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Taça "O Século" - 1948

 

 

O processo que conduziu ao profissionalismo no futebol terá nascido no dia em que foi cobrado o primeiro bilhete para um jogo. No caso português, na década de 1920 já havia pagamentos muito significativos a jogadores, mas o futebol só assumiu um carácter claramente profissional no decurso dos anos de 1950. No entanto, a profissão de futebolista ainda não era formalmente reconhecida. Nessa época, inscrevia-se no Bilhete de Identidade de cada cidadão a respectiva profissão, mas isso não se aplicava aos jogadores, constando sempre uma outra actividade profissional.

 

O Sporting teve supremacia do futebol português desde a época de 1940-41 até à primeira metade da década de 1950. Nesse período, conquistou nove vezes o Campeonato Nacional e cinco vezes a Taça de Portugal. Por essa razão, em 1955 foi convidado para participar na primeira edição da Taça do Clubes Campeões Europeus em representação de Portugal. De súbito, de modo algo surpreendente, a hegemonia esfumou-se a favor do Benfica. Essa alteração verificou-se na segunda metade da década de 1950 e durante a de 1960.

 

Em Dezembro de 1961 o jornal Sporting, nº 568, publicou um extenso artigo de Couto e Santos, redactor do Mundo Desportivo, com o sugestivo título “Um Sporting campeão faz falta ao futebol português”. É o primeiro artigo de fundo sobre esta problemática de que conheço referência na imprensa desportiva. Era ainda muito jovem quando o Sporting conquistou o Campeonato Nacional em 1966, mas recordo-me perfeitamente da intensidade emocional com que esse título foi festejado pelos sportinguistas. Ainda estava bem presente a memória do período mítico dos “cinco violinos” e muitos tinham-nos visto jogar.

 

A alteração na hegemonia do futebol português, pela sua profundidade e extensão, viria a adquirir com o tempo um carácter estruturante. De tal forma que, apesar de todos os esforços realizados nas décadas que se seguiram (1970 em diante), o Sporting procura, ainda hoje, alterar o status quo que se estabeleceu no nosso futebol. Agora, no início de uma nova época desportiva, essa ambição continua bem presente na vontade e na crença dos sportinguistas.

 

Penso que o Clube não foi capaz de fazer uma transição eficaz do semiprofissionalismo para o profissionalismo no futebol na década de 1950. Isso decorreu de uma espécie de tempestade perfeita, com causas internas e externas, onde se conjugaram a matriz ideológica olímpica do Sporting que dificultou essa transição, a demora na compreensão da nova realidade resultante da economia industrial nos anos 1950 e 1960, as persistentes dificuldades financeiras e o Benfica de Otto Glória e Bella Guttman.

 

A matriz ideológica olímpica do Sporting

 

Na primeira metade do século XX verificou-se no Sporting um movimento estrutural definido pela disseminação no Clube, ao nível ideológico, de uma concepção formativa e olímpica do desporto, em geral, e do futebol, em particular. Essa concepção olímpica decorreu do próprio acto fundacional em 1906 e da acção e pensamento de uma geração de directores, em que muitos foram atletas, como Mário Pistacchini, Soares Júnior, Júlio de Araújo, Sanches Navarro, Salazar Carreira e outros.

 

Por exemplo, em consequência desse princípio formativo, o Sporting criou em 1939 a primeira escola de futebol em Portugal através do antigo jogador e director Alfredo Perdigão e do treinador Joseph Szabo. Da concepção olímpica resultou o reconhecido ecletismo leonino bem representado no Estádio de Alvalade (1956) com as argolas olímpicas na tribuna da bancada central e as pistas de ciclismo e de atletismo que circundavam o relvado.

 

Essa filosofia desportiva sportinguista está muito bem expressa em “Os 10 mandamentos do Sporting” (1924) e no “Estatuto do Jogador do Sporting” (1950), ambos da autoria de Salazar Carreira. Neles considerava-se uma honra e um motivo de orgulho vestir a camisola leonina, não se encarando o futebol e os seus praticantes numa perspectiva moderna e capitalista.

 

A demora na compreensão da nova realidade resultante da economia industrial nos anos 1950 e 1960 

 

A década de 1950 foi um período de grande transformação em Portugal, em particular nos domínios económico, social e cultural, com reflexos significativos na superestrutura política e ideológica. Essa mudança, decorrente da significativa industrialização económica, impregnou o futebol de competição que já se tinha transformado num extraordinário espectáculo de massas. Aos jogos entre os grandes clubes acorriam muitos milhares de espectadores, esgotando os estádios (os ‘campos’ na linguagem da época). A profissionalização dos jogadores, que já existia em muitos países europeus, tornou-se inevitável.

