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O Sporting e o Futuro

Leão Zargo, em 30.06.18

 

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“Não se pode acreditar em coisas impossíveis, disse Alice.

Isso é falta de treino, disse a Rainha.”

(Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas)

 

 

Miguel Cal e Ricardo Farinha escreveram um documento programático que pretende “contribuir para um debate construtivo e livre em que todos os Sportinguistas se possam envolver”. Na verdade, é um trabalho muito válido que propõe uma reflexão sobre o nosso Clube e os caminhos que pode (deve) seguir no curto e no médio e longo prazo. Trata-se de uma análise da realidade leonina que, em simultâneo, consegue ser global e específica e estabelece uma estratégia, identificando caminhos para a superação e o sucesso. De facto, há no documento “uma visão estratégica e a identificação das prioridades”. Para além de reflexivo, é operativo.

 

O documento designa-se “O futuro do Sporting começa por todos nós”, e nele distinguem-se as prioridades para o curto prazo (“Desafios imediatos”) e para o médio e longo prazo (“Batalhas de Leão”). Nos “Desafios imediatos” estipulam-se três linhas orientadoras:

 

- O processo de rescisão de jogadores;

- O processo jurídico de corrupção movido contra o Sporting;

- O descontrolo das claques do nosso clube.

 

É talvez o ponto mais frágil do documento. Simplista e linear no que refere ao processo de rescisões, desconhecedor da dimensão sociológica da “cultura ultra” no que refere às claques de futebol. Pela urgência daquilo que constitui o curto prazo, aquilo que está já a acontecer, para muitos leitores pode existir o risco desta fragilidade analítica colocar em causa o mérito da globalidade do trabalho.

 

A parte referente às “Batalhas de Leão” é em geral lúcida, flexível e competente. Reconhece que o futebol pelo seu carácter simbólico e financeiro constitui um combate de primeira grandeza. Define as seguintes directrizes:

 

- Potenciar performance da equipa principal de futebol;

- Maximizar a experiência “Ser Sporting”;

- Ajustar comunicação de forma a valorizar activos do clube;

- Participar no desenvolvimento ético do futebol nacional.

 

Na vida há as contingências inevitáveis, mas que se podem prever e controlar através de um quadro de intervenção adequado às circunstâncias. No caso do futebol existem variantes que poderão condicionar o comportamento dos adeptos, como os resultados que a equipa de futebol está a conseguir. Pela importância dessas variáveis, que se podem tornar muito pouco controláveis, os autores estabeleceram três orientações de acção que visam minimizar factores imponderáveis e “potenciar a performance da equipa principal de futebol”.

 

É interessante o valor que é concedido à condição de “Ser Sporting”. Muito bem. O poeta Herberto Helder recordou que os gregos antigos não escreviam necrológios. Quando alguém morria perguntavam apenas: “Tinha paixão?” Na verdade, “para eles, tudo devia estar provido de paixão e tudo aquilo que não estivesse era censurável”. O que contribua para o aprofundamento da paixão sportinguista é um investimento no futuro.

 

Outro eixo de intervenção proposto pelos autores reside na forma como a comunicação pode contribuir para a valorização de jogadores e do próprio Clube. Deve haver um modelo de comunicação consistente que beneficie do facto do Sporting ser socialmente transversal com implantação em todo o país, nas comunidades nacionais no estrangeiro e nas antigas colónias portuguesas. A Academia de Alcochete constitui um elemento de referência e o ecletismo integra a matriz original leonina.

 

Finalmente, o Clube tem de estar na vanguarda do desenvolvimento ético do futebol português. Sabe-se que há interesses e jogos poderosos financeiros que tentam sempre controlar as competições desportivas, que originam esquemas fraudulentos e corrupção. O futebol distanciou-se da “arété” dos gregos e ficou prisioneiro da “civilização do espectáculo”, mas o Sporting é um dos clubes fundadores do futebol nacional enquanto grande fenómeno social e cultural de massas. Por essa razão, deve cuidar daquilo que também é seu, assumindo de forma activa uma acção construtiva para o desenvolvimento ético do desporto-rei.

