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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Há jogos de futebol que mereceriam a atenção de Agatha Christie e de monsieur Hercule Poirot. O que se passou num célebre FC Porto-Sporting disputado nas Antas, em 18 de Outubro de 1975, mais parece o enredo de um romance policial. É que já se passaram quarenta anos e, na realidade, não há a certeza sobre o que aconteceu e os personagens envolvidos apresentam versões diferentes.
Era uma noite fria de nevoeiro e, decorridos 18 minutos, o Sporting vencia nas Antas por 2-1, com golos de Chico Faria, Manuel Fernandes e Murça, um ex-belenense que se transferira para o Porto. Ainda a procissão ia no adro, o Sporting dominava, mas um jogo de futebol é volúvel porque nunca se sabe o que vai no coração dos protagonistas. Não me refiro à vontade de vencer, isso todos desejam, mas à capacidade que lhes é intrínseca para ludibriar o destino. O árbitro dava pelo nome de Alder Dante.
Na segunda parte o nevoeiro tornou-se cada vez mais denso. De súbito, aos 57 minutos, Oliveira centrou e Gomes pareceu encostar para a baliza do Sporting. O avançado portista jogou as mãos à cabeça, alguém gritou “golo !”, os leões procuraram perceber a razão do festejo, um fotógrafo desportivo invadiu o campo a gritar o que se teria passado, os jogadores rodearam o árbitro, Damas correu para um apanha-bolas que se escondera atrás do fiscal de linha e Juca procurou acalmar os ânimos. Confusão !
Nas bancadas pouco ou nada se via e todos discutiam. Alder Dante assinalou golo e, perante os protestos leoninos, distribuiu por vários jogadores a cartolina amarela, com excepção do Valter que apanhou com um cartão vermelho. Os de Alvalade não se ficaram e Baltasar, aos 74 minutos, fez o resultado do jogo na sequência de um canto. Vitória do Sporting por 2-3. Juca, com a sua fleuma britânica, referiu-se ao ‘golo’ como um “sonho fantástico”.
No final do jogo houve versões contraditórias. O sportinguista Tomé garantiu que “o Gomes rematou e a bola ficou presa no ferro da rede lateral. Eu fui o primeiro a chegar lá e foi aí que o apanha-bolas pontapeou a bola na minha direcção. O Alder Dante julgou que eu tinha ido buscá-la ao fundo da baliza”. Já o portista Oliveira afirmou que “a bola ficou entre a rede e o ferro. Eu é que a fui buscar e não tenho dúvidas de que não houve golo”.
Valter estava revoltadíssimo com a expulsão e procurou os jornalistas para fazer uma declaração: “Juro pela saúde do meu filho que não chamei qualquer nome ao árbitro. Só lhe disse para consultar o fiscal de linha”. “Pela alma do filho? Eu até sou ateu…”, desconversou o senhor Dante. Vítor Damas, frontal como sempre, comentou que “é um facto que houve alguém do Sporting que gritou que o árbitro era um palhaço, mas não foi o Valter”.
O árbitro Alder Dante percebeu que houve marosca e terminado o jogo procurou livrar-se de aborrecimentos maiores. Muitos anos mais tarde, numa entrevista a Rui Tovar, garantiu que comunicou de imediato a falha ao Conselho de Arbitragem. O engano ficou-se por uma repreensão escrita.
Para adensar o mistério e apimentar o estranho caso, o jornal do Sporting entrevistou em Setembro de 2009 o celebérrimo apanha-bolas. Ou, pelo menos, apresentou-se como tal. José Ferreira de Matos afirmava-se arrependido do que fizera e contou como teria sido ele o marcador do ‘golo’: “Não sei bem como a bola chegou a mim, mas sei que ela veio ter comigo e vi o Gomes a pôr as mãos na cabeça. Sem pensar, dei uns passos e fui até ao canto da baliza, meti a bola lá dentro e fugi para o mais longe possível. Então, vejo o Damas a ralhar comigo, mas eu pirei-me para trás do bandeirinha.” Mas, houve quem o tivesse desmentido e chamado embusteiro, que o verdadeiro apanha-bolas seria outro.
Sem dúvida, é um caso digno da argúcia analítica de monsieur Poirot, pois o intrincado enigma daquele ‘golo’ numa noite fria de nevoeiro persiste há quarenta anos. E palpita-me que nem um jogador ainda debutante chamado Jorge Jesus, sentado no banco de suplentes do clube de Alvalade e que andou bastante envolvido nos protestos, terá percebido com rigor o que se passou na grande área leonina por causa do espesso nevoeiro. Literatura policial no seu melhor !
Ficha do jogo
Campeonato Nacional, 7ª jornada
FC Porto 2 - Sporting 3
Estádio das Antas, 18 de Outubro de 1975
Árbitro - Alder Dante (Santarém)
FC Porto - Tibi, Murça, Carlos Alhinho, Simões, Gabriel, Octávio, Adelino Teixeira, Cubillas (cap), Oliveira, Gomes e Dinis
Treinador - Branko Stankovic
Marcadores - Murça (18m) e Gomes (57m)
Sporting - Vítor Damas, Inácio, Zezinho, José Mendes, Da Costa (Tomé), Valter, Nelson, Fraguito, Marinho, Manuel Fernandes (Baltasar) e Chico Faria
Treinador – Júlio Cernadas Pereira (Juca)
Marcadores – Chico Faria (9m), Manuel Fernandes (15m) e Baltasar (74m)
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