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Na década de 1940, o regime do Estado Novo mantinha com o futebol em Portugal uma relação autoritária e centralizadora no que refere ao dirigismo dos clubes e dos organismos federativos. Mas, de enorme ambiguidade e oportunismo no que refere aos seus méritos enquanto actividade desportiva.

 

Segundo a perspectiva ideológica do regime nessa altura, o futebol não era a modalidade desportiva que permitiria uma finalidade regeneradora da condição física e espiritual dos portugueses. A ginástica, a vela, o remo ou o atletismo desempenhariam melhor essa função. Aliás, a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e a Mocidade Portuguesa privilegiavam estas modalidades. É apenas a partir dos anos 50 que a FNAT começou a proporcionar aos trabalhadores a possibilidade de praticar desportos colectivos. O futebol era ainda frequentemente associado a situações de indisciplina individual e de grupo e à alteração da ordem social. 

 

Mas, a popularidade do futebol, a sua importância económica, a cultura urbana de massas e o crescimento urbano colocaram o desporto-rei na agenda das reformas urgentes. Assim, a sucessiva acção legislativa, a centralização das instituições desportivas e a reorganização das competições decorreram da necessidade de adequar o futebol às novas realidades sociais, culturais e demográficas e às intenções de um Estado que se caracterizava por ser altamente hierarquizado, autoritário e disciplinador. O Decreto nº 32 946, de 3 de Agosto de 1943, teve essa intenção ordenadora.

 

Foi neste contexto ideológico que se verificou uma das situações mais dramáticas que envolveram um dirigente desportivo português. Tratou-se da irradiação determinada pelo governo, em 1943, de Augusto Amado de Aguillar, presidente do Sporting. Por essa decisão governamental, o dirigente sportinguista ficou impedido de voltar a exercer quaisquer cargos de direcção em instituições ou organismos desportivos. O Supremo Tribunal Administrativo levantou o castigo em 1959, mas manteve a fundamentação da pena aplicada em 1943.

 

Amado de Aguillar foi um futebolista praticante muito activo na sua terra natal, Cuba, nos anos 20, um dos fundadores do Lutador Foot-Ball Club e, mais tarde, do Sporting de Cuba, filial nº 50 do Sporting. Advogado, foi eleito presidente do Sporting em 2 de Setembro de 1942 e demitido em 26 de Outubro de 1943.

 

A irradiação de Amado de Aguillar aconteceu na sequência da entrada em vigor do Decreto nº 32 946, e da nova regulamentação sobre as transferências dos futebolistas. O Sporting pretendeu contratar António Marques ao Académico do Porto, mas, depois de uma primeira autorização pela Direcção-Geral dos Desportos, a transferência do jogador ficou suspensa. O presidente leonino reclamou da suspensão da transferência e em ofício solicitou que “a própria Direcção-Geral não entrave a indispensável reorganização legal da secção de futebol do Clube”.

 

A troca de correspondência continuou nos dias seguintes, com Amado de Aguillar queixando-se em ofício de 13 de Outubro que “aborrece-me, profundamente, trabalhar no cumprimento de ordens dadas por V. Exa. em tom de quem se dirige a funcionários inferiores, esquecendo, lamentavelmente, que isto de dirigir um clube desportivo é coisa que só nos leva o repouso, amizades e, até, muito dinheiro”. O Director-Geral dos Desportos, Sacramento Monteiro, considerou, em 16 de Outubro, ter havido um “grave acto de indisciplina” e que o presidente do Sporting não possuía “idoneidade para o exercício de funções dirigentes em organismos desportivos”. Por essa razão, propôs a sua irradiação sumária, sem a realização de processo disciplinar, no que foi aprovado pelo Ministro da Educação Nacional. No entanto, conhecedor da decisão do governante, o presidente do Sporting tinha-se demitido das suas funções na véspera.

 

A irradiação de Amado de Aguillar implicou a nomeação pelo governo de uma Comissão Administrativa, dirigida por Diogo Alves Furtado, o presidente da Assembleia Geral do Sporting. Esta Comissão Administrativa entrou em funções no próprio dia 16 de Outubro, mas cessou-as em 17 de Novembro de 1943 em virtude da eleição de uma lista presidida por Alberto da Cunha e Silva para a direcção do Clube. Curiosamente, a época de 1943-44 foi boa para os leões, que conquistaram o Campeonato Nacional e a Taça Império. Amado de Aguillar só voltou a desempenhar funções desportivas na gerência de Brás Medeiros, como presidente da Assembleia Geral, entre 1965 e 1973.

 

Nota: A correspondência de Amado de Aguillar e a decisão de Sacramento Monteiro citadas neste texto podem ser consultadas no Arquivo da Direcção-Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, Caixa, 04/357 - Actividades Desportivas, Corpos Gerentes, Disciplina, Diversos, 1954. Pasta 1959 - Corpos Gerentes. Procº 2/2, in “A pureza perdida do desporto: futebol no Estado Novo”, de Rahul Mahendra Kumar.

 

publicado às 12:41

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