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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Azevedo e a titularidade nas Salésias
João Azevedo foi contratado pelo Sporting ao Luso do Barreiro no Verão de 1935 e estreou-se num jogo com o Boavista disputado em 16 de Fevereiro de 1936. Mas, nessa altura ainda era o terceiro na hierarquia da baliza leonina. No entanto, Artur Dyson lesionou-se gravemente pouco tempo depois numa partida com o FC Porto no campo do Ameal, o brasileiro Jaguaré não conseguia confirmar a fama de que vinha precedido e o treinador romeno Wilhelm Possak optou pelo jovem barreirense num “clássico” frente ao Belenenses para o Campeonato da Liga em 12 de Abril de 1936.
Foi nesse “clássico” nas Salésias que Azevedo revelou definitivamente a sua excepcional categoria. Com uma exibição portentosa garantiu a vitória verde e branca por 2-1 e agarrou a sua oportunidade. Tornou-se o guarda-redes titular até um longínquo jogo com a Académica mais de quinze anos depois, sendo ainda hoje o jogador leonino com maior número de títulos conquistados. “Futebol é isto mesmo, a sorte premeia o génio de alguns”, garantiu Ottmar Hitzfiel no rescaldo da viragem conseguida pelo Manchester United na final da Liga dos Campeões, em 1999. Exactamente !
Jaguaré, o primeiro guarda-redes estrangeiro do Sporting
O Sporting contratou Jaguaré Bezerra ao Corinthians em 1935. Antigo estivador, era um jogador reputadíssimo, internacional brasileiro, e para além do “Timão”, também tinha jogado no Vasco da Gama, o primeiro clube no Brasil a reconhecer o profissionalismo, e no Barcelona, a troco de cerca de 30 mil pesetas. Felino entre os postes, bravo nas saídas aos pés dos avançados, provocador dos adversários, era muito aplaudido pelos adeptos e um dos seus ídolos preferidos. Influenciou no uso das luvas pelos ‘goleiros’ brasileiros. Foi o primeiro guarda-redes estrangeiro a vestir a camisola leonina.
Em 1935, o Sporting tinha Dyson para a baliza, normalmente o titular, mas a memória quase mítica dos guarda-redes da década de 1920, Amadeu Cruz e Cipriano dos Santos, nunca lhe deu descanso. Foi sempre um mal-amado. Ainda por cima, tinha jogado no rival Benfica. Por outro lado, o madeirense Jordão Jóia tinha saído e considerava-se que João Azevedo, contratado nesse ano ao Luso do Barreiro, ainda era muito jovem.
Os olhares sportinguistas concentraram-se em Jaguaré. Ele, o defesa Vianinha e o médio Fernando Giudicelli estavam comprometidos com equipas italianas, mas ficaram retidos em Lisboa por causa da guerra da Itália com a Abissínia, e o Sporting contratou-os.
No futebol, muitas vezes, um nome sonante e um grande currículo não são o suficiente para conquistar um lugar ao sol. Naturalmente, Dyson não cedeu a titularidade a Jaguaré, e este nunca chegou a mostrar o seu verdadeiro valor. Na realidade, fez sete jogos pela equipa principal do Sporting, contribuindo apenas para a conquista do Campeonato de Lisboa de 1935-36.
De súbito, a posse da baliza leonina ficou clarificada. É que num Belenenses-Sporting, nas Salésias em 12 de Abril de 1936, João Azevedo fez uma exibição de tal ordem que o treinador romeno Wilhelm Possak não voltou a ter dúvidas. Iniciou-se nesse dia a era do “Hércules do Barreiro” que durou longos anos até outro clássico nas Salésias em 1951.
Jaguaré no final da época deixou o Sporting e partiu para França, onde representou o Olympique de Marseille com proveito e glória durante três anos, foi campeão nacional e conquistou a Taça francesa. Ainda voltou a Portugal, em 1938, para jogar no Académico do Porto e no Leça. Tinha 37 anos de idade quando regressou ao Brasil no Verão de 1942.
Caldeira e o nervoso da estreia
O Sporting contratou Manuel Caldeira ao Lusitano de Vila Real de Santo António no Verão de 1950. O jogador, com 23 anos de idade, já possuía bastante experiência como defesa direito, e os leões precisavam de reforçar o seu sector recuado que acusava alguma veterania. Constou que terá recebido 100 contos de “luvas”, uma quantia significativa para a época.
A estreia oficial verificou-se num Benfica - Sporting para o Campeonato Nacional, no Jamor, em 17 de Setembro de 1950. Caldeira era um jogador enérgico, destemido, que não virava a cara à luta, muito seguro de si, mas naquele derby as pernas tremiam-lhe como varas verdes e suava abundantemente. Como dava sinais de nervosismo e ansiedade, o capitão de equipa, o guarda-redes João Azevedo, perguntou-lhe se havia algum problema. “É medo, senhor João, é medo”, respondeu-lhe o algarvio. O Sporting venceu por 3-1 e o novo leão fez uma exibição muito positiva, ficando aprovado no exame.
