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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
O futebol de elite está de volta, na Alemanha, onde a Bundesliga serviu como um género de teste de laboratório para o recomeço de outras ligas. Com as inúmeras regras a seguir face à pandemia, este é um momento particularmente estranho na história do desporto-rei.
Bolas desinfectadas, bancadas vazias, momentos de jogo sanitariamente celebrados e um bis de Rafael Guerreiro - soma sete na época -, na vitória do Borussia Dortmund, por 4-0, sobre Schalke 04.
Acabou por ser um bom jogo de futebol, apesar do eco das bancadas vazias e as restrições extraordinárias, com o inevitável Erling Braut Haaland a fazer o seu 10.º golo em nove jogos pelo Borussia esta época.
Agora, é perceber como corre tudo isto daqui para a frente - especialmente em Portugal - e tentar ter algum humor neste novo mundo, diríamos, deveras distópico. Os jogadores do Dortmund, que bateram palmas para espectadores imaginários na bancada, entre sorrisos no final do dérbi, fizeram a sua parte possível para tentar normalizar a... anormalidade.
Comunicado da Liga Portugal a anunciar a retoma de competição a 4 de Junho:
"No passado domingo, a DGS emitiu o parecer técnico sobre as condições do regresso da Liga NOS à competição, no seguimento da decisão do Governo do passado dia 30 de Abril.
Recorde-se que, na supracitada data, o Executivo enquadrou esta competição profissional como uma das actividades autorizadas ao desconfinamento.
Ao longo dos últimos dias, as várias entidades têm levado a cabo sucessivas reuniões de alinhamento para que a retoma possa acontecer em segurança e com todas as medidas de protecção que mitiguem os riscos inerentes ao regresso à actividade, seguindo-se uma fase de vistorias para apuramento dos estádios que efectivamente cumprem os requisitos definidos naquele parecer técnico.
Antecipa-se que este trabalho conjunto da DGS e da Liga Portugal sirva de modelo para a retoma de várias outras actividades económicas, pretendendo-se que esta competição profissional forneça um exemplo das boas práticas que esta pandemia nos impõe.
Por forma a garantir que são rigorosamente vistoriados os vários estádios e realizados os testes médicos a todos os profissionais envolvidos nos jogos e na respectiva organização, está apontada a data de 4 de Junho de 2020 para o primeiro jogo da 25.ª jornada da Liga NOS".
Podemos viver sem futebol? Teoricamente sim, mas na prática, na vida do dia a dia, é complicado. Há um velho ditado que diz que nem só de pão vive o homem. Verdade incontestável, sendo igualmente certo que sem pão não se vive. Mas para além disso, o homem vive também de circo. É assim desde tempos imemoriais, com grande expressão a partir da Antiguidade. A componente lúdica da vida, que acompanha a manifestação das emoções, sempre assumiu uma expressão fundamental no quotidiano da humanidade.
O futebol, ou outros desportos de massas, conforme as preferências, por países, são o circo dos tempos contemporâneos. Desempenham a função que este desempenhava no tempo antigo, canalizando as emoções para fora das actividades profissionais e políticas. Criando um enorme espaço marginal para descarregar frustrações, esquecer dificuldades, exprimir agressividades. Esse papel é desempenhado pelo futebol, com as rivalidades, muitas vezes doentias, expressas nos campos, e mais recentemente na comunicação social.
Mas com a evolução tecnológica, com o refinamento do sistema capitalista, o futebol ao contrário do circo antigo, tornou-se em mais uma indústria privada que produz mais valias financeiras. No fundo, são sustentadas pelos seus espectadores, seja através de pagamento directo, ou indirecto, dando corpo e sustentabilidade a outras grandes indústrias, as redes de comunicação e a publicidade.
Deste modo, é impensável a falência do futebol. Para além do óbvio papel que desempenha no condicionamento das massas populares, tem uma relevância muito determinante no sector económico. Pelos postos de trabalho directos e indirectos que promove e mantém, pelos rendimentos que propicia aos cofres dos Estados.
Daí a grande preocupação do poder político, envolvendo-se, apesar dos riscos sanitários, com o recomeço dos campeonatos interrompidos. Os clubes precisam do financiamento pelos operadores de conteúdos, como de pão para a boca. E para estes, sem circo não há pão. Isso explica, à saciedade, a urgência de retomar a actividade, com os riscos inerentes. Os estados modernos não podem como os antigos financiar o circo, dada a multitude de outras e emergências.
Por fim, será que esta grave crise sanitária com os seus condicionalismos e consequências provocará mudanças na organização do futebol? Será que os malefícios desta indústria, que atrai para o seu dirigismo global o oportunismo, a irresponsabilidade, a ilegalidade e a corrupção, serão substituídos por comportamentos mais virtuosos? Pelo que conheço da natureza humana arriscaria dizer que não.
E se numa primeira fase, terá de haver alguma contenção nos gastos, nomeadamente na especulação de passes de atletas, logo que a situação normalize vai ser tudo como dantes. No nosso circo caseiro os chamados 'três grandes' vão continuar a hegemonizar as receitas televisivas. Neste mundo cão, igualdade e solidariedade são palavras meramente vãs. O futebol precisava de outras mentalidades. O mundo pode ser feito de mudança, mas o pão e o circo vão continuar, como sempre, apesar de metamorfoseados.
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