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Ao minuto 43 cabeceou por cima, num lance em que a bola acertou em cheio no penso que tinha na testa e o soltou, mostrando os ferimentos (só para contextualizar a festa do futebol) provocados por um adepto do Sporting que o agrediu com um cinto e depois o pontapeou no chão, meras semanas depois de Dost ter dito numa entrevista que viver em Portugal lhe dava "paz interior". Bas Dost não merece uma medalha por se ter apresentado a jogo hoje; merecia era uma máquina do tempo.

 

Quanto ao falhanço à boca da baliza na segunda parte, convém esclarecer que a culpa não foi sua, nem sequer dos eventos ocorridos durante a semana. Foi, aliás, a única ocorrência durante a partida suficientemente Sporting para acreditarmos que seria provável mesmo num contexto totalmente diferente. Tal como o falhanço de Ruiz em 2016, a haver um "autor moral" foi o Visconde de Alvalade.

 

Rogério Casanova, jornal Expresso

 

publicado às 11:36

Futebol com humor à mistura (30)

Rui Gomes, em 06.05.18

 

Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística à performance dos jogadores do Sporting, neste caso concreto de Rui Patrício, Sebastián Coates, Cristiano Piccini, Fábio Coentrão, Sebastián Coates, Rodrigo Battaglia e Gelson Martins, no dérbi deste sábado.

 

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Rui Patrício

 

Ao minuto 8, frente a frente com Rafa, evitou o golo com o auxílio do poste esquerdo. Ao minuto 38, após novo remate de Rafa, desviou para canto com o auxílio do poste direito. Ainda viu um remate de Samaris sair ao lado, com o auxílio da relva e do oxigénio. É possível que tenha sido o último dérbi de Patrício; já os postes, a relva e o oxigénio devem continuar (têm potencial, mas ainda podem crescer). Vamos ver como se safam no futuro, uns sem os outros.

 

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Sebastián Coates

 

Tirando uma falha posicional perto da meia-hora (que deixou Jiménez em jogo) e as suas habituais tentativas para contornar as dificuldades colectivas na saída de bola com imitações de quarterback, até esteve bem. Destaque para o mergulho desesperado aos pés de Douglas ao minuto 36, que possivelmente evitou um golo. Quer dizer, até se podia perder o jogo - mas, quando se trata de decidir quem marca o golo que nos derrota, há princípios e valores dos quais não podemos abdicar.

 

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Cristiano Piccini

 

Muito inteligente na maneira como deixou fugir Rafa nas suas costas ao oitavo minuto, partindo do pressuposto correcto que o extremo português é menos preocupante quanto mais perto estiver de uma baliza. Depois de meia-hora inicial complicada, estabilizou e fez uma segunda parte segura. Não sei porque é que parece sempre o jogador mais calmo da equipa quando tem a bola nos pés perto da sua área, pressionado por adversários; só sei que é o que me deixa menos nervoso.

 

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Fábio Coentrão

 

Bom lance individual ao minuto 39, quando desviou a bola de vários adversarios, soltou para o flanco direito e apareceu a responder de cabeça ao cruzamento de Piccini com o único remate vagamente perigoso da equipa em toda a primeira parte. Depois caiu ao chão. Que estranho esgar foi aquele que se vislumbrou no seu rosto nesse momento? Terá sido aquilo decerto a que nós humanos, com os nossos costumes pitorescos, chamamos “desconforto”? Terá sido uma manifestação daquilo que designamos por “dor”, quando nos referimos a pessoas ainda vivas? É um mistério que fica, a juntar ao mistério maior: o de como é que alguém que é essencialmente um cadáver embalsamado cuja circulação sanguínea e função circulatória já só funcionam à custa de pura vontade conseguiu ser o melhor lateral-esquerdo do Sporting na última década.

 

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Rodrigo Battaglia

 

Não lhe correu muito bem o jogo, o que até seria de esperar numa noite em que a Lua se encontrava em quarto minguante, reduzindo logo à partida aquela fracção da qualidade de Battaglia que advém do facto de ele ser secretamente um lobisomem. Depois de uma primeira parte onde nunca compreendeu bem onde é que estava e porque é que aconteciam as coisas que via acontecer, teve ao minuto 52 a primeira ocasião com espaço livre à sua frente: reagiu galgando uns metros e fazendo aquilo que apenas posso descrever como uma finta. Ou pelo menos algo que um dia poderá ser uma finta, se entretanto crescer, amadurecer, cortar o cabelo, arranjar um emprego, etc.

 

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Bryan Ruiz

 

Mal foram anunciados os onzes iniciais, todo o mundo do futebol reagiu com trepidação perante o empolgante duelo que se adivinhava. De um lado Bryan Ruiz, um jogador normalmente incapaz de acertar na baliza quando está isolado; do outro Douglas, um jogador normalmente incapaz de impedir que o jogador que está a marcar se isole frente à baliza. A ocasião prometia. Estariam os servidores do YouTube à altura de aguentar o tráfego adicional? Na verdade não foi preciso, pois Douglas e Ruiz tiveram o cuidado de se ultrapassar um ao outro um (inúmeras vezes), mas sempre em câmara lenta, como se as jogadas já fossem as suas próprias repetições. E nada nos garante que não o sejam. Se calhar já todos vimos estas jogadas milhões de vezes, no simulacro de Inferno que habitamos sem saber, e em que somos obrigados a ver os mesmos duelos entre Bryan Ruiz e Douglas todos os dias, para sempre.

 

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Gelson Martins

 

A manobra atacante da equipa mostrou-se hoje tão oleada que este desgraçado concluiu em duas ocasiões diferentes que a melhor opção era solicitar uma desmarcação de Bas Dost em velocidade. Contra uma equipa que, só na primeira meia-hora, conseguiu criar 4 ou 5 situações para deixar Rafa no 1x1 com o lateral perto da área, Gelson passou grande parte do tempo sozinho ou tapado por três muros, pacientemente à espera que o jogo partisse o suficiente para fazer aquilo que é sempre obrigado a fazer: começar a ultrapassar adversários em velocidade ainda antes da linha de meio-campo, galgar metros, sacar faltas, tentar milagres. Ao minuto 81, perdeu um lance contra uma das grandes figuras do campeonato: o cotovelo direito de Rúben Dias.

 

publicado às 12:00

Futebol com humor à mistura (29)

Rui Gomes, em 29.04.18

 

Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística à performance dos jogadores do Sporting, neste caso concreto de Sebastián Coates, Fábio Coentrão, Josip Misic, Marcus Acuña e Gelson Martins, no jogo de sábado frente ao Portimonense.

 

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Sebastián Coates

 

Numa noite em que foi o melhor elemento do quarteto defensivo, percebeu a dada altura que se calhar também ainda tinha de ser mais qualquer coisa. Nos últimos minutos, com a equipa à procura da muito desejada vitória e sem grandes ideias para o fazer, começou a ensaiar arrancadas lá para a frente com a bola no pé. Como acabaria a noite caso tivesse sido Coates, em risco de suspensão, a encarnar mais uma vez o papel de herói dos golos tardios, celebrando o seu remate deveras certeiro nos descontos despindo a camisola e brandindo-a triunfantemente num punho erguido? Graças à fenomenal lucidez de Bruno Fernandes (que visualizou todo este cenário catastrófico na sua cabeça ao minuto 89) nunca saberemos.

 

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Fábio Coentrão

 

Foi mais ou menos entre Fevereiro e Março que o subterfúgio (heroicamente mantido durante a primeira metade da época) entrou em colapso e quase toda a gente começou a perceber a realidade: Fábio Coentrão já não é um mero organismo humano composto por células, mas sim um amontoado de peças sobressalentes atadas com fio de nylon e operadas pela motherboard de um ZX Spectrum de 1988. No jogo de ontem saiu a meio da segunda parte, e só não se auto-destruiu ao festejar no banco o golo da vitória graças à intervenção pronta do Presidente, que lhe segurou carinhosamente o rosto entre as mãos ambas, impedindo que o mesmo se desintegrasse.

 

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Josip Misic

 

Pareceu tão perplexo como a maioria dos adeptos ao ser colocado no corredor direito. Tão perplexo, aliás, que ao minuto 76 arrancou por ali fora, passou por Rafa Soares, ganhou um ressalto e fez o remate mais perigoso da segunda parte até aí. Reagiu de sobrolho franzido e quase foi possível escutar o seu monólogo interior: "não sei... não sei bem... creio que esta é uma das coisas... que se pode fazer aqui... neste sítio..."

 

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Gelson Martins

 

Desviado mais cedo do que é costume (e com mais frequência do que é costume) para zonas centrais, presumo que na na tentativa de o poupar às piscinas intermináveis que função de lateral-direito honorário normalmente o obriga. Criou inúmeras situações de caos, anarquia e devastação nas costas da linha defensiva do Portimonense, que quase nunca foram bem aproveitadas, por ele ou por outros. O desgaste acumulado (bem visível a meio da segunda parte) é uma excelente indicação de que pode chegar ao Mundial totalmente rebentado e sem oportunidade para impressionar o livro de cheques de qualquer oligarca: óptimas notícias, portanto.

 

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Marcus Acuña

 

Não é o exercício mais dignificante, mas tentemos adivinhar o modo como o plantel do Sporting assaltaria um banco. É fácil imaginar Gelson todo encapuçado e vestido de negro a saltitar acrobaticamente pelos telhados e a entrar por uma clarabóia minúscula. Fábio Coentrão com uma pistola enorme na mão, a berrar muito alto com os caixas. Bryan Ruiz de fato e gravata, a tentar persuadir calmamente o gerente do balcão que entregar-lhe todo o dinheiro seria a posição mais vantajosa para todos. E Acuña a correr desenfreadamente pelas escadas abaixo até à cave, onde tentaria durante meia-hora destruir o cofre-forte à cabeçada, com a roupa já ensopada no próprio sangue, antes de se lembrar que tinha a combinação no bolso.

 

publicado às 12:00

Futebol com humor à mistura (28)

Rui Gomes, em 23.04.18

 

Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística à performance dos jogadores do Sporting, neste caso concreto de Gelson Martins, Marcus Acuña e Stefan Ristovski, no jogo de domingo frente ao Boavista.

 

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Gelson Martins

 

O que fazer perante um jovem jogador que, mais uma vez, se fartou de improvisar desequilíbrios individuais, transformar bolas perdidas em lances de perigo com um ou dois toques, rematar à baliza, assistir colegas, e auxiliar incansavelmente o lateral no seu corredor? Perante um jogador que vai mostrando uma disponibilidade física e mental quase sobrenaturais? Que se revela o único com frescura suficiente nos últimos minutos de uma vantagem mínima para decidir, sempre com acerto, quando temporizar e recuar, ou quando acelerar e esticar o jogo? E tudo isto na fase final de uma época em que já leva mais de 4000 minutos nas pernas (além de treze golos e dez assistências)? Creio que a reacção mais apropriada e mais sportinguista é colocar de imediato três questões: “Porque é que não és melhor?” “Porque é que não fazes TUDO bem, em vez de fazeres apenas a maioria das coisas bem?” “Porque é que de vez em quando nos irritas?”.

 

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Marcus Acuña

 

Quando algo é feito com tanta insistência, e reiterado de forma tão constante, é legítimo supor que se trate de algo deliberado: fruto de uma crença enraizada e não de uma mera resposta pragmática às circunstâncias. Acuña repete tantas vezes os mesmos dois movimentos – (1) receber a bola e virar as costas ao marcador directo; e (2) cruzar às cegas na direcção geral da área – não porque julga serem essas as melhores alternativas em determinados momentos do jogo, mas porque acredita nas ideias enquanto ideias: na ideia de receber a bola e virar as costas ao marcador directo; na ideia de cruzar às cegas na direcção geral da área. Acuña é um ideólogo e vai lutar por isto da mesma maneira que algumas pessoas lutam por um Estado Mínimo, e outras por um Rendimento Básico Incondicional: até ao limite das suas forças, ou até integrar um elenco governativo.

 

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Stefan Ristovski

 

Ao minuto 11 deixou-se fintar perto da linha do meio-campo e ficou estatelado no meio do chão enquanto Mateus arrancou com a bola por ali fora. A medida mais rigorosa da exibição de Ristovski esta noite é que foi ele próprio a ir fazer a dobra, aparecendo alguns segundos depois a desarmar Mateus já dentro da área. Sempre agressivo, muito bem na antecipação, e despachado no ataque, está a criar as condições para o que o Sporting se veja eticamente obrigado a entregar setecentos e cinquenta mil euros adicionais ao Rijeka.

 

publicado às 15:35

Um soneto para Battaglia

Rui Gomes, em 19.04.18

 

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Rogério Casanova, jornal Expresso, com o seu usual humor, dedicou um poema a Battaglia, o médio argentino que, segundo o autor, corre à doida e nem sempre está na melhor posição, mas sempre que é preciso, manda um "gajo ao chão":

 

O meu Battaglia nos olhos sol não tem
Seus beiços são menos rubros que o coral 
se a relva é verde, a chuteira suja-a bem, 
e sob a pele há um esqueleto de metal. 
Já vi trincos brancos, rubros, cor-de-rosa;
a cor deste é verde, curto bué contemplá-la, 
não existe fragrância mais deleitosa
do que o bafo que o meu Rodrigo exala.
Gosto de o ver correr à doida, contudo sei 
que nem sempre está na melhor posição, 
de vez em quando um gajo passa, eu reparei
mas o Battaglia a seguir manda-o ao
 chão.
Creio no entanto o meu amor tão raro
quão falsas ilusões a que o comparo. 

