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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Sporting já deu por concluída a substituição das cadeiras no Estádio José Alvalade.
E, ontem, em parceria com a HISENSE, todas as televisões no estádio
também foram substituídas.
Através das plataformas oficiais, o Sporting informou que vai prestar homenagem a glórias da equipa de futebol do clube, baptizando seis das sete portas do Estádio José Alvalade com o nome de um jogador e uma outra com a designação de «Cinco Violinos», num tributo ao quinteto formado por Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano.
«A número 1 é a do eterno n.º 1 do Sporting, Vítor Damas, num trabalho que ficará completo nos próximos dias. Brevemente, esta e as outras seis portas de Alvalade serão baptizadas com os nomes de antigas Lendas do Clube. 1 - Damas, 2 - Hilário, 3 - Stromp, 4 - Jordão, 5 - Cinco Violinos, 6 - Yazalde e 7 - Manuel Fernandes», informa a direcção do Clube.
No futebol moderno há a absoluta necessidade de recorrer a símbolos que funcionam como a ligação do passado com o presente, como elo aglutinador das diferentes gerações de adeptos e de projecção de um futuro vitorioso. Por essa razão, independentemente de outros nomes que se afigurassem mais adequados, trata-se de uma excelente decisão. A cerimónia simbólica de inauguração será realizada quando for possível voltar a ter público no Estádio.
O Sporting na década de 1950
No início da década de 1950, o futebol português preparava-se para a profissionalização. O Sporting acompanhou esse processo de transformação, organizando-se e construindo as infraestruturas necessárias. O Estádio de Alvalade e o Lar do Jogador integraram-se nessa finalidade. O Estatuto do Jogador, redigido por Salazar Carreira, definia e estabelecia a ética do cidadão e do desportista inerente à instituição leonina.
Antes dos grandes jogos, os atletas do Sporting realizavam os estágios no Pêro Pinheiro. Na fotografia, vêem-se os quatro “violinos” que ainda vestiam a camisola verde e branca, Travassos, Jesus Correia e Manuel Vasques que jogam ao dominó, e Albano que assiste. Reconhecem-se, também, os defesas Passos e Canário.
Jogo de futebol, Lisboa, s.d., Estúdio de Mário de Novaes (1933/83),
na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian
O relato do futebol
Para eles, naquele tempo, o Estádio de Alvalade era o centro do Mundo, onde desaguavam todas as emoções. Mesmo as que vinham distantes dos grandes embates da equipa leonina. Como que uma sombra fresca de uma árvore serena numa tarde de Verão. Ou um pomar de alperces dourados. As botas de futebol ainda tinham pitons pregados à sola e as bolas, em couro poroso, no inverno pesavam toneladas e no verão faiscavam nas luvas dos guarda-redes. Ao domingo à tarde a vida ficava suspensa por ninguém pretender resistir ao apelo das estrelas do Clube do seu coração. Através das ondas hertzianas fazia-se a ligação para aquilo que realmente importava. Então, tudo se aquietava pela magia de uma telefonia de pilhas.
Em 29 de Outubro de 1972 assisti ao jogo de futebol mais rápido da minha vida. Foi um Sporting-Leixões que terminou aos sete minutos em virtude de uma invasão do campo pelos adeptos leoninos. Recém chegado Lisboa, aquele era, para mim, um momento extraordinário. É que, finalmente, poderia assistir com regularidade aos jogos do Sporting. Mas, naquela tarde do final de Outubro desconhecia que só voltaria a entrar em Alvalade quase seis meses depois em virtude da interdição do Estádio. Até lá caminhei para o Jamor.
Estava-se ainda em Outubro e a época já ia atribulada, nomeadamente para Vítor Damas. O Sporting ficou pelo caminho logo na 1ª eliminatória da Taça das Taças com uma pesadíssima derrota em Road Park (6-1), infligida pelo Hibernians. O treinador Ronnie Allen não hesitou em atribuir culpas ao guardião. Como se isso não bastasse, os leões foram goleados na Luz (4-1) e na jornada anterior, no Montijo, Damas tinha sido agredido por adeptos do clube da margem Sul. Quando a equipa entrou, em Alvalade, ouviram-se fortes aplausos dos sportinguistas.
O ambiente no Estádio aqueceu logo nos primeiros minutos. Num lance de ataque do Leixões o fiscal de linha assinalou fora de jogo, mas o árbitro determinou grande penalidade contra o Sporting. Imperturbável e elástico, Damas percebeu para onde Celestino ia chutar a bola e defendeu. O árbitro mandou repetir, considerando que o guarda-redes se tinha movimentado antes do remate. À segunda, o Celestino não falhou. Choveram as primeiras pedras do peão. Logo na jogada seguinte, um defesa do Leixões cortou para canto um ataque leonino. O árbitro marcou pontapé de baliza, não imaginando que aquele seria o último lance do jogo. Adeptos do peão invadiram o relvado, logo seguidos por outros da cabeceira e da bancada central.
Aquilo ficou feio e a morte chegou a pairar sobre o relvado. O capitão leonino José Carlos contou como um espectador correu para o árbitro Carlos Lopes, que tinha caído, procurando espetá-lo com um guarda-chuva. Não acertou e espetou na relva. Jogadores e polícias rodearam a equipa de arbitragem que, no meio de grande confusão, lá conseguiu chegar a porto seguro. A Federação homologou o resultado: 0-1, a favor do Leixões.
Luís Miguel Pereira, no livro “Estórias d'Alvalade”, conta a versão de alguns dos protagonistas. O árbitro, de modo loquaz, descreveu da seguinte maneira: “Quando me virei para o lado sul só vi os adeptos enfurecidos a correr na minha direcção. Parecia que tinham aberto a jaula dos leões. Só tive tempo de pensar, ‘oh Rainha Santa, lá vai o Carlos Lopes para o maneta!’. Nisto levo um soco que me atira para o chão e a partir daí choveram pontapés. Se não morri posso agradecer ao já falecido Manuel Marques, massagista do Sporting e da Selecção Nacional.”
O defesa Alhinho esteve no centro dos acontecimentos: “Foi um dos episódios que mais me marcaram em Alvalade. Aquele dia não correu bem ao árbitro e os adeptos perderam a paciência. Um pontapé de baliza mal assinalado foi a gota de água. Os adeptos começaram a saltar a vedação do lado da bancada nova, que ainda era peão, e desataram a agredir o árbitro. Eu fui o primeiro a chegar ao pé dele quando o homem já estava deitado no chão a levar pontapés na cabeça de quanto era lado. Deitei-me em cima dele e ainda levei alguns por tabela. Depois chegou o Yazalde e os outros colegas e tudo se acalmou. Quando o homem se levantou, deitava sangue da boca, do nariz e dos ouvidos. Acho que lhe salvei a vida. Fizemos um cordão e lá o retirámos do campo.”
Só voltei a Alvalade em 22 de Abril de 1973 para um Sporting-União de Coimbra. Nessa altura, os dados já estavam lançados no campeonato nacional. No banco sentou-se Mário Lino que substituiu Ronnie Allen e, no final, o Sporting ficou classificado num tristíssimo 5º lugar. Restou a consolação da Taça de Portugal. Foi no meu primeiro ano em Lisboa.
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