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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Era assim que Miguel Torga descrevia a poesia: “Sei que serve quem ama/ E que eu jurei amor à minha dama/ A mágica senhora das paixões.” No futebol, ela é a bola. Por causa dela batem os corações mais empedernidos numa ânsia meio infantil de algo que não se explica e se sente apenas. Ainda por cima em semana de Sporting-Benfica, Lisboa, Tejo e tudo...
Amanhã (hoje) 20h30 !... Um dérbi deve levar sempre ponto de exclamação. Não há outro como este em Portugal.
Talvez não suscite tantos ódios, embora até ao final do encontro me sujeite a ser desmentido pelo comportamento arruaceiro, mazombo e canalha de meia dúzia de azêmolas que teimam em carregar para dentro dos estádios de futebol o fel das suas frustrações. Talvez não tenha, ultimamente, aquele brilhozinho nos olhos que teve in illo tempore, apesar do esforço que o presidente do clube de Alvalade tem feito para cair nos braços de uma inimizade que não deveria fazer sentido no âmago de gente de bem.
Talvez o jogo tenha evoluído tanto, em todas as suas vertentes, que dispense a saudável rivalidade que nasceu no final do antiquíssimo ano de 1907 entre uns rapazes de Belém, que se reuniam numa farmácia, e uns outros do Campo Grande, com um visconde generoso na árvore genealógica. Ou melhor: que se espalhou como fogo em campo de milho seco depois de os Manos Catataus, como eram conhecidos, se terem deixado encantar pelos cantos de sereia de banhos quentes e chazinhos ao intervalo, trocando o Sport Lisboa (ainda sem Benfica) pelo Sporting Clube de Portugal.
Mas este não é apenas um artigo sobre o dérbi. É uma dissertação que tem a jornada por fundo, com os seus apertos, que são muitos, e os seus joguinhos sensaborões, que são imensos por via da falta de competitividade de uma prova que chega a cinco jornadas do final com uma boa série de equipas a jogarem pura e simplesmente para nada, se desvalorizarmos mais pontinho menos pontinho, ou um lugarzinho mais acima ou mais abaixo.
Claro que o maior aperto é do Benfica. Tem um confronto duro contra um adversário com o seu posto na tabela resolvido, apostado numa vitória que deixe o rival mais longe do tal quarto título consecutivo com que tanto sonha. Não haverá melhor forma de o leão fechar as contas de mais uma época a zeros do que tirar o campeonato à águia. É algo que faz parte da sua idiossincrasia, não desprezando a hipótese de a inversa também poder ser verdadeira, embora seja cenário que não se apresenta há tanto, tanto, tanto tempo que precisaríamos de uma lavagem de memória para o termos como seguro.
Parecendo certa a vitória do FC Porto no domingo, nas Antas, perante o Feirense – e podem vir-me cá à vontadinha com a gloriosa incerteza do desporto –, uma derrota encarnada em Alvalade colocaria, ao fim de meses a fio, os azuis- -e-brancos no primeiro lugar, embora apenas por diferença de golos marcados e sofridos. Psicologicamente, não deixaria de ser um salto mortal. E como jogará o dragão já conhecedor do desfecho do dérbi, não deixará com certeza a sua actuação domingueira de ser afectada por ele.
Contas ficariam a fazer-se nos ábacos ou nas calculadoras, mas com uma certeza: se essa hipótese se transformar na mais crua das realidades, o FC Porto ficará com, pelo menos, quatro golos de vantagem em relação ao Benfica. Com quatro jogos em disputa para cada um. Apertado, não é?
Por seu lado, o Benfica joga com dois resultados, e eu defendo sempre que é essa uma das formas mais confortáveis de se entrar em qualquer campo do mundo. A vitória no outro lado da Segunda Circular abre-lhe às escâncaras os portões dourados do título. Aconteça o que acontecer no dia seguinte, partirá para o sprint final com, no mínimo, três pontos de avanço. O empate continuará a garantir-lhe o isolamento no comando, com toda a injecção de optimismo que depois advém de olhar para o calendário bem mais complicado do seu concorrente directo.
A banalidade manda dizer, do alto da sua importância bacoca mas indesmentível, que nada de nada ficará decidido agora que abril se escapa para o ocaso. Certo! Nem Jacques de La Palice diria melhor frente às portas de Pavia, onde morreu. Mas a banalidade não impede que se tracem cenários e que se cimentem certezas. As que ficam aqui sublinhadas, a letra de imprensa, ou quaisquer outras que brotem das fontes da imaginação. Nada ficará como dantes: faltará menos um jogo, aconteça o que acontecer.
Artigo da autoria de Afonso de Melo - Jornal i
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