 

Shakespeare, Soneto 130 (Tradução de Vasco Graça Moura)

 

publicado às 19:00

Futebol com (pouco) humor à mistura

Rui Gomes, em 06.04.18

 

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Substituído prematuramente aos 20 segundos, deixando no seu lugar a cratera fumegante onde outrora, em tempos mais inocentes, a auto-estima de Sebastián Coates existia e respirava e fazia planos para o fim-de-semana. Não fez... não fez um bom jogo.

 

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A dupla de centrais que formou com Cratera Fumegante tinha uma tarefa complicada pela frente: um duelo de noventa minutos com uma dupla de avançados que incluía Douglas Costa. Pode dizer-se que superaram a primeira prova em qualquer confronto com Douglas Costa, na medida em que não levaram um pontapé no peito, uma joelhada nos testículos ou uma cotovelada nas trombas. Nas provas subsequentes - não entregar bolas ao adversário, não falhar cortes fáceis, não perder na antecipação, etc - estiveram ambos um pouco aquém do desejado.

 

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A época tem-lhe corrido bem em termos de sorteios e calendário, providenciando-lhes várias oportunidades de passear por territórios amigos (Barcelona, Luz, Porto, Braga, estádio do Atlético Madrid) e dessa forma enriquecer o seu considerável espólio de isqueiros. Hoje, contra todas as expectativas, não recebeu brindes da bancada, apesar do esforço que dedicou à actividade que melhor pratica depois de jogar futebol: irritar as pessoas que estão a ver futebol. Deu o tudo por tudo quando improvisou uma vasectomia a Griezmann na segunda parte, mas os adeptos da casa não se irritaram o suficiente e a única coisa que conseguiu foi ver o amarelo que o afasta do jogo seguinte. Quando hoje fumar o último cigarrinho do dia, vai ter de usar fósforos.

 

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Ah, Bas Dost, o anjo exterminador, brandindo um gládio em chamas: o seu olho lúcido expõe todos os vícios secretos: dele, dos colegas, de quem os treina, de quem os vê. É como se toda a manobra colectiva se apresentasse perante um tribunal revolucionário: "tu, o que fazes aqui?", "tu, estás a tentar passar a bola a quem?, "tu, onde é que estavas no minuto 72?", "tu, o que é que achas desta porra toda?". Não há boas respostas a qualquer uma destas perguntas, tal como não há boa resposta ao dilema filosófico que Dost representou ao longo de duas épocas: o que fazer, e como jogar, com alguém que parece a solução para todos os problemas em 40 jogos por época, e um problema sem solução nos restantes 10?

 

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Não sabemos exactamente onde foi parar a bola depois do remate que tentou ao minuto 92, a não ser que não acertou em nenhum dos dois alvos úteis naquelas circunstâncias: o fundo das redes, ou em cheio no smartphone do Presidente.

 

Texto de Rogério Casanova, jornal Expresso

 

publicado às 12:00

O "carregador de piano"

Rui Gomes, em 17.03.18

 

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Há jogadores que são solistas, há jogadores que são maestros, e ainda há outros que são carregadores de piano. Poder-se-ia julgar que Battaglia pertence a esta terceira categoria, mas não é verdade. O que Battaglia faz não é exactamente carregar o piano, o que ele faz é escavacar o piano ao pontapé perante o olhar incrédulo do afinador, depois reunir os cacos do instrumento nos seus braços peludos, correr semi-nu na direcção do palco, e explicar a toda a plateia que não há piano nenhum, que a gente não precisa de piano, que o piano é só uma de entre muitas maneiras de fazer barulho e que se é barulho que a gente quer ele vai dar-nos o barulho que a gente quer, aos gritos. 

 

                                                                                          Rogério Casanova, jornal Expresso

 

publicado às 03:38

Futebol com humor à mistura (25)

Rui Gomes, em 03.03.18

 

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Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística à performance dos jogadores do Sporting, no jogo da 25.ª jornada do campeonato frente ao FC Porto:

 

Rui Patrício

 

Tocou na bola com os pés poucos segundos após o apito inicial, no que poderia ser um prenúncio de uma daquelas noites a fazer de líbero em part-time. E foi-o, na verdade, embora mais como auxiliar de construção do que propriamente como bombeiro atento às dobras, onde a sua intervenção praticamente não foi necessária. Ao minuto 26, por exemplo, viu Marega embalar isolado direito à sua baliza, e encarou o momento com a segurança e tranquilidade de quem sabe que o maliano foi condenado pela entidade reguladora do Karma cósmico a não marcar golos ao Sporting esta época, como se veio a verificar também noutro lance a dez minutos do fim.

 

Ristovski

 

Não pareceu sair muito bem do lance do primeiro golo, tal como toda a gente. Terá sido, na verdade, apenas o último, de entre todos os que não saíram muito bem no lance do primeiro golo, a não sair muito bem do lance do primeiro golo. Também não esteve nada feliz no lance do segundo golo, em que curiosamente voltou a ocupar o último lugar na fila dos que não estiveram muito felizes no lance do segundo golo. Eu próprio, para ser franco, não estive muito feliz no lance do primeiro golo, nem no segundo. Tem agora uma viagem inteira de autocarro para ouvir explicações sobre a ancestral doutrina filosófica que consiste em levantar a cabeça.

 

Coates

 

Cabeceou por cima, num pontapé de canto, ao terceiro minuto de jogo, não concretizando a oportunidade de golo que o enorme caudal ofensivo da equipa nos primeiros dois minutos e cinquenta e nove segundos já justificava. A situação repetiu-se mais um par de vezes, com o mesmo resultado. Cá atrás, Marega, Paciência e Aboubakar foram-lhe proporcionando um treino eficaz para o importantíssimo embate contra Michael Krmenčík, o possante avançado do Viktoria Plzen, cuja capacidade de choque, mobilidade (apesar do seu metro e oitenta e sete) e sentido de baliza já lhe permitiram marcar dezassete golos esta época. Uma ameaça à qual convém estar muito atento.

 

Mathieu

 

Mais confortável a partir do meio da segunda parte, onde pode finalmente regressar às funções de defesa central e deixar para trás a carreira temporária de guarda-costas da faixa esquerda. Disparou à baliza de livre direto, mas o remate, embora enquadrado, levou pouca força. Pode ser que tenha nova oportunidade na quinta-feira, e saiba aproveitar da melhor maneira a reduzida elasticidade do veterano guardião eslovaco Matus Kozacik.

 

Fábio Coentrão

 

Como tem sido habitual esta época, voltou a não entrar bem num jogo contra o Porto, em que teve de enfrentar o único tipo de ameaça ofensiva para o qual tantos anos a treinar no Real Madrid não o podiam preparar: um jogador como Marega. Acertou modestamente o passo na segunda parte, embalado pelo carinho de um público que o adora e que, como em tantos outros palcos neste país, insiste em presenteá-lo com isqueiros. Esteve também envolvido no episódio que culminou com a expulsão de dois elementos do INEM, um gesto que, se dúvidas houvesse, selou simbolicamente a sua emancipação definitiva da medicina convencional.

 

William Carvalho

 

Uma exibição quase (quase) à altura da que fez no mesmo estádio na época 2013/14, em que esse "quase" se deverá também ao facto de nessa altura não ter de segurar sozinho um meio-campo preso por arames. A reter a bola, pareceu hoje sempre dispor de um segundo a mais que os outros, um segundo dedicado não a praticar a modalidade finita que ocupa os que o rodeiam - com as suas regras, os seus limites temporais, as suas efémeras vitórias e derrotas - mas sim um jogo infinito, que consiste numa única jogada, cujo propósito se esgota em continuar a existir. Berrou fisicamente a um quarto de hora do fim, depois de um contra-ataque concluído com a única má decisão que tomou em noventa minutos.

 

Battaglia

 

Como teriam sido as coisas se o hiper-talentoso médio sérvio Radosav Petrovic tivesse sido despenalizado a tempo de integrar o onze titular (e não àquela hora convenientemente tardia) constituindo com a sua mera presença um meio-campo para todos os efeitos intransponível? Nunca saberemos. Sabemos apenas que Battaglia fez um jogo tão desinspiradamente anónimo que levou Luís Freitas Lobo, durante a 2ª parte, a afirmar que seria capaz de falar durante horas a fio sobre o "duelo tático" que travou com Herrera e Sérgio Oliveira, uma das frases mais ameaçadoras jamais ouvidas na televisão portuguesa. Ao minuto 79, alivou um chapéu de Marega em cima da linha de golo, num esforço inútil: mesmo que ninguém lhe tocasse, a bola arranjaria maneira de não entrar.

 

Bruno Fernandes

 

Houve alturas na primeira parte em que parecia um oásis portátil de talento, tanto no último terço ofensivo como até a defender (ao minuto 14 veio a correr desarmar Brahimi já na área, num lance que até Piccini deve ter testemunhado com um discreto aceno de apreciação). Alvejou a baliza várias vezes, criou desequilíbrios, e manteve até ao fim - mesmo depois de recuar no terreno - uma lucidez e um critério que deviam ser incompatíveis com o cansaço, mas com ele nunca são.

 

Bryan Ruiz

 

Também ele se esgatanhou todo para safar em cima da linha de golo um remate de Marega, logo ao minuto 11. Concedo que nessa circunstância não era fácil imaginar uma forma alternativa de a bola não entrar, mas isso compete ao Universo e não a nós, meros mortais. O gesto foi apenas o primeiro indício de que jogou num paroxismo de hubris: agressivo na luta pela posse de bola, sem medo de arriscar os duelos individuais, tentando várias vezes o 1x1, excelente a definir jogadas, e assistindo Leão para o golo do empate - Ruiz parecia hoje possuído pelo espírito do jogador que foi na época de estreia. Na segunda parte ainda cabeceou ao poste numa oportunidade de golo que nem sequer o era, uma intrigante e ousada alternativa ao que costumava acontecer-lhe em jogos decisivos.

 

Acuña

 

Travou com Maxi Pereira um duelo para o qual toda a evolução física, morfológica e cultural do Planeta Terra os preparou a ambos, desde que a Deriva Continental dividiu a Pangeia, separou os continentes, e lançou as bases futuras dos estereótipos sul-americanos. Estranhamente, foi poupando e poupando o seu inevitável amarelo, acabando por gastá-lo não em Maxi, mas em Corona. De qualquer maneira cumpriu o objectivo principal de poder descansar na próxima jornada, estando assim em condições de dar uma luta sem tréguas ao corredor direito do Viktoria Plzen.

 

Doumbia

 

Desenhou a primeira ação da equipa no meio-campo contrário, não com régua e esquadro, mas com o equivalente técnico-atlético de uma pedra lascada e uma moca de pregos. Usou a mesma combatividade rudimentar para ganhar as costas a Marcano ao minuto 20, numa lance em que só uma saída-relâmpago de Casillas o impediu de acrescentar mais um golo anulado à sua conta pessoal. Saiu lesionado ainda antes do intervalo, com certeza uma sequela do toque que sofreu de Dalot dentro da área, num dos contactos físicos mais fortes na história do futebol.

 

Rafael Leão

 

Um golo ao primeiro toque na bola, e uma corrida festiva para a bandeirola de canto, onde se viu de imediato cercado por colegas em pânico a gritar «Não te dispas! Não te dispas!». Certamente pouco habituado a ouvir tal exclamação, teve de esperar que chegasse a voz mais calma de Bruno Fernandes para lhe explicar que não se deve despir a camisola durante um festejo, não apenas pelo risco de ver um cartão amarelo, mas também para evitar que alguém vá a correr abrir o processador de texto para escrever uma coluna a repensar a toda civilização ocidental. Pouco solicitado na segunda parte, ainda conseguiu sacar um amarelo a Filipe na única vez que o deixaram embalar em velocidade. Ao minuto 88, teve a oportunidade para dar o primeiro do que se adivinham vários desgostos a adeptos benfiquistas ao longo da sua carreira; predestinado que é, não a desperdiçou.

 

Rúben Ribeiro

 

Um cruzamento letal para Rafael Leão, um passe incompreensivelmente falhado para Coentrão (que estava a um metro de si), duas ocasiões a segurar bem a bola para ganhar tempo (e faltas). Ainda assim, fez mais coisas boas e menos disparates totais do que naquela primeira parte em Astana.

 

Montero

 

Entrou a minutos do fim, para trazer uma lufada de metano fresco à manobra ofensiva da equipa.

 

publicado às 04:48

Futebol com humor à mistura (23)

Rui Gomes, em 21.02.18

 

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Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua usual crónica humorística sobre a performance dos jogadores do Sporting, nesta 23.ª jornada da I Liga, frente ao Tondela. Como sempre, a brincar e com humor, fiz-se muitas verdades:

 

Rui Patrício

Fez uma grande defesa a desviar para canto um remate que ia entrar junto ao poste, situação que sucedeu ao minuto 32, e quando digo "ao minuto 32" estou obviamente a designar o minuto que senti no interior do meu coração e não num qualquer instrumento opressor do patriarcado cronológico, que tanto procura zelar pela manutenção da ditadura do tempo, algo quanto a mim incompatível com os valores pluralistas que constituem esse património colectivo a que chamamos Liberdade.

 

Piccini

Adicionou mais uma pérola à sua já impressionante colecção privada de atrasos de peito ao guarda-redes, mas não esteve tão irrepreensível nos duelos individuais como em Astana, em especial durante a primeira parte. Subiu muito de nível depois do intervalo e, depois da expulsão de Mathieu, alargou o raio de acção para cobrir o excesso de largura e profundidade que o campo ganhara, acumulando algumas dobras importantes. Perto do fim, subiu bem e ganhou um canto, na sequência do qual tentou um remate de ressaca: a bola subiu à troposfera, onde a meteorologia é deliberada e distribuída pelos vectores naturais, e voltou a descer, aterrando algum tempo depois algures em Salamanca, uma ocorrência que pode configurar uma exportação ilegal.

