Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
“Não se pode acreditar em coisas impossíveis, disse Alice.
Isso é falta de treino, disse a Rainha.”
(Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas)
Miguel Cal e Ricardo Farinha escreveram um documento programático que pretende “contribuir para um debate construtivo e livre em que todos os Sportinguistas se possam envolver”. Na verdade, é um trabalho muito válido que propõe uma reflexão sobre o nosso Clube e os caminhos que pode (deve) seguir no curto e no médio e longo prazo. Trata-se de uma análise da realidade leonina que, em simultâneo, consegue ser global e específica e estabelece uma estratégia, identificando caminhos para a superação e o sucesso. De facto, há no documento “uma visão estratégica e a identificação das prioridades”. Para além de reflexivo, é operativo.
O documento designa-se “O futuro do Sporting começa por todos nós”, e nele distinguem-se as prioridades para o curto prazo (“Desafios imediatos”) e para o médio e longo prazo (“Batalhas de Leão”). Nos “Desafios imediatos” estipulam-se três linhas orientadoras:
- O processo de rescisão de jogadores;
- O processo jurídico de corrupção movido contra o Sporting;
- O descontrolo das claques do nosso clube.
É talvez o ponto mais frágil do documento. Simplista e linear no que refere ao processo de rescisões, desconhecedor da dimensão sociológica da “cultura ultra” no que refere às claques de futebol. Pela urgência daquilo que constitui o curto prazo, aquilo que está já a acontecer, para muitos leitores pode existir o risco desta fragilidade analítica colocar em causa o mérito da globalidade do trabalho.
A parte referente às “Batalhas de Leão” é em geral lúcida, flexível e competente. Reconhece que o futebol pelo seu carácter simbólico e financeiro constitui um combate de primeira grandeza. Define as seguintes directrizes:
- Potenciar performance da equipa principal de futebol;
- Maximizar a experiência “Ser Sporting”;
- Ajustar comunicação de forma a valorizar activos do clube;
- Participar no desenvolvimento ético do futebol nacional.
Na vida há as contingências inevitáveis, mas que se podem prever e controlar através de um quadro de intervenção adequado às circunstâncias. No caso do futebol existem variantes que poderão condicionar o comportamento dos adeptos, como os resultados que a equipa de futebol está a conseguir. Pela importância dessas variáveis, que se podem tornar muito pouco controláveis, os autores estabeleceram três orientações de acção que visam minimizar factores imponderáveis e “potenciar a performance da equipa principal de futebol”.
É interessante o valor que é concedido à condição de “Ser Sporting”. Muito bem. O poeta Herberto Helder recordou que os gregos antigos não escreviam necrológios. Quando alguém morria perguntavam apenas: “Tinha paixão?” Na verdade, “para eles, tudo devia estar provido de paixão e tudo aquilo que não estivesse era censurável”. O que contribua para o aprofundamento da paixão sportinguista é um investimento no futuro.
Outro eixo de intervenção proposto pelos autores reside na forma como a comunicação pode contribuir para a valorização de jogadores e do próprio Clube. Deve haver um modelo de comunicação consistente que beneficie do facto do Sporting ser socialmente transversal com implantação em todo o país, nas comunidades nacionais no estrangeiro e nas antigas colónias portuguesas. A Academia de Alcochete constitui um elemento de referência e o ecletismo integra a matriz original leonina.
Finalmente, o Clube tem de estar na vanguarda do desenvolvimento ético do futebol português. Sabe-se que há interesses e jogos poderosos financeiros que tentam sempre controlar as competições desportivas, que originam esquemas fraudulentos e corrupção. O futebol distanciou-se da “arété” dos gregos e ficou prisioneiro da “civilização do espectáculo”, mas o Sporting é um dos clubes fundadores do futebol nacional enquanto grande fenómeno social e cultural de massas. Por essa razão, deve cuidar daquilo que também é seu, assumindo de forma activa uma acção construtiva para o desenvolvimento ético do desporto-rei.
No seu trabalho, Miguel Cal e Ricardo Farinha referem-se a questões estratégicas e estruturais em coerência com aspectos de carácter ocasional e conjuntural. Num Clube como o nosso cruzam-se com grande intensidade o planeamento estratégico e o instante temporal. O projecto de uma época pode ser pulverizado por uma derrota com uma equipa secundária, como uma vitória na Champions pode optimizar um ano desportivo. A defesa permanente da identidade do Sporting constitui o elemento aglutinador, integrador e mobilizador dos sportinguistas. O universo leonino é antagónico do medo e do ostracismo, tem de ser sempre um espaço de liberdade e de coragem na procura crítica dos melhores procedimentos para superar os obstáculos e as limitações com que nos confrontamos.
***O documento estratégico de Miguel Cal e Ricardo Farinha pode ser lido aqui.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.