O medo passou-lhe depressa. Manuel Caldeira vestiu a camisola leonina em 217 jogos oficiais durante nove temporadas e conquistou o título de Campeão Nacional por cinco vezes. Participou em 4 de Setembro de 1955 no Sporting - Partizan de Belgrado, o primeiro encontro para a Taça dos Clubes Campeões Europeus. Em 2003 foi distinguido com o Prémio Stromp na categoria Saudade.
O último jogo do “Hércules do Barreiro” no Sporting
O mítico João Azevedo já acusava alguma veterania em 1950 quando o jovem Carlos Gomes foi contratado pelo Sporting ao Barreirense. O “Hércules do Barreiro”, também conhecido por “Gato de Frankfurt”, era o dono da baliza leonina desde um longínquo jogo com o Belenenses nas Salésias em Dezembro de 1936, mas continuava ágil entre os postes, valente nas bolas pelo ar e corajoso nas saídas. Carlos Gomes teve de esperar pela sua oportunidade.
Na época seguinte, em 1951-52, na primeira jornada do Campeonato Nacional o Sporting foi às Salésias para defrontar o Belenenses. As mesmas Salésias onde Azevedo tinha conquistado a titularidade a Dyson e Jaguaré. Mas, nos azuis havia Matateu, e naquele dia o moçambicano estava com a pontaria muito afinada: marcou quatro golos e os de Belém venceram por 4-3. Os leões perderam o desafio e houve olhares desconfiados na direcção do guarda-redes.
O “Hércules do Barreiro” já não entrou em campo no domingo seguinte com a Académica, pois o treinador Randolph Galloway mandou avançar Carlos Gomes para a baliza. Azevedo que chegou a jogar com vértebras e costelas fracturadas, com um pé partido ou com doze pontos na cabeça, e que tinha de fumar um cigarrinho antes dos jogos para acalmar os nervos, não sobreviveu à tarde de génio de Matateu. Foi o seu último dia com a camisola leonina.
A fotografia refere-se a uma fase da juventude de João Azevedo. Quando ainda não era um ícone e estava a começar a construir a lenda.
Os jogos entre o Sporting e o Belenenses pertencem à história (e à memória) dos grandes clássicos do futebol português. Foram (e são) grandes e extraordinários despiques, como aconteceu num jogo disputado há quase 80 anos nas Salésias, em 12 de Abril de 1936.
Nesse dia as duas equipas apresentaram-se em 2-3-5, o esquema táctico dominante em Portugal naquele tempo. Era um sistema muito exigente para os jogadores mais recuados, em que os dois defesas jogavam muito perto da grande área e no meio do campo posicionavam-se três médios, com os dois laterais a marcarem dianteiros adversários e o central como o cérebro da equipa. À frente, dois extremos bem abertos, dois interiores e o avançado-centro, o artilheiro.
Foi nesse clássico nas Salésias que João Azevedo revelou definitivamente a sua excepcional capacidade como guarda-redes. O atleta tinha-se estreado em competições oficiais dois meses antes num Boavista-Sporting (16 de Fevereiro de 1936), mas nessa altura ainda era o terceiro na hierarquia da baliza leonina. No entanto, Dyson lesionou-se gravemente pouco tempo depois num fatídico jogo com o FC Porto no Campo do Ameal e o brasileiro Jaguaré nunca conseguiu confirmar a fama de que vinha precedido.
Naquele dia de Abril, Azevedo com uma exibição portentosa garantiu a vitória leonina e agarrou a “sua” oportunidade. Tornou-se o keeper titular até um longínquo jogo com a Académica mais de quinze anos depois e o jogador do Sporting com maior número de títulos conquistados. “Futebol é isto mesmo, a sorte premeia o génio de alguns”, garantiu Ottmar Hitzfiel no rescaldo da viragem conseguida pelo Manchester United na final da Liga dos Campeões, em 1999. Nem mais!
Ficha do jogo:
Campeonato da 1ª Liga (11ª jornada)
Estádio das Salésias, 12 de Abril de 1936
Belenenses 1 - Sporting 2
Árbitro - João dos Santos Júnior (Lisboa)
Belenenses - José Reis; José Simões e João Belo; Mariano Amaro, Jaime Viegas e Rodrigues Alves; Perfeito, Júlio de Sousa, Armelim Pinto, Bernardo Soares e José Luís
Treinador - Artur José Pereira
Marcador - Bernardo Soares (46m)
Sporting - João Azevedo; Joaquim Serrano e Vianinha; Abelhinha, Rui Araújo e Raul Silva; Costa, Pireza, Soeiro, Mourão e Francisco Lopes
Treinador - Wilhelm Possak
Marcadores - Soeiro (50m) e Pireza (87m)
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