 

Coates

Mantém-se firme naquela postura de eremita que acabou de regressar do topo da montanha, onde passou um semestre a jejuar e reflectir até decidir renunciar à violência (e à velocidade; e à agilidade; e ao sentido posicional). Os cortes, quando acontecem, são no limite. Os alívios, quando os consegue, vão para adversários. Os passes longos, quando os tenta, vão para fora. Os piques, quando arranca, ganham jet-lag pelo caminho. E quando remata, nem sequer olha para a porra da baliza. É, em suma, o melhor jogador do mundo de sempre e uma dádiva que nos foi entregue pelos Céus. Uma vénia.

 

Mathieu

Podia dizer-se que colheu os benefícios de ter sido poupada à viagem ao Cazaquistão, mas a verdade é que mantém a mesma frescura física e mental desde que se sagrou espectacularmente Campeão de Inverno 2017/18. Há um lance a meio da primeira parte em que defendeu um canto na sua área, e logo a seguir foi à área contrária ganhar outro. Teve duas boas oportunidades para marcar ainda antes do intervalo e alguns cortes impecáveis depois, antes de ser expulso por segundo amarelo por criticar sensualmente a forma como um jogador do Tondela tinha os pelos faciais aparados, num gesto que merecerá certamente um forte protesto do Sindicato Nacional dos Barbeiros, Cabeleireiros e Ofícios Correlativos.

 

Brunos Césares

Ocuparam em conjunto o lugar do castigado Coentrão e dividiram entre eles a função de lateral-esquerdo. Um deles desenhou a primeira jogada ofensiva da equipa, com um passe a rasgar para a corrida de Doumbia, que por acaso ainda não estava em campo, e ao qual Dost não conseguiu chegar a tempo. Outro deles também foi responsável pelo primeiro remate da equipa. Substituídos na segunda parte, para irem formar o seu próprio sindicato.

 

William Carvalho

Tem uma capacidade única no actual plantel: consegue interpretar a liberdade criativa como um veículo para tomar sempre a decisão menos inesperada para toda a gente, mas, de uma forma qualquer difícil de explicar, mais inesperada para o jogo em si. É um processo dialéctico que permite à manobra colectiva atravessar o seu período saudável de disputa e argumento, e emergir do outro lado, numa nova quietude, racionalmente melhorada, num parágrafo que é capaz de arrancar um forte aplauso do Sindicato dos Produtores e Vendedores de Bebidas Alcóolicas.

 

Bruno Fernandes

Logo a abrir, podia ter sido o elemento intermédio num contra-ataque letal iniciado por Dost, mas o último passe saiu-lhe como lhe sai quase tudo: como se fosse um remate. Mais tarde tentou uma penetração central, tendo passado por dois jogadores do Tondela e fintado Montero para disparar ao lado. Alguns remates passaram mais perto, mas no geral teve mais boas ideias do que boas execuções (especialmente ao nível do passe). Mérito na maneira como conseguiu disfarçar o cansaço até ao fim.

 

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Gelson Martins

Teve à frente um oponente temível (Joãozinho, o melhor lateral-esquerdo em toda a história das opiniões de Jesualdo Ferreira), mas não se deixou atemorizar e fez um jogo à sua altura, que parece ainda mais alta desde que regressou da paragem. Absolutamente intratável nas compensações defensivas, fez dobras, fez cortes, bloqueou um remate que levaria muito perigo, e nunca lhe faltou energia para continuar a chegar à frente, onde conseguiu desequilibrar sempre que teve bola no pé perto da área, numa consistência que poderia merecer fortes protestos do Sindicato de Fabricantes de Balanças.

 

Acuña

É um estilo de jogo muito peculiar, que envolve menos o uso público da Razão, e mais uma espécie de psicopatologia motora, desfazendo-se em lapsus pedis e metendo-se em sarilhos e emergências até encontrar uma maneira de dar significado às suas inadvertências técnicas. Tudo isto é um sintoma, e merece ser diagnosticado: Acuña é um homem que não pode ter tempo, nem espaço, e que precisa da ameaça constante da calamidade para explorar o seu génio. E veio parar ao Sporting! Há horas de sorte.

 

Fredy Montero

Sofreu a primeira falta do jogo, mas a partir daí pareceu sempre retraído nas bolas divididas. Com a bola no pé, foi simultaneamente lúcido, rigoroso e pouco acutilante. Saiu ao intervalo, numa acção que talvez não origine protestos oficiais da Embaixada Colombiana.

 

Bas Dost

Arrisco que fez os melhores 45 minutos da época, e talvez da carreira, na primeira parte. Cada toque na bola - sempre de primeira, a tabelar, a variar de flanco, até a devolver um passe com a nuca, de costas - criou automaticamente uma boa jogada, quase ex nihilo. Mereceu o golo que marcou e mereceu ainda mais ter oferecido a bola que resultou no golo da vitória, um golo marcado ao minuto que os sportinguistas bem entenderem, pois, enquanto criaturas autónomas e independentes, capazes de pensar pelas suas próprias cabeças, não precisam que qualquer autoridade externa ande de forma paternalista a tentar explicar-lhes que horas são.

 

Doumbia

Teve na cabeça a oportunidade de marcar, depois de solicitado na área por Acuña, mas atirou alguns centímetros por cima da barra, numa acção que merecerá fortes protestos do Sindicato dos Operadores do VAR Responsáveis por Invalidar Golos Limpos ao Doumbia.

 

Rúben Ribeiro

Cometeu algumas faltas desnecessárias e também ganhou algumas faltas que os adversários não precisavam nada de cometer. Parecem ser as suas duas grandes especialidades, além do inquestionável requinte complacente com que trata a bola, como alguém com grande orgulho pessoal na sua caligrafia.

 

publicado às 05:00

Futebol com humor à mistura (22)

Rui Gomes, em 12.02.18

 

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A análise humorística de Rogério Casanova, jornal Expresso, sobre a performance dos jogadores do Sporting no jogo da 22.ª jornada da I Liga diante o Feirense. Como sempre, a brincar e com humor diz-se muitas verdades.

 

Rui Patrício

 

Setenta minutos de ansiedade à distância até que, como já vem sendo hábito, alguém decidiu faltar-lhe ao respeito: uma desonestidade intelectual de Edson que só não teve sequelas mais graves porque Patrício conseguiu desviar o remate para o poste. Continua a ser o homo sacer do futebol português: não é permitido incluí-lo em rituais de sacrifício colectivo, mas toda a gente insiste em tentar matá-lo de desgosto.

 

Piccini

 

Mais uma noite segura, a contribuir para a estabilidade da sua cotação. Foi o primeiro jogador da equipa a conseguir esticar o jogo com sucesso, e ao minuto 77 ainda lá andava lá por cima, a ganhar lances no um para um perto da linha de fundo e, em vez de tentar cruzar (instinto contra o qual vai lutando corajosamente) optando antes por ganhar cantos. Mas, numa noite cheia de novidades, aconteceu-lhe também algo pela primeira vez: em cima do intervalo, perdeu um lance de cabeça para um adversário nas suas costas que conseguiu ganhar-lhe o espaço à sua frente. Foi um momento filosófico, que ao lembrar-nos que nada é certo nesta vida, acaba por nos reconciliar com a nossa própria falibilidade humana.

 

Coates

 

Ao contrário do que aconteceu demasiadas vezes últimos tempos, não foi o principal responsável pelo frenético incinerar de cigarros entre os espectadores, esse flagelo social que tanto atinge as vozes mais livres e independentes do país. Algumas boas aberturas a rasgar, soltando Piccini ou Gelson pelo corredor, e até as suas já lendárias polguices beneficiaram da presença de Doumbia no onze, pois assim conseguem por vezes assemelhar-se mais a “passes em profundidade” e menos a “charutadas lá para a molhada”.

 

Mathieu

 

Continua a ser impressionante que um jogador com um currículo tão escasso na conversão de livres directos tenha conseguido agora, aos 34 anos, transformar cada lance desses num legítimo momento de esperança entre os adeptos. Hoje tentou um rasteiro, para a direita de Caio Seco, e outro mais canónico, a meia-altura e para o lado esquerdo. Felizmente nenhum deles entrou, ou era possível que fossem anulados, caso o VAR detectasse uma irregularidade na Carta Constitucional de 1826, outorgada pelo Rei D. Pedro IV.

 

Bruno César

 

Estiveram geralmente bem, mas podiam ter aproveitado melhor o facto de serem imensas pessoas para criar situações de superioridade numérica no ataque. Acabaram por ser mais úteis a defender, como se viu ao minuto 14 minuto, depois de uma falha de Piccini ter dado origem a um contra-ataque venenoso do Feirense: felizmente os adversários eram apenas três e os Brunos Césares eram muitos mais, conseguindo dessa maneira cortar o lance de perigo. Saíram todos a vinte minutos do fim, vários deles com a noção do dever cumprido.

 

William Carvalho

 

O Mostrengo que vive no fundo do VAR,
Os cornos lhe veio hoje chatear;
No meio do relvado chatices causou,
E um golo limpíssimo invalidou.
O Homem da Braçadeira,
Que golos não mete,
Lá veio de urgência,
Fazer o frete.
Porque mais que o Mostrengo que no VAR se mete,
E soprou no apito daquele gatuno,
Manda a vontade de não ser croquete,
D'El Rei De Carvalho, o Bruno.

 

Gelson Martins

 

Primeiro minuto: saída rápida do Feirense, interrompida no segundo exacto antes de poder criar perigo porque Gelson teve velocidade suficiente para vir ao meio atrapalhar a variação de flanco. Minuto 12: sem sequer acelerar muito, o Feirense conseguiu manter a posse e trocar a bola em progressão pelo meio campo do Sporting, até Gelson vir do outro lado do campo ao flanco esquerdo resolver o problema. Minuto 27: apareceu na sua área, a interceptar um cruzamento e cedendo canto, segundos depois de ter sido ele a criar perigo na área contrária. Houve mais momentos análogos, sempre intercalados com a hiperactividade do costume no último terço, e a fiabilidade habitual para criar problemas ao adversário de dois em dois minutos. Ainda assistiu Montero para o 2-0. Não é nenhum crime de lesa-majestade apontar as falhas de Gelson ao nível da decisão e do último passe; mas há alturas em que, ao olhar para a totalidade do seu rendimento em campo e para a equipa, falar nas suas más decisões é também uma má decisão.

 

Bruno Fernandes

 

Sacou o primeiro amarelo do jogo depois de uma boa aceleração pelo meio, e foi dessa maneira que produziu, aqui e ali, alguns desequilíbrios. Mas, na linha do que tem acontecido de há umas semanas para cá, aquelas típicas rotações em que não toca na bola para tentar ir buscá-la com mais espaço ao outro lado acabaram muitas vezes em bolas perdidas, algumas delas em zonas pouco recomendáveis. Teve o 3-0 nos pés mas, apesar de só faltarem 20 segundos para o jogo acabar, decidiu (bem) não submeter os nervos colectivos a esse resultado tenebroso. Além que o lance teria provavelmente sido anulado, caso o VAR detectasse uma irregularidade no Tratado de Zamora, que reconheceu a independência do Reino de Portugal em 1143.

 

Bryan Ruiz

 

Desde que foi reintegrado no plantel, a dúvida quando o víamos surgir em campo era sempre se ia jogar bem ou mal. Bryan Ruiz foi optando pela resposta salomónica (no sentido de Diogo Salomão): nem uma coisa nem outra. Hoje, pela primeira vez, e em especial durante a primeira parte, deu uma resposta mais conclusiva, e terá feito se calhar os melhores 45 minutos desde a sua primeira época, para os quais despertou mentalmente ao minuto 14: apareceu na quina da área, teve tempo de avaliar todas as opções para se refugiar na segurança, fazer um passe atrasado inócuo, ou até perder honestamente a bola, mas lembrou-se de repente que já foi um belo jogador. Portanto rematou em arco, para uma boa defesa (e ainda falhou mais uma oportunidade clara). Mas pode ser que o lembrete lhe sirva para o resto do semestre.

 

Montero

 

Mais solto e com mais mobilidade do que nos jogos anteriores, mas acima de tudo mais confiante a reter a bola sob pressão e mais incisivo a soltar os colegas em profundidade (percebeu bem mais depressa que muitos outros elementos do plantel qual a melhor maneira de tirar algum partido da agressividade de Doumbia a atacar as costas das defesas). Depois de se juntar à epidemia colectiva de falhanços escandalosos (rematou contra clavículas de guarda-redes, septos nasais de defesas, painéis publicitários, etc) acabou por merecer fechar a contagem, num lance que até podia ter sido anulado, caso o VAR tivesse detectado irregularidades no processo de Deriva Continental que desmantelou a Pangeia e permitiu indirectamente o golo de Montero.

 

Doumbia

 

FADE IN:
EXT. #1 – FLORESTA TROPICAL

A voz de David Attenborough sussurra através da folhagem

DAVID ATTENBOROUGH (Voz off)

(…) temos aqui uma rara oportunidade para observar o instinto predatório do Doumbia no seu habitat natural

EXT. #1 – FLORESTA TROPICAL

Grande plano de Doumbia, a tirar o guarda-redes da frente e a engalfinhar a bola contra um defesa que ali aparecera.

DAVID ATTENBOROUGH (Voz off)

Nem sempre o Doumbia consegue atingir os intentos para os quais a evolução o preparou. A única certeza é de que vai continuar a tentar, até a mudança das estações o obrigar a partir para terrenos mais férteis.

EXT. #1 – FLORESTA TROPICAL

Grande plano de Doumbia, a marcar um golo e a vê-lo anulado.