 

Na sua maioria, os dirigentes do Sporting nas décadas de 1940 e 1950 eram oriundos da administração pública, ou tinham fortes ligações sociais e profissionais, do sector industrial e das forças militares. Os do Benfica, em geral, possuíam uma cultura mais adequada à realidade sócio-cultural emergente, mais capitalista, em consequência do perfil-tipo dos seus dirigentes, caracteristicamente uma burguesia liberal na perspectiva da época. Por isso, tiveram uma percepção mais rápida da mudança dos tempos e adequaram-se com maior eficácia à nova realidade. É reveladora disso mesmo a forma como o Benfica aceitou as exigências do treinador Otto Glória ou a prontidão audaciosa com que aliciou Eusébio.

 

O Sporting teve, tradicionalmente, grandes dificuldades na gestão conflitual entre os legítimos interesses do Clube e dos atletas, mesmo de alguns entre os mais carismáticos. A incompreensão das pretensões financeiras de Peyroteo e de melhoria salarial de Carlos Gomes ou a suspensão de capitães carismáticos como Fernando Mendes e Mário Lino quando agiram em nome de reclamações do plantel configuram essa desadequação à nova realidade do futebol moderno.

 

As persistentes dificuldades financeiras do Sporting

 

Na segunda metade da década de 1950, o Sporting atravessou graves dificuldades financeiras devido à construção do Estádio José Alvalade. O custo aproximou-se dos vinte e cinco milhões de escudos e, apesar do elevado valor das contribuições angariadas pela Comissão Central do Estádio, pesou bastante no orçamento do Clube. Esse contexto financeiro condicionou a renovação da equipa que o técnico Enrique Fernandez pretendia efectuar, depois de concluído o ciclo de maior êxito na história do futebol leonino.

 

Mas, essa situação crítica vivida pelo Sporting de um ponto de vista financeiro é muito anterior, tendo raízes nos anos vinte do século XX. Nesta altura verificaram-se vários episódios que confirmam a crise, particularmente a nomeação de uma Comissão Administrativa presidida por Sanches Navarro (1926), e a “Questão Jorge Vieira” (1929). Nas décadas de 1930 e de 1940 houve com frequência anos com saldo negativo, atenuados pelo sucesso desportivo da equipa principal de futebol que evitou uma maior visibilidade das dificuldades financeiras.

 

Mais tarde, nos anos 1960, os aspectos económicos continuaram a determinar a vida administrativa e desportiva do Sporting, conduzindo à criação de uma Comissão Administrativa presidida por Brás Medeiros (1965), que aplicou um severo programa de disciplina orçamental.

 

O Benfica de Otto Glória e Bella Guttman

 

Otto Glória profissionalizou a estrutura benfiquista ligada ao futebol e dispôs de uma autonomia que não se verificava noutro clube em Portugal. As suas ideias implicaram, nomeadamente, a criação do Lar do Jogador, a instauração de concentrações e estágios, a elaboração de regulamentos muito rigorosos e a proibição dos directores de entrarem no balneário.

 

O técnico brasileiro teve um sucesso imediato, conquistou dois campeonatos e três taças de Portugal, e lançou as sementes de uma grande equipa. Bella Gutman deu continuidade ao trabalho do técnico brasileiro, lançando o Benfica europeu.

 

De facto, depois do título conquistado em 1954, o Sporting foi o Campeão Nacional numa estranha sucessão cronológica de quatro em quatro anos (1958, 1962, 1966, 1970 e 1974). Não voltaria a usufruir da supremacia no futebol português, surgindo frequentemente como um outsider a partir do momento em que o FC Porto quebrou o jejum de um longo período sem vencer o título (1978). Nessa altura, João Rocha presidia ao Sporting e, apesar do seu conhecimento, sagacidade e competência, não conseguiu impedir o desenrolar dos acontecimentos.

 

Breve nota final

 

Haverá outros factores que agiram sobre o percurso histórico organizacional e competitivo do Sporting. No entanto, pelo seu carácter estruturante, considero que os três primeiros possuíram uma acção decisiva. O quarto aspecto, aquele que se refere ao Benfica, tem uma dimensão meramente conjuntural, mas produziu um efeito significativo por surgir associado aos anteriores.

 

 

publicado às 14:48

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12 comentários

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De Leão Zargo a 29.07.2016 às 09:27

Tem razão, Sérgio. É uma perspectiva pessoal de um tempo crucial do nosso Sporting que partilho com os leitores do Camarote Leonino. E pretendo que constitua um bom motivo de reflexão.

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