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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
O baile
No tempo em que o proverbial engate fazia parte do meu quotidiano, fui convidado por companheiros de “route” para um baile particular, numa espécie de salão de bombeiros. O intuito era reunir malta jovem, vinda de distantes regiões do país, e que vivia numa zona da cidade grande, para tirar, num corpo a corpo ritmado, um sarro com umas macacas, expressão usada por um amigo meu, o Joaquim, creio que com sentido carinhoso.
Na hora marcada compareci com a minha turma para dar o anunciado pé de dança. Diz o ditado que homem pequenino ou é velhaco ou dançarino. Mas como em tudo, nos ditados também há excepções, pois velhaco não me considero e dançarino também não por mais que me esforce. Ainda fiz um curso rápido para dar um arzinho de bailador, mas sou mesmo duro de ouvido e pé de chumbo, e nessa área da dança deixo muito a desejar. Seja como for, e como era uma excelente oportunidade para engatar gajas lá fui cheio de expectativas.
Estava meio perdido no meio do “maralhal” quando o meu amigo Joaquim se aproximou e me disse:
-vai em frente Zé; está ali uma macaca desocupada.
Enchi o peito de ar deitei borda fora de mim a maldita timidez, e lá fui em direcção à dita macaca: --- -vamos dançar?
-não, a não ser que tires esse emblema que trazes na lapela.
-nem pensar. É o emblema do melhor clube do mundo. Porque é que te incomoda?
-não danço com "lagartos". Arrepia-me.
O organizador do convívio social que assistiu à cena toda, caiu logo em cima dela (salvo seja) criticando a sua pobre atitude: “ouve lá, mas que mer.. é esta? Vens para aqui para dar “tampas”? Isto é uma festa familiar, e sem clubites. Mas que raio de palavra é que não percebeste? A garina enrolou a "ganforina”, baixou a bolinha e deu o dito por não dito: “vamos lá dançar”.
Passou-me um "vaipe" pela tola, um homem tem o seu brio, e disse para a tipa, ainda por cima anorética, ou como se dizia na época, um pau -de -virar -tripas. E também "galinha" , embora esse não fosse critério, pois sou liberal nos costumes.
-Não quero dançar contigo, e não dançaria nem que fosses a Gina Lollobrigida.
Para as novas gerações, convém esclarecer, que a Gina é uma actriz italania, muito famosa nesse tempo, e que tinha mais curvas por metro quadrado que a antiga estrada do Marão. E quem se importaria de se estampar naquelas curvas?
A trinca-espinhas nem sequer sabe o que perdeu por se armar em carapau de corrida. Se me tivesse dado bola, quem sabe se aquela dança não acabava no altar. Na altura andava muito carente e como náufrago à deriva agarrava-me a qualquer destroço que aparecesse. Assim lá ficou de monco caído sem ninguém que lhe aquecesse os ossos.
A festa começou a ficar algo chata e com o meu grupo resolvi dar de “frosque”. Entrámos no meu “coupé” para rumar a outras paragens. Quando nos afastávamos do local vimos sair do baile sem honra nem glória, a magricela benfa. Parei o coupé (também na altura instrumento de alto engate) e fiz um sorriso cínico. (se calhar sou mesmo velhaco) A moça enraivecida aproximou-se e deu dois pontapés na viatura.
Partimos, e nunca mais a vi, nem mais magra (quase impossível) nem mais gorda. Houve outras danças e contradanças, mas hoje presto-lhe a minha homenagem. Em tempos de falta de assunto saltou-me do fundo da memória para me alimentar o vício da escrita, essa droga que causa tanto prazer como a “heroína”. Quem diria que passados tantos anos um simples “não” deixou de significar traste para significar heroína. São muito estranhos os caminhos da literatura.
P.S.: No dia do livro, lembro que a leitura faz muito bem.
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