DAVID ATTENBOROUGH (Voz off)

Infelizmente, ainda não é desta que o Doumbia consegue capturar a sua presa. A Natureza, na sua infinita sabedoria, decidiu anular a caçada, depois de o VAR detectar uma qualquer irregularidade na formação dos primeiros organismos multicelulares no Mesoproterozóico.

EXT. #1 – FLORESTA TROPICAL

Grande plano de Doumbia, isolado, a rematar a bola para o raio que o parta.

DAVID ATTENBOROUGH (Voz off)

E a vida continua, numa dança tão antiga como o próprio Tempo, da qual somos aqui, por momentos efémeros, espectadores privilegiados.

 

Rafael Leão

 

Assim que entrou fez um remate perigoso à baliza que não deu em golo, e logo a seguir assistiu um golo que viria a ser anulado, integrando-se assim perfeitamente no espírito do jogo. Tem várias características físicas e técnicas que auguram um bom futuro, além de uma característica mental tão ou mais importante: uma mistura muito específica de calma e descaramento.

 

Lumor

 

Teve a sorte de entrar com a equipa balançada no ataque pelo que conseguiu logo apresentar-se com um excelente cruzamento. A defender, perdeu um lance de cabeça na área, mas no dia histórico em que até a Piccini aconteceu o mesmo, é precipitado tirar grandes conclusões. Até porque para tirar conclusões imediatas sobre um novo jogador, e dizê-las cantando a toda a gente, está lá o treinador.

 

Battaglia

 

Hoje entrou demasiado tarde para poder extrair o fémur a um adversário sem anestesia e beber-lhe a medula óssea de penálti, resta-lhe esperar pela próxima oportunidade.

 

publicado às 03:43

 

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Usualmente, transcrevemos as populares análises humorísticas de Rogério Casanova, jornal Expresso, sobre as performances de jogadores do Sporting em jogos da I Liga. Desta vez, ele aproveitou o aniversário de Bruno de Carvalho, e as suas circunstâncias de momento "para dizer algumas – bom, muitas – coisas sobre o homem que tanto pode ser visto como “assassino de gatinhos” ou como o melhor presidente do Sporting". 

 

O escrito começa assim, e por ser mesmo muito extenso, o leitor poderá ler o resto aqui. Com tudo isto, uma coisa é por de mais evidente; Bruno de Carvalho está a ter o que sempre procurou, dia após dia, desde que assumiu a liderança do Sporting: ser o centro das atenções mediáticas. Esta circunstância serviu para, entre outras questões, desviar o foco da denominada Operação Lex, Luís Filipe Vieira e as buscas pela Polícia Judiciária, e-mails, etc..

 

"Foi há aproximadamente sete anos que ouvimos falar pela primeira vez em Bruno de Carvalho, o que significa que foi há aproximadamente sete anos menos quinze minutos que ouvimos dizer pela primeira vez que Bruno de Carvalho era um vigarista histriónico pronto a levar o Sporting para o abismo. Sete anos passaram, e os dois pares ainda cá andam na pista de dança: o Sporting e o abismo (estes significativamente mais afastados que em 2011), e Bruno de Carvalho e a as opiniões sobre Bruno de Carvalho - esses ainda no mesmo sítio, mas sujeitos ao desconforto dos reajustamentos constantes, drásticos ou infinitesimais, como uma comichão emocional difícil de coçar.

 

Muitas delas - as opiniões - foram instintivas e imediatas: para todas as pessoas que, quinze minutos depois de ele se materializar na vida pública portuguesa, o identificaram corretamente como alguém incapaz de identificar corretamente um garfo de ostras. Outras foram cristalizando na sequência de uma campanha eleitoral que ele (por necessidade e temperamento) conduziu como um bolchevique, e que a lista de Godinho Lopes (por necessidade, temperamento e Cunha Vaz) conduziu como uma mistura de Dinastia Romanov, Pravda e Jornal do Incrível.

 

Da síntese dessas duas circunstâncias, surgiu a ubíqua criatura mitológica conhecida como “o Bruno de Carvalho”: o arrivista chico-esperto, o arruaceiro com sede de protagonismo, o tiranete suburbano, o operador de esquemas-pirâmide, o prestigiado assassino de gatinhos; alguém que a qualquer momento, mais tarde ou mais cedo, iria deixar em escombros uma instituição centenária e fugir para Vladivostoque, deixando na sua esteira resmas de multas por pagar, mensalidades do condomínio em atraso, e bandas gástricas descartadas pelo caminho" (...).

 

publicado às 18:42

Futebol com humor à mistura (21)

Rui Gomes, em 05.02.18

 

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Hoje não será um dia em que o humor abunda entre sportinguistas, mas nem por isso vamos deixar de publicar a usual coluna de Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística à performance dos jogadores do Sporting frente ao Estoril Praia:

 

Rui Patrício

 

Nos primeiros seis minutos foi vítima de violentos ataques ad hominem por parte de adversários que, com a colaboração ignóbil do vento, lhe tentaram marcar golos de canto directo, num dos casos mais ultrajantes de desonestidade intelectual que testemunhei em toda a minha vida. Eram motivos mais do que suficientes para toda a equipa ter abandonado o terreno de jogo em protesto, mas decidiu-se continuar a legitimar aquela farsa, por motivos que me ultrapassam.

 

Piccini

 

Ganhou a linha de fundo várias vezes, com uma facilidade que recordou a todos os adeptos o milagre que foi a sua contratação ter custado uns meros 3 milhões de euros. No seguimento dessas jogadas, tentou algumas vezes cruzar, com uma dificuldade que recordou a todos os adeptos a tolerância que devem estender a alguém cuja contratação custou uns meros 3 milhões de euros. Pontos de bónus por ter sido o único jogador da equipa a conseguir, num lance de um para um, roubar a bola a Lucas Evangelista.

 

Coates

 

Manteve o nível dos últimos tempos, sem erros cataclísmicos, mas com dúbios posicionamentos, falhas na saída de bola e uma geral lentidão de processos a contribuir decisivamente para o processo de gentrificação da defesa do Sporting, que hoje assistiu a um dramático influxo de turistas cheios de vontade de fazer barulho e causar chatices.

 

Mathieu

 

Demorou oitenta e oito minutos a perceber que era o jogador em campo mais qualificado para impedir que o resultado final fosse aquele, e só nessa altura foi lá à frente, para fazer (evidentemente) o remate mais competente de toda a segunda parte. O guarda-redes do Estoril acabou por desviá-lo para canto, num dos exemplos mais repugnantes de desonestidade intelectual a que assisti em toda a minha vida.

 

Fábio Coentrão

 

Safou bolas em cima da linha, ganhou cantos, rematou à baliza (com o pé e com a cabeça) e ainda fez as melhores assistências: ao minuto 43 descobriu Coates sozinho na área; no minuto seguinte descobriu Bruno César sozinho na área; no minuto seguinte descobriu que estava sozinho no mundo. Amarelado na segunda parte, foi substituído pouco depois, quando ainda estava a ser dos melhores elementos da equipa, numa decisão que se compreende, por duas razões: a) a possibilidade de tentar desfazer à batatada mais um banco de suplentes, levando um recinto estruturalmente frágil a desabar por completo, merecia pelo menos ser testada; e (b) de qualquer maneira era injusto obrigá-lo a ficar a aturar aquilo até ao fim.

 

Battaglia

 

Ao minuto 17 foi fintado pelo guarda-redes do Estoril, num dos episódios mais vergonhosos de desonestidade intelectual que presenciei em toda a minha vida.

 

William Carvalho

 

Uma dedicação total à resolução de problemas, sem histerias, sem sentimentalismos. A sua solidariedade extrema em campo passa por vezes despercebida, pois assume uma forma contra-intuitiva: não é que William ande a correr freneticamente de um lado para o outro a resolver os problemas dos colegas; o que ele faz é andar a pensar freneticamente no mesmo sítio para evitar criar-lhes mais problemas do que eles já criam a si próprios. Foi, na primeira parte, o jogador mais esclarecido em posse, e fez os melhores passes da equipa. A meio da segunda parte decidiu eliminar os intermediários e começar a passar a bola directamente a jogadores do Estoril, para poupar mais embaraços aos colegas.

 

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Bruno César

 

Mostrou-se rápido, alerta e interventivo, ganhando faltas perigosas, pressionando, jogando bem ao primeiro toque. Foi dos que mais tentou o remate, até ao minuto 44, quando em vez de tentar o remate, tentou fazer um .gif. Conseguiu; e desapareceu para sempre no mundo dos feeds online.

 

Acuña

 

Pareceu mais ágil hoje do que nos últimos tempos, física e mentalmente. Mas é cada vez mais óbvio que jogar sem espaço ou com tempo não é o seu forte: a sua tendência instintiva no primeiro caso é sempre para proteger a bola; no segundo (que o obriga a reflectir) para se ver livre dela o mais depressa possível. É muito melhor nas situações inversas, em que o espaço é muito, o tempo é pouco, e cada gesto é uma urgência, canalizando uma resposta emocional não premeditada, no sentido de evitar ou então participar no fim do mundo em cuecas. Emocionalmente, pelo menos, veio parar ao clube certo.

 

Bruno Fernandes

 

Se William é o superego da equipa – o portador dos seus ideais éticos – Bruno Fernandes é o seu id, com a tarefa de produzir os seus desejos. Um meio-campo que tem tudo para funcional lindamente ao nível da saúde psicológica (deles e minha), desde que andasse por ali um terceiro elemento, idealmente equipado com um lança-chamas, a manter a ordem enquanto estes dois perseguem os seus desejos.

 

Doumbia

 

Um remate inócuo ao minuto 16 e uma boa jogada aos 39, a pressionar o defesa, a ganhar no esforço e a soltar no momento certo para Bruno César. De resto foi combativo, deu trabalho a toda a gente, e acumulou mais uma ou outra recuperação ofensiva. Menos bem sempre que tentou os lances de 1x1, ou qualquer outro recurso que o obrigasse a usar os pés, aqueles dois pés que tem, nomeadamente o pé esquerdo e o pé direito, duas das extremidades anatómicas mais intelectualmente desonestas que contemplei em toda a minha vida.

 

Montero

 

Há que ter paciência, não será fácil recuperar toda a qualidade e motivação que certamente perdeu após aquele ano inteiro a ser treinado por Marco Silva.

 

Rúben Ribeiro

 

Dos três suplentes utilizados, foi o único a acrescentar alguma qualidade. Deixou Acuña isolado na cara do golo assim que entrou, e teve o mérito de raramente se precipitar. O que não deixa de ser um elogio, mas repare-se bem nos parâmetros deste elogio: “teve o mérito de raramente se precipitar”. Mais jogos assim e qualquer dia estou a elogiar jogadores com frases do género “teve o mérito de não dar um tiro na cabeça”.

 

Bryan Ruiz

 

Foi o último suplente a entrar, e não esteve bem nem mal, numa das mais pérfidas manifestações de desonestidade intelectual que observei em toda a minha vida.

 

publicado às 04:42

Futebol com humor à mistura (20)

Rui Gomes, em 01.02.18

 

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Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística à performance dos jogadores do Sporting, no jogo da 20.ª jornada frente ao Vitória de Guimarães. Como sempre, a brincar e com humor diz-se muitas verdades:

 

Rui Patrício

 

Desviou um remate para canto nos primeiros minutos e encaixou outro à figura à passagem da meia hora, mas no geral teve mais uma noite descansadinha, onde nem o provável futuro colega conseguiu obrigá-lo a mostrar a qualidade que as equipas que o defrontam têm conspirado para resguardar como se fosse um segredo de Estado. Tal como a esmagadora maioria dos guarda-redes do campeonato nacional, chegou ao fim do jogo em condições de responder à pergunta "sabe qual foi o resultado final?".

 

Ristovski

 

Momento intrigante ao minuto 12, que é legítimo especular só aconteceu porque jogou ele e não Piccini: num pontapé de baliza do Vitória, juntou-se uma molhada de gente na sua zona e o guarda-redes bombeou para lá a bola. Foi um lembrete de outros tempos, quando o plano ofensivo de muitos adversários do Sporting consistia quase exclusivamente em tentar meter a bola por alto nas costas do lateral-direito: um jogo de má memória com o Lokomotiv, em 2015, foi isto do princípio ao fim. Desta vez, por acaso, a jogada até veio a resultar num remate perigoso à baliza de Patrício, e fica a ideia que a diferença de preço entre Piccini e Ristovski (seiscentos e cinquenta mil euros) se deve acima de tudo à diferença de posicionamento - e centímetros - visível nesses lances.

 

Mas não voltou a acontecer, e por bons motivos: Ristovski dá largura (sempre), dá profundidade (quase sempre), dá lucidez e compostura (quando tem a bola), dá raça (quando não a tem), dá atenção dentro da área (fez um corte providencial aos 20 minutos) e dá-nos a todos (sobretudo) um merecido descanso em relação a uma das posições mais traumáticas dos últimos anos.

 

Coates

 

Depois do suplício que passou no sábado passado, teve precisamente o tipo de jogo que tanto ele como o miocárdio colectivo sportinguista mais necessitavam: sem chatices, sem Gonçalos Paciências, sem princípios de enfarte.

 

Mathieu

 

Voltou a fazer o mesmo número que já fizera no fim-de-semana, durante a Suprema Final do Insigne Campeonato de Inverno 2017/18: depois de ganhar todos os duelos defensivos que travou, e à medida que as ideias se iam esgotando lentamente no resto da equipa, apareceu no último quarto de hora a apresentar as suas. Que são, bem vistas as coisas, ideias muito simples: que a bola deve ir para dentro da baliza, e não para fora; que os jogos são para ganhar, e não para empatar; e que todas aquelas que coisas que "o Mundo sabe" enumeradas antes do apito inicial, Mathieu já as sabe de memória.

