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Pão e circo

Naçao Valente, em 12.05.20

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Podemos viver sem futebol? Teoricamente sim, mas na prática, na vida do dia a dia, é complicado. Há um velho ditado que diz que nem só de pão vive o homem. Verdade incontestável, sendo igualmente certo que sem pão não se vive. Mas para além disso, o homem vive também de circo. É assim desde tempos imemoriais, com grande expressão a partir da Antiguidade. A componente lúdica da vida, que acompanha a manifestação das emoções, sempre assumiu uma expressão fundamental no quotidiano da humanidade.

O futebol, ou outros desportos de massas, conforme as preferências, por países, são o circo dos tempos contemporâneos. Desempenham a função que este desempenhava no tempo antigo, canalizando as emoções para fora das actividades profissionais e políticas. Criando um enorme espaço marginal para descarregar frustrações, esquecer dificuldades, exprimir agressividades. Esse papel é desempenhado pelo futebol, com as rivalidades, muitas vezes doentias, expressas nos campos, e mais recentemente na comunicação social.

Mas com a evolução tecnológica, com o refinamento do sistema capitalista, o futebol ao contrário do circo antigo, tornou-se em mais uma indústria privada que produz mais valias financeiras. No fundo, são sustentadas pelos seus espectadores, seja através de pagamento directo, ou indirecto, dando corpo e sustentabilidade a outras grandes indústrias, as redes de comunicação e a publicidade.

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Deste modo, é impensável a falência do futebol. Para além do óbvio papel que desempenha no condicionamento das massas populares, tem uma relevância muito determinante no sector económico. Pelos postos de trabalho directos e indirectos que promove e mantém, pelos rendimentos que propicia aos cofres dos Estados. 

Daí a grande preocupação do poder político, envolvendo-se, apesar dos riscos sanitários, com o recomeço dos campeonatos interrompidos. Os clubes precisam do financiamento pelos operadores de conteúdos, como de pão para a boca. E para estes, sem circo não há pão. Isso explica, à saciedade, a urgência de retomar a actividade, com os riscos inerentes. Os estados modernos não podem como os antigos financiar o circo, dada a multitude de outras e emergências.

Por fim, será que esta grave crise sanitária com os seus condicionalismos e consequências provocará mudanças na organização do futebol? Será que os malefícios desta indústria, que atrai para o seu dirigismo global o oportunismo, a irresponsabilidade, a ilegalidade e a corrupção, serão substituídos por comportamentos mais virtuosos? Pelo que conheço da natureza humana arriscaria dizer que não.

E se numa primeira fase, terá de haver alguma contenção nos gastos, nomeadamente na especulação de passes de atletas, logo que a situação normalize vai ser tudo como dantes. No nosso circo caseiro os chamados 'três grandes' vão continuar a hegemonizar as receitas televisivas. Neste mundo cão, igualdade e solidariedade são palavras meramente vãs. O futebol precisava de outras mentalidades. O mundo pode ser feito de mudança, mas o pão e o circo vão continuar, como sempre, apesar de metamorfoseados.

publicado às 03:04

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8 comentários

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De RCL a 12.05.2020 às 08:38

Brilhante comentário. Parabéns.
Ampla visão sociológica da coisa(nostra?).
Tenho uma dúvida . como irão, futuramente, alguns membros do Governo assistir aos jogo na Tribuna de Honra no estádio da Luz?
Levam máscara?
Ou como diria o Herman :"não havia necessidade!".
SL
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De Naçao Valente a 12.05.2020 às 12:30

Obrigado pela apreciação,RCL. Coloca uma dúvida pertinente, mas de difícil resposta. A questão é: quando podem os adeptos voltar aos estádios, e em que circunstâncias?
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De João Paulo Gonçalves a 12.05.2020 às 18:54

Os membros do Governo que assistem a jogos de futebol são todos do Benfica? 🤔
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De Leão Zargo a 12.05.2020 às 16:38

Caro Nação Valente

Tem razão, o futebol "tornou-se em mais uma indústria privada que produz mais valias financeiras". Isso distingue-o do espectáculos circenses na Antiguidade Romana, mas de resto tem alguns pontos em comum. Na actualidade, os estádios transformaram-se num circo/arena romana, em que os jogadores são os gladiadores da era moderna.

O recomeço das competições revela que o espectáculo não pode parar. O futebol é um jogo de contacto permanente e de limites da capacidade física. Basta um elemento infectado e o contágio potencia-se sem parar. Há análises que dão negativo e dias depois dão positivo. O que pode acontecer? Quem assume total responsabilidade?
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De Naçao Valente a 12.05.2020 às 18:16

Caro Leão Zargo,

O recomeço do campeonato procura responder aos interesses financeiros dos clubes e ao mesmo tempo, à atribuição, sem polémica,, especialmente do primeiro e do segundo lugar. Levanta uma questão pertinente e problemática. De facto o risco de contágio é real, e no caso de acontecer, quem assume responsabilidades? Se bem percebi, nem jogadores nem clubes a querem assumir. Como vamos sair disto?
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De Geraldes CB a 12.05.2020 às 20:08

O pessoal deveria relativizar as coisas.

Como tudo, um dia o futebol será substituído por outra coisa qualquer.
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De Carlinha MR a 14.05.2020 às 02:04

Este texto é merecedor de muita atenção e reflexão!
Está extremamente bem escrito e com brilhantes ilustrações a condizer! Parabéns caros NV e Rui, que imagino que seja quem ilustrou!

Marx (que não é flor do meu jardim) disse :
-“A religião é o ópio do povo.”
Se calhar, este anátema aplica-se ao futebol pós-pandemia com maior incidência, correndo o risco de estar a exagerar ou......... talvez não!

Pessolmente e porque penso na saúde acima de tudo, preferia que a retoma fosse depois da vacina!
Mas tal é inviável (o dinheiro/interesses falam sempre mais alto, infelizmente), então resta-me rezar para que tudo corra pelo melhor!
Siga o CIRCO, sem palhaçadas! Não há espaço para isso, portanto já que o risco é muito alto, pelo menos sejam sérios, sem planos inclinados!
Desejo a melhor das sortes e muita protecção do ALTO a todos sem excepção! Nesta parte, não vejo cores, vejo vida humanas!

Grande beijinho e que a saúde seja sua aliada permanente!
Carlinha

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