 

No seu trabalho, Miguel Cal e Ricardo Farinha referem-se a questões estratégicas e estruturais em coerência com aspectos de carácter ocasional e conjuntural. Num Clube como o nosso cruzam-se com grande intensidade o planeamento estratégico e o instante temporal. O projecto de uma época pode ser pulverizado por uma derrota com uma equipa secundária, como uma vitória na Champions pode optimizar um ano desportivo. A defesa permanente da identidade do Sporting constitui o elemento aglutinador, integrador e mobilizador dos sportinguistas. O universo leonino é antagónico do medo e do ostracismo, tem de ser sempre um espaço de liberdade e de coragem na procura crítica dos melhores procedimentos para superar os obstáculos e as limitações com que nos confrontamos.

 

***O documento estratégico de Miguel Cal e Ricardo Farinha pode ser lido aqui.

 

publicado às 16:34

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11 comentários

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De Nando a 30.06.2018 às 18:34

Utopia, chame-lhe, utopia. Quando alguém quer aquilo que não existe, chama-se Utopia!
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De Leão Zargo a 30.06.2018 às 18:51

De facto, "utopia" ("ou+topos" no grego) significa o "lugar que não existe". O documento referido no post é realizável, pelo menos em parte. Não me parece que seja utópico!
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De Rui Pedro Rocha a 30.06.2018 às 21:39

Lewis Carroll! :)
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De Rui Pedro Rocha a 30.06.2018 às 22:08

Ainda falta um r! :)
(Sim, ele tem um pseudónimo estranho).
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De Rui Pedro Rocha a 30.06.2018 às 22:17

Desculpe a insistência... :)
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De Fernandes a 01.07.2018 às 00:51

As medidas sobre as claques podem precisam de uma reflexão mais aprofundada, mas o diagnóstico é correcto (estão descontroladas), e proposta também (transformação radical situação actual). A questão é o processo que levará a essa transformação, mas a abordagem que é feita até é um dos pontos mais fortes do texto, pois como se tem visto, as claques continuam a ser um tabu para a "elite" do Sporting.
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De Leão Zargo a 01.07.2018 às 08:26

Fernandes

Quando referi o desconhecimento da dimensão sociológica da “cultura ultra” nas claques de futebol estava a considerar precisamente o processo. Não aprecio as claques e muito mais da forma como se tornaram tropas de assalto ao serviço de alguém. Mas elas existem e não devem ser ignoradas.

Existe legislação específica que não é aplicada às claques, o que não pode acontecer, obviamente. O Estado tem de intervir de forma mais assertiva. E as direcções dos clubes não se podem demitir das suas responsabilidades. Mas, é como diz, as claques continuam a ser um tabu...
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De Miguel Cal a 01.07.2018 às 09:50

É verdade que esta secção é a parte mais romântica do documento. Inicialmente as sugestões eram bastante mais realistas, sugeria acordar um código de conduta com a liderança das claques e trabalhar com o regulador para garantir que 1) a legislação em vigor é aplicada e 2) promover Um debate semelhante ao feito em Inglaterra (tal como o Ricardo escreveu no último capítulo). Mas depois vi aquela demonstração de apoio da Juve Léo aos 23 “resistentes” e pensei basta! Sentei-me à frente do computador e este texto foi a minha forma de protesto, de dizer que não há lugar para eles no futuro. Romântico? Claro. Fazivel? Haja coragem e talvez. Abraço e obrigado pelo debate
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De Leão Zargo a 01.07.2018 às 21:39

Obrigado pelo esclarecimento, Miguel Cal. A minha dúvida quanto ao carácter exequível da vossa proposta decorre do enraizamento da "cultura ultra" nas claques de futebol, e do Sporting em particular. Essa cultura tem uma forte componente de marginalidade e de uma certa clandestinidade. Trata-se de uma ideologia que existe e que atrai um elevado número de adeptos.

A situação actual de legalização e de controlo das claques constitui uma base aceitável para a verificação do seu funcionamento organizacional. A legislação tem de ser aplicada e os líderes sujeitos à responsabilização efectiva. Isso não se passa.

No entanto, a situação é dinâmica e está em permanente transformação. O debate que vocês referem será importante para isolar as vozes mais radicais nas claques e contribuirá para criar uma outra cultura mais integrada. Uma coisa é certa, numa sociedade aberta e democrática como é felizmente a nossa, torna-se difícil intervir de forma repressiva sobre os grupos sociais, sejam claques de futebol ou outros.

Um abraço e parabéns pelo vosso interessantíssimo trabalho.

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