 

Fábio Coentrão

 

Havia alguma pessoa no estádio inteiro que tivesse menos vontade de empatar este jogo do que Coentrão? Suponho que é teoricamente possível, mas duvido. Mais do que a experiência, mais do que a pura qualidade, voltou a trazer ao jogo aquela hipertrofia competitiva e fobia quase violenta a qualquer outro resultado que não a vitória. E entretanto cumpriu 270 minutos plenos de saúde no espaço de 7 dias, sendo um dos principais responsáveis por não ter que destruir mais um banco de suplentes.

 

Battaglia

 

Regressivo, primordial, telúrico, Battaglia é uma aparição vinda directamente do passado misterioso do futebol: uma Terra Perdida de répteis, cavernas, monossílabos e pedras lascadas. Algures, para lá da colina, vive uma outra tribo, que fala um dialecto diferente do nosso, e que tem uma bola. Battaglia não concorda que eles tenham a bola, portanto vai lá buscá-la. Pelo caminho, é possível que tenha de assassinar alguns camponeses e incendiar algumas cabanas, mas a bola vem com ele. Depois entrega a bola aos seus amigos. Nem sempre é fácil. Battaglia sabe que a bola é uma relíquia sagrada do seu povo, e olha-a com um temor reverencial que o deixa nervoso, e a mim também. No fundo, sente-se mais confortável a assassinar camponeses e incendiar cabanas. Mas também conhece a importância que a bola assume na nossa pequena civilização e lá vai tentando participar nos rituais que a incluem, embora se suspeite que somente o assassinato de camponeses e a incineração de cabanas o deixam verdadeiramente realizado.

 

William Carvalho

 

A jogar mais solto e mais adiantado, começou bem, sofreu intermitências, mas acabou ainda melhor. Terá sido, com a bola nos pés, um dos elementos mais consistentes da equipa, tentando várias vezes na segunda parte organizar a manobra ofensiva por ordem alfabética (Acuña - Bruno - Coentrão - Doumbia), tal como faz com as suas prateleiras de clássicos do jazz. Aos poucos, vai-nos matando as saudades que dele tínhamos; não devemos ser gananciosos e esperar que as mate todas de uma vez.

 

Bruno Fernandes

 

Como o outro Bruno do plantel, está aparentemente condenado a um périplo vocacional por todas as posições em campo, e é uma questão de tempo até fazer uma perninha a lateral-esquerdo. Mostrou a vontade e mobilidade habituais, mas, tal como no fim-de-semana, esteve algo desastrado no passe. Nos últimos minutos, no entanto, foi instrumental a guardar a bola no meio-campo ofensivo e a tentar que equipa defendesse a vantagem não a hiperventilar perto da área, mas lá ao longe e em ritmo de passeio. Quando o treinador fala no "cinismo à italiana", também se deve referir a este tipo de coisas.

 

Rúben Ribeiro

 

Várias acções de qualidade em posse, mas quase todas transitivas e auto-contidas, a flutuar na sua inócua e competente autonomia, como frases de campanha de um político talentoso, que sabe omitir os verbos de acção necessários para transmitir a impressão de fazer imensas promessas sem em qualquer momento assumir um compromisso. Ao vê-lo com a bola no pé, de frente para o jogo, calmo e confiante, fica-se sempre com a sensação de que é um candidato extremamente viável a qualquer coisa. Ainda falta perceber a quê, mas temos tempo.

 

Acuña

 

Não têm sido tempos fáceis para a relação entre Marcos Acuña e a faixa esquerda do meio-campo ofensivo. Ainda há amor, e carinho, e respeito mútuo, mas fisicamente, as coisas simplesmente não têm funcionado. Acuña bem tenta, mas não consegue satisfazer as necessidades da faixa esquerda do meio-campo ofensivo. Não que a faixa esquerda do meio-campo ofensivo se queixe. Pelo contrário: é a primeira a reconhecer que Acuña anda cansado e a primeira a enumerar liricamente todo o léxico do cansaço (a fadiga, a ansiedade, o excesso de trabalho). E é capaz de olhar Acuña docemente nos olhos e dizer-lhe com total sinceridade para ele não se preocupar, que isto também acontece aos outros médios-ala. É uma fase, só isso. Mas enquanto Acuña, por muita impotência que revele em algumas funções fundamentais, continuar a meter comida na mesa, solidariedade na defesa, remates no alvo e assistências no pecúlio, o casamento lá se vai aguentando.

 

Bas Dost

 

Democratizou de tal forma o golo que ausência de um é quase sentida por si como uma privação ou um enfermidade: era uma questão de tempo até que isso se materializasse de forma psicossomática. Esperemos que recupere depressa.

 

Fredy Montero

 

Houve alturas na sua primeira passagem pelo clube em que aquele complacente sangue frio se revelou um atributo crucial para meter em campo nas alturas mais tremidas. Houve outras em que era aflitivo ver tanto talento junto afogado num batido de banana. A sua segunda passagem pelo clube não será diferente.

 

Doumbia

 

Trouxe uma velocidade, agressividade e capacidade de atacar as costas da defesa que os outros avançados do plantel não conseguem dar. Trouxe também os seus pés, que nem sempre facilitam a aplicação mais correcta das virtudes acima descritas.

 

Brunos César

 

Pessoalmente, e mesmo sabendo todas as suas limitações, durmo mais descansado à noite por saber que os Brunos Césares fazem parte do plantel. Entraram bem no jogo esta noite, e até podiam ter marcado.

 

Lumor

 

Em primeiro lugar, bem vindo. Em segundo lugar, e em resposta à tua pergunta: sim, ele é um bocado descompensado. Mas não ligues, há-de correr tudo bem.

 

publicado às 03:50

 

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O que Rogério Casanova, jornal Expresso, teve para dizer com humor à mistura, sobre as exibições de Bryan Ruiz, Rúben Ribeiro e Fredy Montero. Diz ainda o autor que passou a 2.ª parte de costas para a TV, mas, mesmo assim, consegue explicar como a derrota foi infligida aos pupilos de José Peyroteo Couceiro.

 

Bryan Ruiz

 

Creio que foi ali por volta do minuto 20 que um dos comentadores da RTP afirmou que Bryan Ruiz e Arnold estavam a "travar um duelo intenso".
 
Rúben Ribeiro
 
Jogou 45 minutos, saiu ao intervalo, ganhou uma Taça (confirmada após um dos jogadores vitorianos treinados por José Peyroteo Couceiro ter FALHADO um penalty) e agora anda para ali aos saltos. Já teve dias piores na vida, com toda a certeza. E há de ter melhores, também com toda a certeza.

 

Fredy Montero

 

Ao minuto 16 foi a correr pressionar um jogador do Vitória que estava em posse de bola. Foi um gesto revolucionário que apanhou toda a gente de surpresa. Os restantes jogadores do Sporting devem ter olhado uns para os outros a pensar "quem é que este maluco julga que é?". E lá continuou na sua onda, Montero, a procurar a bola, a procurar os espaços vazios, a tentar devolver a bola ao primeiro toque, e outros anacronismos semelhantes. Foi dos jogadores mais combativos a reagir à perda de posse, e não lhe faltaram oportunidades para o mostrar, pois perdas de bola houve muitas. O facto de os vocábulos "Montero" e "combativo" coexistirem na mesma frase é, aliás, um excelente resumo da primeira parte. Entretanto ganhou mais uma Taça, mesmo não tendo participado no desempate por grandes penalidades que ditou a DERROTA da agremiação sadina, orientada por José Peyroteo Couceiro.
 

publicado às 03:35

Futebol com humor à mistura (19)

Rui Gomes, em 20.01.18

 

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Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística à performance dos jogadores do Sporting no jogo desta sexta-feira frente ao Vitória de Setúbal. Como sempre, a brincar e com humor diz-se muitas verdades:

 

Rui Patrício

Passou por alegadas dificuldades ao minuto 45, quando alegadamente demorou a resolver um atraso e ia alegadamente chutando a bola contra um jogador do Vitória, mas as imagens televisivas não mostraram o alegado incidente - uma manifestação de decoro e respeito pela paz e sossego de um campeão europeu que devia servir de exemplo para todos, não só outros órgãos de comunicação social, mas também os adversários que teimam em invadir a sua privacidade com grandes penalidades.

 

Piccini

Era óbvio que algo não estava bem. Desde o primeiro minuto que se notaram indícios de comportamento deficiente na sua estrutura. Será necessário um relatório para apurar as causas das anomalias detectadas, mas à primeira vista eram evidentes algumas fissuras na coxa direita, roturas ao nível do passe curto e longo, uma racha no frontispício do cruzamento fácil e outros sinais de alarme que levaram alguns adeptos mais nervosos a sentir vontade de invadir o campo até tudo ficar esclarecido.

 

Ninguém deve ser obrigado a ver um jogo neste clima de insegurança, quando três milhões de euros que até aqui pareciam tão estáveis de repente ameaçam ruir. Há que proteger o espectáculo. O ideal, o justo, o ético, teria sido interromper a partida, chamar uma equipa de engenheiros para avaliar o problema, e continuar o jogo daqui a uns meses.

 

Coates

Está mais do que na altura de Coates fazer uma introspecção profunda e demorada na maneira como se relaciona com a violência, uma relação cada vez menos eficaz e profissionalizada. Viu um amarelo ao minuto 50 por se encostar ao inofensivo Gonçalo Paciência, que conduzia inofensivamente a bola perto da inofensiva linha lateral. Nos últimos minutos, quando podia e devia ter anulado um problema bem mais sério, pregando uma pantufada ao adversário que lhe virasse os intestinos do avesso, optou por deixar-se comer na profundidade por um jogador com aproximadamente 58 anos de idade.

 

Mathieu

Perfeitamente enquadrado no espírito do clube, respeitador do seu passado, conhecedor das suas tradições, sabia que há um ritual que consiste num defesa-central ser obrigado a cometer uma falta por trás, dentro da grande área, no Estádio do Bonfim, em Janeiro, sobre Edinho, e nos últimos minutos de um jogo decisivo. Limitou-se, portanto, a cumprir à risca o que estava previsto nos estatutos.

 

Fábio Coentrão

Foi o melhor em campo e saiu depois do empate, envolvendo-se de imediato num debate de ideias com o banco de suplentes, tão rancoroso como uma polémica teológica medieval. A interpretação de Coentrão, a julgar pela veemência injustiçada dos seus gestos, pelo seu semblante intransigentemente solitário, devia ser herética e não ortodoxa. O banco de suplentes teve o que merecia (a equipa também, ao contrário de Fábio). Uma coisa é certa: mais uma vez, Fábio Coentrão não caiu, não se aleijou, não sangrou: a não ser por dentro.

 

William Carvalho

O grande passe para Gelson dentro da área ao minuto 10, a placidez com que frustrou ao minuto 14 um projecto de trinta segundos de um jogador do Vitória que consistia em roubar-lhe a bola, o excelente contra-ataque que conduziu logo a abrir a segunda parte, galopando 40 metros e soltando no momento exacto para Piccini, o esclarecimento que mostrou quase sempre com bola: estes são os quatro pontos cardeais de uma boa exibição. O resto - e quando me refiro ao resto, refiro-me à escavação arqueológica a que por vezes se assemelha o meio-campo defensivo da equipa - tem menos a ver com a responsabilidade individual de William Carvalho e mais com a responsabilidade de quem acha que o fantasma de Adrien Silva ainda ali anda a ajudá-lo quando a equipa não tem bola.

 

Gelson Martins

Temporização e definição perfeitas no lance do golo. Grande slalom a partir da própria área ao minuto 77, num lance em que fez tudo bem e que merecia melhor conclusão. Capacidade inesgotável para fazer de lateral, segundo trinco, e segundo avançado, por vezes no espaço de 10 segundos. Aos 89, isolado depois do milionésimo sprint da época, já não teve energia para rematar, e fez com que eu acendesse não um, mas dois cigarros em simultâneo, que posteriormente deixei cair ao chão no momento do penálti, tendo voltado a acender mais dois, e a deixá-los cair também. Pelos meus cálculos, alguém me deve oitenta e oito cêntimos; mas não é Gelson - é quem o deixou, muito literalmente, jogar até cair.

 

Bruno Fernandes

A qualidade que conta nos momentos cruciais. Marcou um golo, na primeira diagonal em que conseguiu aparecer dentro da área. E merecia bisar a dois minutos dos 90, que mais não seja por ter sido dos poucos que se apanhou com a bola dentro da área e tentou metê-la realmente dentro da baliza, em vez de criar uma instalação artística chamada "Andebol". Espero que Coentrão tenha deixado uma parte do banco intacta, pois este também estava com cara de quem precisava de descomprimir à biqueirada.

 

Acuña

Alguns jogadores vêem as jogadas como elas são e perguntam "porquê?" Outros sonham jogadas que nunca foram e perguntam "por que não?" Acuña imagina os dois tipos de jogadas e pergunta "será esta uma boa altura para chutar a bola para a nebulosa de Orion?" E a resposta é quase sempre positiva. Embora o torne inútil como médio-ala, o seu actual momento de forma ainda pode ter utilidade noutras áreas. Os instrumentos de trabalho de Marie Curie permanecem radioactivos xx anos depois da sua morte. Talvez as recentes exibições de Acuña possam ser preservadas num laboratório subterrâneo no Nevada, debaixo das areias do deserto, dentro de um cubículo reforçado por paredes de aço de dois metros de grossura, estudadas pelos andróides que vão preparar armas biológicas para a IV Grande Guerra Mundial.

