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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
O Sporting Clube de Portugal, instituição histórica com invulgar identidade, sempre gerou entre os seus associados um grande sentimento de pertença que implica formas de sociabilidade e de solidariedade específicas. As assembleias gerais do Clube que se realizaram em 2 e 22 de Fevereiro de 1929 são bem reveladoras desta asserção num tempo em que ainda não se tinha verificado a transformação do futebol numa indústria cultural de massas e os grandes atletas leoninos preenchiam o imaginário colectivo dos adeptos.
Estas duas assembleias gerais decorreram da chamada “Questão Jorge Vieira”, atleta leonino entre 1911 e 1932, capitão geral e capitão de equipa que pelo seu extraordinário sportinguismo e desempenho desportivo foi agraciado com a Medalha de Mérito e Dedicação (1931), patrono de “Os Cinquentenários” (1969), Prémio Stromp (1973), dirigente do Sporting (1985) e o primeiro sócio a receber o emblema de 75 anos de filiação (1985). Em 1981, nas Bodas de Diamante do Sporting, Jorge Vieira foi agraciado com o grau de Cavaleiro da Ordem do Infante D. Henrique, sendo presidente da República o General Ramalho Eanes. Pelo seu carácter excepcional, foi intitulado o “capitão perfeito”.
Nem o facto de Jorge Vieira ser o jogador do Sporting mais carismático do seu tempo o livrou de ficar envolvido numa situação que nunca desejou. Por ser o capitão geral abordou o presidente Joaquim Oliveira Duarte no sentido de serem revistas determinadas compensações materiais aos jogadores. Naquele tempo, em 1928, o amadorismo já tinha terminado nos grandes clubes e os atletas da 1.ª categoria da equipa de futebol do Sporting consideravam insuficiente a remuneração que recebiam.
No final da década de 1920, Joaquim Oliveira Duarte defendia a prática do amadorismo e não revelou receptividade à solicitação de Jorge Vieira. O Clube vivia uma situação financeira difícil agravada por sucessivos défices anuais. Em consequência, o atleta decidiu abandonar a actividade desportiva, alegando razões do foro pessoal. Voltaria algum tempo depois, mas o treinador Charles Bell considerou que ele não tinha condições físicas para jogar futebol. Houve divergências, em consequência dessa decisão. Tudo culminaria na suspensão de Jorge Vieira como sócio do Sporting até à realização de uma Assembleia Geral, porque a Direcção entendeu que o atleta teve um comportamento desrespeitoso para com os superiores hierárquicos.
Foi convocada uma Assembleia Geral Extraordinária para 2 de Fevereiro de 1929, onde o presidente do Clube e o antigo capitão geral apresentaram as suas razões. A maioria dos associados presentes manifestou apoio ao jogador, o que deu origem à demissão da Direcção. Devido ao adiantado da hora e ao extremar de posições entendeu-se suspender a Assembleia Geral, ficando decidido a convocação de outra para eleger uma nova Direcção e deliberar sobre a “Questão Jorge Vieira”, como se passou a chamar. Em 22 de Fevereiro, a maioria dos sócios presentes (144 contra 130 e 5 abstenções) aprovou uma moção onde se exaltavam as qualidades do atleta e se declaravam nulas as sanções que lhe foram aplicadas. Jorge Vieira voltou a jogar futebol e vestiu a camisola leonina até 1932, a única que envergou durante a sua carreira desportiva.
A “Questão Jorge Vieira” envolve duas lições importantes para nós, sportinguistas. A primeira refere-se a dois leões invulgares que discordaram e se confrontaram em determinado momento das suas vidas por se manterem fiéis às suas convicções. Ortega y Gasset escreveu um dia que “o homem é o homem e a sua circunstância”, princípio que se aplica de forma cristalina ao presidente Joaquim Oliveira Duarte e ao atleta Jorge Vieira, duas figuras maiores da História do Sporting.
A segunda lição decorre do descontentamento exibido por alguns sportinguistas quanto à opinião crítica de outros adeptos ao Conselho Directivo em funções. É frequente que essa insatisfação se manifeste de forma impaciente e agressiva, dando origem a uma fraseologia bem conhecida por todos nós. Afinal, a “Questão Jorge Vieira” remete para o ADN leonino quanto à forma do envolvimento dos sportinguistas naquilo que consideram ser a matriz identitária do seu Clube.
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