activos, seguidos e observados durante um tempo conveniente. Este tem de ser um trabalho de fundo, que produza mais "nozes que vozes".
III
Este pode ser o bom caminho se os adeptos quiserem e acreditarem que é possível. Mas há outros. Eu não sou, em teoria, favorável à venda da maioria da SAD. Mas vivo na realidade e não costumo meter a cabeça na areia. Assim sendo, e se outra solução não resultar, não vejo qual seja a alternativa, e não apenas para o Sporting. Apesar de ser uma questão que não está em cima da mesa, não será inoportuno começar a fazer sobre ela uma reflexão sem tabus.
A ideia recorrente que o Sporting CP, ou qualquer outro clube, é dos sócios, parece-me uma ilusão. O Sporting é e será de quem tiver capacidade para gerar o capital que permite o funcionamento do Clube. A contribuição financeira dos associados é uma gota de água no cômputo geral das despesas. Os seus direitos, expressos nos Estatutos, consistem em eleger ou demitir os Órgãos Sociais, aprovar orçamentos, e regalias no acesso a recintos desportivos, como contrapartida de pagamento das quotizações. E não é coisa pouca.
Daí a considerarem-se donos do Clube vai uma enormíssima distância. Comparativamente e para explicitar com absoluta clareza o que pretendo dizer, todos nós temos por hábito afirmar, enquanto portugueses, que o País é nosso. É verdade que escolhemos os nossos representantes, produzimos riqueza, pagamos impostos, no fundo financiamos o Estado para cumprir as suas funções. Mas é deste modo que funcionam os clubes desportivos?... De maneira nenhuma. A realidade é que a contribuição financeira dos adeptos não garante a sua sustentabilidade. Esta vem da publicidade, da venda de activos, da participação em provas, e desinvestimentos feitos por accionistas. Se os sócios querem que o Clube tenha "ad eternum" a maioria da SAD, têm de garantir, "de persi" a respectiva sustentabilidade, mas nem sequer vejo sócios endinheirados a avançar com o seu dinheiro.
Se se conseguir encontrar o equilíbrio financeiro, o Sporting continuará a ter a maioria da SAD, e será um grande clube nacional, mas tendo em conta a dimensão do país e do nosso mercado, será sempre uma equipa de futebol mediana no contexto europeu. Assim como qualquer outro clube português. Não vejo que nenhum passe desta mediania, sem que primeiro se disponha a vender a maioria do capital a um investidor que aumente bastante o acometimento. É uma questão de opção, e de realismo.
P.S.: Enquanto há quem trabalhe para tornar o Clube mais sustentável, há outros, que sem qualquer responsabilidade e sem qualquer solução viável, teimam em desestabilizar, brincando às demissões, sem razões plausíveis. Lamentável.
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