 

Rúben Ribeiro

Geralmente bem nas combinações ao primeiro toque, esteve envolvido em duas jogadas na segunda parte (ambas com Gelson) em que podia ter decidido ou executado melhor. Creio que o cliché operativo mais adequado neste tipo de situações é "não fez um jogo deslumbrante". E não fez. A não ser para quem se deslumbre com pouco, como eu. Quem se deslumbre, por exemplo, com a capacidade que mostrou ao minuto 85 para, rodeado por três adversários e sem linhas de passe perto da linha, manter a calma, manter a posse, e deixar a situação esclarecida. Saiu no minuto seguinte, e perdeu-se pelo menos um bocadinho dessa lucidez em espaços fechados, e dessa anómala relutância em perder bolas escusadas.

 

Bas Dost

A fada dos golos deve tê-lo informado que hoje não ia marcar e portanto não valia a pena estragar a sua sobrenatural percentagem de eficácia com tentativas condenadas ao fracasso. É pelo menos essa a conclusão a tirar da sua acção ao minuto 86, quando optou por servir Bruno Fernandes, no outro lado da área, em vez de rematar à porra da baliza. E assim se vai agravando a sua preocupante seca de golos, que já se arrasta há 93 minutos.

 

Battaglia, Podence e Doumbia

Foram apenas testemunhas de uma desgraça, e é como tal que devem ser tratados.

 

publicado às 02:47

Futebol com humor à mistura (18)

Rui Gomes, em 15.01.18

 

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A análise humorística de Rogério Casanova, jornal Expresso, à performance dos jogadores do Sporting no jogo da 18.ª jornada da I Liga frente ao Desportivo das Aves. Como sempre, a brincar e com humor diz-se muitas verdades.

 

Rui Patrício

 

Duas saídas afoitas aos pés de adversários e uma defesa fácil a um descompensado remate do meio-campo nos últimos minutos foram os únicos intervalos de acção em mais um jogo que encarou com a tranquilidade atenta e inquisitiva de quem sabe que, à excepção de grandes penalidades, ou das periódicas tentativas de Coates para marcar autogolos, as oportunidades para exercer a sua actividade profissional continuam a ser ultrajantemente reduzidas.

 

Piccini

 

Lasciò la fuga ad Amilton alle 12 minuti e fu nuovamente superato da un altro cittadino a 67. Oltre a ciò, nei primi minuti fu eccessivamente complicato, mancando qualche passaggio. Molto limitato! Tre milioni di euro? Uno scandalo! Sono stati una rapina! Non è un giocatore per grandi squadre, tanto meno per la Juventus, o qualsiasi altra squadra del campionato italiano, abituato a grandi difensori. Piccini è solo un Topo Gigio. Niente di tutto questo. Meglio andare altrove. Buon pomeriggio, ragazzi e scoutini transalpini.

 

Coates

 

Mesmo num jogo fácil, ficou mais uma vez a sensação de que não atravessa um bom momento de forma. Fez um passe terrível ao minuto 18, deixou-se antecipar dentro da área, permitindo um cabeceamento à barra, e já na segunda parte falhou uma intercepção em esforço, após um passe feito para as suas costas. Tratando-se de Coates, diria que a questão é menos de técnica ou de táctica, e mais de endocrinologia: relembrá-lo de que o futebol é um combate de hormonas, e que precisa de voltar a odiar avançados, descartando esta recente tendência para a simpatia.

 

Mathieu

 

Andersonpolgou dois passes longos esquisitos, perdeu uma bola semi-perigosa no meio-campo e deixou-se estatelar na grande área após uma finta de Salvador Agra, tudo na primeira meia-hora. O que aos olhares mais desatentos poderiam parecer sinais de desconcentração foram na verdade acções deliberadamente tomadas em nome de um projecto igualitário, suportando a nobre intenção de nivelar oportunidades e abolir temporariamente hierarquias de talento e qualidade. Após essa efémera experiência social cansou-se, e voltou a impor o seu habitual estilo fascista.

 

Fábio Coentrão

 

Protagonizou um momento de frisson ao minuto 85 quando, numa disputa de bola perto da linha de fundo, levou uma joelhada em cheio na cabeça. Todo o estádio, e toda a comunidade científica internacional, arregalou os olhos de curiosidade: seria desta que Coentrão iria mostrar algum desconforto físico? Ainda não, mas a forma como coçou a cabeça durante alguns segundos indica que sentiu uma leve comichão, um sintoma a acompanhar atentamente nas próximas horas. Mas tudo indica que a forma mais provável de voltar a cruzar-se com o Dr. Varandas é este sofrer um problema qualquer no banco, e Coentrão ter de sair das quatro linhas para lhe prestar assistência médica.

 

William Carvalho

 

Estreou-se finalmente no ano civil de 2018 e fez um bom jogo, desenrolando aquelas espirais que reproduzem os blocos de ácido desoxirribonucleico, os braços de galáxias distantes, as contorções de saca-rolhas a afundar-se na cortiça.

 

Bruno Fernandes

 

Mais recuado no meio-campo, passou a primeira parte em tarefas administrativas e de gestão de recursos, incluindo os seus, limitando-se a fazer as coisas simples invariavelmente bem e a deixar aos outros a tarefa de as complicar. Com a saída de Rúben, avançou uns metros e começou a jogar mais no risco, sem grande sorte. Tentou a bujarda da ordem aos 79 e foi ele a desmarcar Piccini no flanco para o 3-0. Nos últimos minutos, adoptou a já habitual postura perante o facto de não conseguir marcar um golo: a vontade mal reprimida de escavacar à biqueirada tudo à sua volta.

 

Gelson Martins

 

Sofreu a primeira falta, fez o primeiro drible, ganhou o primeiro canto, sofreu o primeiro penalty, acendeu-me o primeiro cigarro, e o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto. Não anda claramente num pico de inspiração, e parece atacar cada lance com uma estranha forma de hipocondria: qualquer que seja a condição da jogada, Gelson reage como se a mesma corresse um qualquer risco iminente, necessitando da implementação imediata de um plano de emergência. Precisa de calma, a mesma calma que algumas das suas decisões em campo nos vão impedindo de ter.

 

Marcus Acuña

 

Embora existam romances intitulados Oliver Twist e Jane Eyre e David Copperfield e Silas Marner e Moll Flanders e Taras Bulba e Eusébio Macário, é altamente improvável que alguém tenha vontade, após esta noite, após as últimas semanas, de escrever um romance intitulado Marcos Acuña. E por bons motivos. Nesta fase dos acontecimentos, um romance intitulado Marcos Acuña não teria princípio, nem fim, nem meio. Não teria capítulos, nem parágrafos. Não teria pontuação. Não teria páginas. Não teria personagens. Não seria lido, publicado, folheado, ou sequer incinerado.

 

Rúben Ribeiro

 

Uma das estreias mais incompreensíveis em toda a história do futebol. Sacudido por tremores de ansiedade, sem sequer saber o nome dos colegas, foi tentando timidamente algumas combinações ao primeiro toque e, em acessos de puro pânico, aberturas para o espaço vazio (uma para Gelson, de calcanhar, outra para Piccini, deixando-o isolado na linha), tudo para tentar disfarçar a confusão que sentia. Ao minuto 31, num momento confragedor, viu-se com a bola na área, completamente perdido: tal como um catavento, virou-se para um lado, virou-se para outro, e em desespero acabou por cruzar para a molhada, onde a bola, por milagre, chegou à cabeça de Dost.

 

Substituído ao minuto 65, certamente sem saber porquê, nem onde estava, nem qual era o resultado, nem que dia é hoje. Um fiasco em toda a linha. E lá foi ele, a caminho de um balneário irremediavelmente destruído pela sua titularidade.

 

Bas Dost

 

Observou anonimamente o panorama com a paciência de um agente de mudança confiante nas suas capacidades e que sabe quão rápida e radicalmente pode alterar a ordem vigente, com todo o caos arquivado na sua cabeça e pronto a ser distribuído. O seu propósito na vida é marcar golos. E o camião de golos que continua a acumular prova, entre outras coisas, que quando se tem um propósito, isso funciona melhor que um objectivo, que por sua vez funciona melhor que um intuito, que por sua vez funciona melhor que um desígnio, que por sua vez funciona melhor que uma resolução, que por sua vez funciona melhor que um intento, que por sua vez funciona melhor que um plano, que por sua vez funciona melhor que um alvo, ou uma vontade, ou uma desinência, ou uma Somersby.

 

Battaglia

 

Não entrou tão bem como na semana passada, pelo que, logicamente, hoje não tem direito a física quântica.

 

Bryan Ruiz

 

Numa frase que pareceria ficção científica há apenas três meses, substituiu na ala esquerda um jogador que, nesta altura, parece oferecer menos à manobra ofensiva do que ele.

 

Daniel Podence

 

Numa frase que pareceria ficção científica há apenas três meses, perdeu a titularidade para um jogador com o cabelo mais oxigenado que o seu.

 

publicado às 16:29

Futebol com humor à mistura (16)

Rui Gomes, em 04.01.18

 

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Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística à performance dos jogadores do Sporting no «derby». Como sempre, a brincar e com humor diz-se muitas verdades:

 

Rui Patrício

Poughkeepsie, perdão, pouquíssimo trabalho ao longo dos noventa minutos, tal foi a superioridade da sua equipa perante um adversário retraído, receoso, inofensivo. Foi um dó de alma testemunhar a panóplia de subterfúgios encontrados pelos jogadores do Benfica para evitarem testar as capacidades de Patrício: chutaram por cima, chutaram ao lado, chutaram contra cabeças de colegas, contra suponho que os peitos de colegas, contra suponho que os ombros e pescoços de colegas, até à barra chutaram! Tudo com medo legítimo de um duelo de igual para igual com Rui Patrício. A única vez que o tentaram foi numa situação de nítida desigualdade de circunstâncias. Cobardes.
 

Piccini

Leitor sóbrio! Mon semblable, mon frère! Tens porventura na tua posse três milhões de euros? Ou pelo menos tiveste na tua posse três milhões de euros num passado recente? Eis uma lista não-exaustiva de usos que podiam ser dados a uma quantia de três milhões de euros nos últimos meses:
 
- comprar um Aston Martin Valkyrie;
- pagar a caução de Ricardo Salgado;
- financiar o custo total do fogo-de-artifício na passagem de ano do Funchal;
- Contratar os serviços de 625 jornalistas, pagando 400 euros por mês a cada um, no âmbito de um blogue dedicado à defesa intransigente da Verdade Desportiva;
- comprar Marvin Zeegelaar (caso fossem o Watford);
- comprar Ezequiel Schelotto (caso fossem o Brighton);
- comprar três milhões de isqueiros baratos, um lote considerável que duraria pelo menos oito semanas;
- comprar Piccini
 
É fazer as contas.
 

Coates

Dado o seu recente regime exibicional de alternância bipolar, a grande dúvida para hoje era saber que Sebastián Coates iria apresentar-se em campo: o Coates bom ou o Coates mau? Yin ou Yang? Jekyll ou Hyde? O raio de luz que ilumina a escuridão ou o raio que nos parta a todos? Acabou por aparecer toda a gente em campo, numa peça de ensemble extraordinariamente... perdi o raciocínio, peço imensa desculpa. Segundo as minhas notas, tentou marcar o auto-golo da praxe ao minuto 59, foi amarelado por um contacto erótico com Kristallnachtovic ao minuto 69 e ao minuto 77 desperdiçou nova oportunidade para fazer um autogolo, num gesto de fino recorte técnico, mas em que o remate de primeira lhe saiu escassos centímetros acima da barra. Também fez algumas coisas positivas, e outras razoáveis. É um polivalente.
 

Mathieu

É um bom jogador, Mathieu. Fez um bom jogo, no âmbito geral de ter jogado bem.
 

Fábio Coentrão

Regressou a uma casa que bem conhece e foi recebido com o carinho que se dedica aos filhos pródigos. A multidão em delírio presenteou-o com uma torrente de oferendas: soutiens, incenso, mirra, origamis, e até, numa das maiores manifestações de carinho que se pode mostrar a outro ser humano, um isqueiro! O espectáculo foi tão bonito que o próprio Coentrão não conteve a emoção e por duas ocasiões ajoelhou-se brevemente, sensibilizado, tentando dominar o pranto interior. Quanto ao jogo, ganhou mais lances do que perdeu, e acumulou alguns cortes decisivos, com o pé esquerdo, com a coxa e com outras partes extremamente legais da sua anatomia - anatomia essa, diga-se, em excelente estado clínico. O futebol português precisa de tranquilidade.
 

Solução Homeopática Diluída de Michael Thomas

Numa opção táctica inesperada, pois toda a gente contava com a titularidade de William Carvalho, Jesus apostou na supresa e deixou que Solução Homeopática Diluída de Michael Thomas se estreasse hoje em jogos competitivos. Não foi um jogo fácil para Solução Homeopática Diluída de Michael Thomas, que raramente se conseguiu impor no meio-campo, e no cômputo geral, pode dizer-se que Solução Homeopática Diluída de Michael Thomas não fez uma exibição positiva. Resta saber se esta estreia menos feliz de Solução Homeopática Diluída de Michael Thomas marcará o regresso de William Carvalho ao onze inicial, ou se, por outro lado, Solução Homeopática Diluída de Michael Thomas voltará a merecer mais uma oportunidade.
 

Battaglia

Uma primeira meia-hora intensa, muito envolvido na manobra ofensiva, usando a sua técnica de passe curto, mas certeiro, para iniciar várias combinações no meio-campo do Benfica. Com jogadores do Benfica. Alterou ligeiramente os seus princípios estratégicos na segunda parte, na medida em que conseguiu muitas vezes endossar a colegas de equipa as várias bolas que recuperou. Acabou por ser ele a cometer o penálti. Não recomendo a bebida Somersby, em termos de sabor.
 

Gelson Martins

Conseguiu por duas ou três vezes fugir à marcação de Grimaldo quando ensaiou diagonais para o meio ou quando foi desmarcado nas costas do lateral, mas (creio que com uma única excepção na segunda parte) não lhe ganhou um lance no 1 para 1. Essas raras incursões para o centro foram suficientes para inaugurar o marcador (aproveitando a sua estatura colossal e o seu internacionalmente reconhecido poderio no jogo aéreo) e para ter a segunda melhor oportunidade do jogo, ao minuto 42. Foi substituído, tal como o meu estado fisiológico, perto do fim.
 

Acuña

Um grande plano do seu rosto junto à linha lateral ao minuto  do jogo mostrou-o completamente transpirado. Outro grande plano do seu rosto junto à linha lateral ao minuto 39 mostrou-o completamente limpo desse nítido testemunho fisiológico. O que aconteceu ao suor de Acuña nesses 22 minutos? O que é que nos andam a esconder? Que mais vai ser revelado por leaks de informação na internet? Fica a questão. De resto, mostrou-se em belíssima sintonia com os adeptos leoninos presentes no estádio e em casa, artilhando proezas de tradução quase simultânea, convertendo bolas aparentemente controladas em suspiros, potenciais contra-ataques em insultos, e situações de superioridade numérica em cigarros acendidos na ponta de cigarros ainda acesos. Não há, por enquanto, razões para entrar em depressão, até porque, nos dias de hoje, nove milhões de euros não é uma quantia assim tão inflaccionada para pagar pelo que será (com bastante certeza) um futuro lateral-esquerdo.
 

Bruno Fernandes

Foi, por tão larga distância, o melhor jogador do Sporting esta noite, que a frase vai terminar assim, deixando importunada por adereços supérfluos a sua mensagem central, que é a Bruno Fernandes ter sido, por larga distância, o melhor jogador do Sporting esta noite.
 

Bas Dost

Muito útil a aliviar bolas altas da área na sequência de cantos do Benfica, foi também razoavelmente útil a disputar bolas altas na sequência de lançamentos laterais do Sporting. Continua, numa certa categoria de jogos nos quais se inclui o de hoje, a parecer uma aparição fantasmagórica que se materializou súbita e inesperadamente num mundo de protocolos alternativos e convenções indecifráveis, uma situação da qual a responsabilidade me parece apenas residualmente sua.
 

Bruno César

Entrou, sofreu duas faltas, cometeu uma, o que fazendo um rápido cálculo de cabeça (2-1=1) configura um resultado clara e triunfantemente positivo.
 

Bryan Ruiz

"Olha, vai entrar o Bryan Ruiz", disseram algumas vozes quando vislumbraram a sua figura junto à linha lateral. "O que raio é que se está a passar, em nome de Deus, Jesus e toda a porra de Santos que existem neste infernal buraco cósmico em que todos vivemos e morremos?", terão dito outra vozes. É desta multiplicidade polifónica que se faz uma comunidade de seres humanos.

 

publicado às 04:17

Futebol com humor à mistura (15)

Rui Gomes, em 18.12.17

 

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Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística à performance dos jogadores do Sporting no jogo com o Portimonense, a contar para a 15.ª jornada da Liga NOS. Como sempre, com humor e a brincar diz-se muitas verdades.

 

Rui Patrício

 

Encaixou o primeiro remate – fraco, rasteiro, à figura – pouco antes do intervalo. Foi o único. E foi mais um jogo em que estar Rui Patrício na baliza ou estar lá um cartaz pintado com as palavras “RUI PATRÍCIO” seria igual. É um caso tão exagerado de excesso de qualificações para a função que normalmente desempenha que a sua carreira nacional quase parece a de um daqueles exilados vocacionais, vítimas de forças macroeconómicas: o astrofísico bielorrusso que lava pratos em Oeiras, o neurocirurgião ucraniano que transporta baldes de massa em Almada – ou o guarda-redes campeão europeu que passa noventa minutos a trocar passes ocasionais com os colegas e a tentar evitar a hipotermia.

 

Cristiano Piccini

 

Ao minuto 29 fez um sprint de três milhões de metros para cancelar um contra-ataque de Nagasaki com um corte por trás. Aos 40, furou para zona interior perto da área do Portimonense e rematou, a centímetros do poste, com o pé que aqui há tempos usava quase exclusivamente para fazer alguns atrasos dúbios para Rui Patrício. Esse foi, já agora, apenas um de vários dribles bem sucedidos que acumulou ao longo da partida. Onde antes via a terra incognita da faixa ofensiva com o olho do explorador intrépido, Piccini vê-a agora com a placidez descontraída do turista que avalia criticamente algumas brochuras promocionais. Aquilo qualquer dia é tudo dele. E ele é nosso – por apenas 3 milhões de euros, como nunca será despropositado recordar.

 

Sebastián Coates

 

Deixou Nagasaki desmarcar-se nas suas costas sem conseguir fechar o ângulo de passe e com isso permitiu ao Portimonense a sua única oportunidade clara de golo. Tirando isso, teve pouco trabalho, pois as circunstâncias do jogo tornaram supérflua a sua magistratura de influência e preferiu nem sequer procurar em episódicas manifestações de virilidade as compensações dessa despromoção. Por duas ocasiões, adversários procuraram o contacto físico consigo, tentando sacar faltas. Coates limitou-se a abanar a cabeça, com um sorriso bem disposto; mas era visível uma expressão magoada, traída, no seu olhar: “Eu não vos esmigalhei os crânios com as minhas mãos nuas, e é assim que me pagam?”

 

Jérémy Mathieu

 

Logo aos seis minutos levou um duplo baile de Paulinho dentro da área, ficando estatelado no meio do chão, sem que a sua dignidade saísse minimamente beliscada do lance – pois a dignidade, mais do que uma condição, é um processo. Ninguém pode ficar à espera de ter dignidade; é preciso trabalhar, e por vezes agir como se a dispersão da mesma fosse um jogo de soma zero (o que talvez explique o episódio ao minuto 73 quando, com várias outras opções disponíveis, Mathieu decidiu ganhar um lançamento lateral atirando a bola meticulosamente contra o nariz de um adversário). Quanto ao resto: é uma apólice de seguro com pernas, e uma das pechinchas da época.

 

Fábio Coentrão

 

Aos 41' recuperou uma bola no choque usando toda a sua clinicamente comprovada saúde, saiu a jogar, combinou com não sei quem, e foi concluir o lance à grande área, onde tentou marcar um golo de cabeça: aos dezassete dias do mês de dezembro de 2017, é este o estado de coisas no que diz respeito a Fábio Coentrão, uma pré-anunciada lesão ambulante que teima em não se materializar.

 

William Carvalho

 

Melhor jogo das últimas semanas – o facto de ter ocorrido durante os melhores primeiros 45 minutos da equipa em casa esta época não será mera coincidência – e algumas entradas promissoras para a sua futura colecção de gifs. Ao minuto 25, por exemplo, sem uma linha recta acessível para executar o passe que idealizara, teve de improvisar um balão para isolar Podence na linha. Ou o do minuto 47, em que um jogador do Portimonense tentou ingenuamente fintá-lo e pareceu chocar contra um bisonte em contramão. Ou o do minuto 87, em que fez uma vénia para abrir espaço à passagem da bola por trás do seu pescoço de forma a ir imobilizá-la com a canela ao outro lado, só porque sim.

 

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Bruno Fernandes

 

Abriu as hostilidades ao segundo minuto com um passe longo para Podence que só pecou por partir tacitamente da premissa que Podence podia convertê-lo em golo. Alguns minutos depois, decidiram inverter os papéis e a coisa correu melhor. Deve, no entanto, ter custado imenso a Bruno Fernandes marcar um golo tão perto da baliza, e passou o resto do jogo a tentar rectificar o que certamente acredita ter sido uma fraqueza moral da sua parte. Tentou marcar quase junto à bandeirola de canto. Tentou um pontapé de bicicleta. Durasse o jogo mais tempo e era capaz de tentar um chapéu com a omoplata atrás da linha de meio-campo.

 

Gelson Martins

 

Quando combina com Podence à velocidade média de ambos, há três maneiras de a jogada acabar: um lance de perigo; uma falta sofrida; ou um erro não forçado cometido por um deles no momento de definição. O que não costuma acontecer é alguém tirar-lhes a bola por mérito próprio. Nesse sentido, Gelson cumpriu hoje uma noite de desequilíbrios democráticos, que acabaram por afectar toda a gente por igual: colegas, adversários, público, treinador. Mais rápido que toda a gente, por vezes dá ideia de apanhar de surpresa até a realidade material, que não reage às suas ideias com a celeridade necessária para evitar escorregões e derrapagens. Ao minuto 72, conseguiu meter a bola no único sítio possível para não ser golo, truque que viria a repetir ao minuto 85. Conseguir desequilibrar tantas vezes, mesmo quando poucas coisas lhe correm bem, acaba por ser uma medida da sua qualidade intrínseca – e da justificada paciência que por vezes é preciso ter com aqueles últimos passes.

  

Marcus Acuña

 

Segundo a teoria de que o nível das suas exibições é inversamente proporcional ao seu nível de cansaço – joga melhor quando está exausto – pode concluir-se que hoje acordou fresquinho e cheio de saúde. O índice da sua desinspiração é o lance ao minuto 33, quando tinha vinte metros de espaço vazio à sua frente para correr e optou por fazer um passe longo para o meio, obrigando Podence a receber a bola de costas e rodeado por um exército de terracota. Na segunda parte ainda ensaiou dois sprints pela faixa, mas acabou por ser substituído quando se tornou óbvio que estava insuficientemente fatigado para as coisas melhorarem.

 

Daniel Podence

 

Primeira jogada de perigo do encontro e tudo aquilo que se pode esperar de Podence: excelente a imaginar a eficácia da desmarcação, excelente a aplicar a velocidade necessária, excelente no primeiro toque (de peito), excelente no segundo toque (com o pé, a preparar o remate)... e depois o remate, que não sendo propriamente horrível, foi aquilo que todos os remates de Podence costumam ser: inofensivos. No que ele é bom – a receber e virar, a sair do meio para as costas dos laterais, a cruzar, ou a desmarcar colegas na vertical – é realmente bom, e com a vantagem adicional de ser realmente bom a 100 à hora. Desde que nunca mais na vida tente rematar à baliza tem uma grande carreira pela frente. Um reparo para a maneira como usou a sua pouco ética escassez de centímetros para agredir a mão de Hackman com o rosto, um gesto muito feio que escapou à alçada disciplinar do árbitro.

 

Bas Dost

 

Depois de um remate à figura, de um cabeceamento ao lado, e da jogada em cima do intervalo em que um defesa lhe evitou um golo em cima da linha, a grande dúvida para a segunda parte era saber que parte do estádio iria Dost pontapear com raiva quando marcasse o inevitável golo. A bandeirola de canto? Um pedaço solto de relva? Um painel publicitário? Um poste da baliza? A solução de compromisso foi uma explosão de vernáculo que cada vez tem mais condições para ser bilingue.

 

Bruno César

 

Ganhou uma falta ao minuto 71, através da aplicação das suas reconhecidas habilitações ao nível do drible curto e da mudança de velocidade na óptica do utilizador.

 

Rodrigo Battaglia

 

Entrou para precaver a hipótese perturbante de a equipa marcar o 3-0 e ser portanto necessário defender desesperadamente esse perigoso resultado nos últimos minutos, uma situação que os colegas acabaram por evitar sozinhos.

 

Bryan Ruiz

 

Um dos poucos jogadores esta noite a não falhar uma oportunidade de golo.

 

publicado às 04:10

Futebol com humor à mistura (14)

Rui Gomes, em 11.12.17

 

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Rogério Casanova, jornal Expresso, e a sua usual análise humorística à performance dos jogadores do Sporting, esta do jogo da 14.ª jornada diante do Boavista, no Bessa. Como sempre, com humor e a brincar diz-se muitas verdades:

 

Rui Patrício

Mais um jogo a líbero, mais um jogo em que as pequenas criaturas olhavam dos centrais para o guarda-redes e do guarda-redes para os centrais, mas já era impossível distinguir quem era central e quem era guarda-redes. Embora, na sua forma actual, talvez fosse preferível ser ele e não Coates a tentar fintar avançados à entrada da área.
 

Piccini

O seu valor é de uma estabilidade tão grande nestes tempos de incerteza que começa a ser ridículo encarar a sua cotação como flutuante. Aliás, é uma questão de tempo até aparecerem maluquinhos na Internet a defender a organização das economias mundiais num regime cambial de padrão-Piccini, em que uma autoridade monetária é obrigada a possuir Piccinis suficientes para converter todo o dinheiro representativo que emite em Piccinis, de acordo com taxas de câmbio fixas. Neste sistema, seria a quantidade de reservas de Piccinis de cada país a determinar a sua oferta monetária. Depois, se um país for superavitário na sua balança de pagamentos, deve importar Piccinis de países deficitários, elevando a sua oferta interna de moeda, e levando a uma expansão da base monetária. Caso tenha uma balança comercial deficitária, exportaria então Piccinis, sofrendo a respectiva contracção monetária e aumentando a competitividade de seus produtos no exterior. Não sei, quer dizer, já ouvi ideias piores.

 

Coates

São legíveis no seu rosto os vestígios do ancestral combate entre o instinto animal e o protocolo social. O instinto diz-lhe para pegar numa submetralhadora MP5 da Heckler & Koch e despejar uma rajada ininterrupta de metal fundido na direcção de um jogador do Boavista, sacundindo-lhe o cadáver numa tarantela blasfema sob a torrente de balas até nada restar a não ser um charco de espuma carmesim no relvado, com alguns farrapos dispersos de Rochinha lá no meio. Mas as pressões da sociedade dizem-lhe para fazer antes um corte em carrinho e ver o consequente cartão amarelo, ou então para o tentar fintar à entrada da área e perder a bola. Mesmo que nem sempre se tome a decisão mais correcta, é nestes impulsos contraditórios - e nas respectivas lições - que se forma o carácter humano.
 

Mathieu

Um jogo - mais um - à altura de uma parábola Zen: «O Sporting foi ter com um monge sábio que se retirara para meditar e perguntou-lhe: 'Mestre, qual o caminho que devo seguir?' E o monge sábio respondeu-lhe "a luz do amor é como um relâmpago, mas a luz da sabedoria é como um cometa. E metal do arado que lavra a terra é o mesmo da espada que deixa a água incólume". E enquanto o discípulo fez uma vénia e ficou a reflectir sobre o assunto, o jogo já estava ganho, e a equipa provisoriamente em primeiro lugar.
 

Fábio Coentrão

Travou o que se costuma chamar "um duelo interessante" com Kuca, um daqueles extremos chatos que nunca param quietos e que, por algum motivo, têm quase sempre tranças. Fez o primeiro remate da equipa, que saiu por cima, levando-me de imediato a fazer o único comentário que a situação exigia: "Mas este gajo remata à baliza porquê? Ele alguma vez marcou um golo sequer?".
 

William Carvalho

Porque é que as coisas acontecem como acontecem dentro de campo? Ninguém sabe, nem nunca ninguém soube. Um dos efeitos colaterais curiosos do actual momento de forma de William é que acaba por reforçar a ideia de causalidade, denunciando um jogo repleto de ecos, relações, processos, movimentos - mas fá-lo denunciando ao mesmo tempo essa causalidade como refém perpétua de forças que lhe escapam, deixando-a assim suspensa no território indeterminado entre a Razão e o Desconhecido, e entretanto pelo menos até Domingo à noite estamos isolados no primeiro lugar, portanto não pensem mais nisto.
 

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Gelson Martins

Talvez por ser o jogador mais capacitado para o fazer, foi também o primeiro a perceber que alguém tinha urgentemente de começar a deixar jogadores do Boavista para trás, de forma a evitar que nos aparecessem tantos jogadores do Boavista à frente. O facto de esse esquema revolucionário o ter deixado muitas vezes sozinho (já que os colegas ficavam também eles para trás) não foi especialmente problemático, pois Gelson é uma pessoa paciente, além de que pode aproveitar esses momentos de solidão para descansar. Um grande slalom individual (o quarto na partida) já nos descontos, foi uma lição de como defender desesperadamente um resultado perigoso nos últimos minutos: fintar depois da linha do meio-campo, e não antes; e a finta ser feita por Gelson e não por Coates.

Bruno Fernandes

Fez a exibição possível para alguém que dá todas as indicações físicas de ter saído de uma unidade de cuidados intensivos cinco minutos antes de o jogo começar. O talento não é propriamente afectado, apenas a velocidade a que opera. Bruno Fernandes demora mais três quartos de segundo a pensar no que vai fazer a seguir, e entretanto já um ou outro chato do Boavista lhe cancelou os planos. A fadiga - física e mental - acumulada foi óbvia para todos, excepto talvez para Alan Ruiz, que assistiu do banco boquiaberto a esta demonstração de energia, agilidade e rapidez de execução. Útil nas bolas paradas, residualmente melhor na segunda parte do que na primeira, foi substituído só a cinco minutos do fim. "Até que enfim", pensaram os adeptos. "Este gajo precisa é de descanso". "Incrível", pensou Alan Ruiz, "como ele se mexe!"
 

Bruno César

Um médio-ala pós-moderno, na medida em que apenas finta, cruza ou remata ironicamente. Criou a melhor oportunidade da equipa nos primeiros 25 minutos de jogo, e fê-lo sem sequer tocar na bola (desviou-se para deixar a bola chegar a Coentrão). Ainda voltou a não tocar na bola várias vezes, mas sem o mesmo sucesso. Aliás, as vezes em que tocou na bola e as vezes em que não tocou na bola tiveram, daí em diante, resultados equivalentes.
 

Daniel Podence

Estreou nos relvados o seu novo visual - um cruzamento estilístico entre o Dunga dos Sete Anões e um teledisco do Billy Idol - e passou quarenta e quatro minutos essencialmente a dancing with himself. Quando finalmente concluíu que nada lhe estava a sair bem à primeira, deu-lhe um assomo de perfeccionismo e decidiu repetir a mesma acção várias vezes (no caso, uma finta no corredor direito) até a mesma atingir o ponto, altura em que fez o único cruzamento decente do jogo inteiro para Coentrão inaugurar o marcador. Na segunda parte, antes de sair, ainda voltou a desenhar uma jogada de golo que Dost preferiu não aproveitar. Com altos e baixos, o certo é que vai sendo decisivo.
 

Bas Dost

Eis o milagre da conversão brusca da matéria: de um lado o material em bruto, informe (uma esfera, perdida no ar), do outro, o objecto perfeito, humano, acabado (a bola dentro da porra da baliza); e entre os dois extremos nada, a não ser um trajecto quase invisível de sublimação, vigiado e fiscalizado apenas por Bas Dost, uma mistura de autómato, demiurgo e melhor pessoa do mundo de todos os tempos.
 

Marcus Acuña

Nos seus pés, o cruzamento continua a ser um signo que, semiologicamente falando, opera excessivamente, desacreditando-se ao expor de forma tão óbvia a sua finalidade. Mas o canto que deu origem ao 0-2 foi ganho por ele, e não seria, numa reprodução exacta das mesmas circunstâncias, ganho por muitos outros jogadores.
 

Rodrigo Battaglia

Entrou para recuperar bolas e foi exactamente o que fez, que os tempos não estão para desobedecer a ordens.
 

publicado às 09:57

Futebol com humor à mistura (13)

Rui Gomes, em 02.12.17

 

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Rogério Casanova, jornal Expresso, com a sua análise humorística da performance dos jogadores do Sporting no jogo da 13.ª jornada da I Liga. Com humor e a brincar, diz-se muitas verdades...

 

Rui Patrício

Como o participante mais passivo num jogo de Cluedo com a cronologia invertida, Patrício voltou a passar o tempo tentando adivinhar a solução do crime que costuma ocorrer nos últimos minutos, e que consiste em fazê-lo sofrer um golo após um jogo inteiro sem trabalho algum. Quem seria hoje? Quem, onde e como? O mordomo, com um punhal, na biblioteca? O Pereirinha, com um charuto, nos descontos? Incaracteristicamente, a Ordem e a Justiça prevaleceram.

 

Piccini

Aquele corte de cabeça a um cruzamento do corredor contrário ao minuto 23? Ou o desarme simples e higiénico quando apanhou um adversário de frente no 1x1 dentro da área ao minuto 31? Ou a paragem de peito a controlar um pontapé de baliza aos 58? Tudo coisas simples. Tudo episódios cumulativamente avaliáveis em 3 milhões de euros. Tudo frases não podiam ser escritas sobre laterais-direitos do Sporting até este ano. Mais do que qualquer outro futebolista contemporâneo, Cristiano Piccini faz-me querer fumar menos cigarros.

 

Sebastián Coates

A reificação de um poder estrutural que deriva a sua eficácia totalizante de um sistema interseccional de relações de domínio e submissão, permitindo que o estatuto de subordinação dos indivíduos do Belenenses ao heteropatriarcado fosse de tal forma internalizado que na verdade Coates não precisou de exercer conscientemente os seus privilégios para sair triunfante das várias interacções sociais, sobrando-lhe inclusive tempo de lazer para ir lá à frente duas vezes brincar aos avançados.

 

Jérémy Mathieu

Exibe a serenidade de um prestigiado faquir oriental em pleno exercício das suas místicas funções, sejam estas levitar, engolir cacos de vidro ou evitar chatices na área. Ainda assim não foi dos seus jogos mais brilhantes, e acumulou dois ou três lances esquisitos no último quarto de hora. Ao minuto 83, por exemplo, subiu em posse de forma esquisita, perdeu a bola de forma esquisita e acabou por ver amarelo, depois de cometer uma falta esquisita. Foi a sua maneira de perguntar, como Shylock “Se me picarem, não sangro eu? Se me fizerem cócegas, não desato a rir?” não vá a gente pensar que o homem não é homem, nem humano.

 

Fábio Coentrão

Cumpriu os noventa minutos pelo segundo jogo consecutivo, e com um fôlego que nem sequer permitiu ao espectador mais ansioso pensar em problemas musculares. Deu, no entanto, demasiado espaço a Diogo Viana na primeira meia-hora, deixando-o rematar ou cruzar por três ocasiões. E mesmo no ataque foi menos influente do que é hábito, estragando algumas combinações promissoras não com más decisões, mas com execuções deficientes, sugerindo que os recentes elogios a Zeegelaar em Inglaterra podem ter afectado a sua solidez psicológica. Se for esse o caso, posso garantir-lhe que não está sozinho.

 

William Carvalho

Jogando bem ou mal (hoje terá jogado mais ou menos), transmite sempre a sensação de existir fora do tempo. Uma atemporalidade que por vezes o leva a transcender a natureza efémera das circunstâncias do jogo, e por vezes o isola dentro delas. Ao minuto 40 fez um passe intrigante para um painel publicitário, num gesto que foi em simultâneo uma comovente manifestação de solidariedade com um colega de selecção e também um gesto modernista, mostrando-nos o medo numa mão cheia de pó. Soltou-se mais na segunda parte, conduziu alguns contra-ataques, e teve a serenidade necessária, quando confrontado com uma oportunidade de golo, para não alargar uma vantagem que deixaria toda a gente nervosa.

 

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Bruno Fernandes

Impecável na recepção orientada seguida de abertura rápida para um flanco. Menos rigoroso quanto variou a metodologia (tentando a progressão em drible ou o passe longo), falhando tantas vezes como as que acertou. Com a entrada de Battaglia, subiu no terreno e começou a tentar o remate de fora da área com uma veemência que cada espectador – no estádio ou em casa – comprendeu perfeitamente. Estamos a chegar ao ponto em que, quando voltar a conseguir um golo num remate de longe, corremos o sério risco de Bruno assassinar alguém na euforia dos festejos.

 

Gelson Martins

É cansativo, é tudo muito cansativo, produzindo por isso, e consequentemente, cansaço. Gelson chegou ao fim do jogo cansado, tal como os colegas, tal como os adversários, tal como eu, tal como vocês. Anda ali de um lado para o outro a esfalfar-se, tenta uma coisa, tenta outra, percebe que não vai ser assim, volta para trás, volta a tentar – numa espiral que este parágrafo percebe perfeitamente, como podem reparar. A procura de desequilíbrios, na relva ou no parágrafo, é uma actividade desgastante, às vezes precisamos todos de descansar um bocadinho.

 

Marcus Acuña

Um remate de primeira com o pé esquerdo e um remate de primeira com o pé direito foram a soma da sua contribuição ofensiva relevante. De alguém para quem o andamento e a rotatividade representam 50% do orçamento qualitativo, é natural que pareça metade do jogador que é após uma paragem. Além disso, apanhou Pereirinha pela frente, factor que compreensivelmente desperta muito menos o instinto competitivo e muito mais a curiosidade antropológica.

 

Daniel Podence

Como qualquer agente vanguardista, a sua violência tem sempre um alvo duplo: os filisteus adversários são alvo da violência estética; mas a violência moral é contra a sua própria casta, da qual recebeu o paradoxal encargo da auto-contestação. Nas suas esporádicas aparições a titular, Podence mostra-se sempre capaz de acelerar o metabolismo da equipa, que hoje, e não pela primeira vez, lhe deve directa ou indirectamente as melhores manobras colectivas. Foi o melhor em campo na primeira parte, e o posterior eclipse (já uns minutos antes da substituição) redistribuiu igualitariamente a qualidade exibicional da equipa, que passou toda a jogar ao mesmo nível, com a pulsação 15 batidas mais baixa.

 

Bas Dost

Falhou um golo de cabeça logo ao segundo minuto, mas seria ele a inaugurar o marcador, num penalty que o fez chegar ao golo 50 com a camisola do clube – e seguido de uma celebração indicativa de que descartou definitivamente os abraços personalizados, aderindo agora a uma política de festejos estritamente comunista. Na 2ª parte tentou ser a diástole da equipa – relaxando-lhe os ventrículos e promovendo uma circulação serena sempre que a bola lhe chegava em condições. Já era um grande ponta-de-lança quando chegou, mas é cada vez mais um grande jogador.

 

Rodrigo Battaglia

Impediu que acontecessem coisas graves. Pelo menos em Alvalade. No outro estádio não, a julgar pela algazarra que aqui vai no café.

 

Bryan Ruiz

Uma primeira intervenção promissora, ganhando um ressalto e desenhando uma combinação que viria a resultar num canto. A cinco minutos do fim, rematou a bola para uma baliza onde o guarda-redes já não estava. Exactamente. Foi isso mesmo. Uma simetria entusiasmante, daquelas que quase nos convencem que as variáveis secretas do Universo, no conforto da sua privacidade inacessível, respeitam as mesmas leis que nos regem.

 

Bruno César

Entrou para marcar um pontapé de canto e para ceder um pontapé de baliza, tarefas que cumpriu por esta ordem, e no pleno respeito dos termos e condições do contrato.

 

publicado às 04:56

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