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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Em 1981-82, o jogo em Alvalade com o Rio Ave na penúltima jornada para o Campeonato foi de festa pelo título de campeão garantido no domingo anterior no Estoril. Quando os jogadores surgiram à boca do túnel o barulho dos gritos e das buzinas tornou-se infernal. Com o Estádio completamente cheio, ao som de aplausos intermináveis, num entusiasmo indescritível, o plantel leonino entrou em campo oferecendo ramos de flores aos adeptos. No centro do terreno, fizeram-se fotografar jogadores, equipa técnica e médica e dirigentes ligados ao departamento de futebol.
Apesar do ambiente festivo, o Sporting iniciou o jogo com o “pressing” agressivo habitual. O adversário portador da bola tinha sempre dois ou até três sportinguistas por perto. “Vive como um leão, joga como um leão”, dizia constantemente Malcolm Allison. Nem o primeiro golo de Jordão aos 8 minutos, a corresponder a uma assistência perfeita de Lito, acalmou os jogadores leoninos. O angolano estava em disputa da “Bola de Prata” com o portista Jacques e não havia motivos para abrandar o ataque à baliza vila condense. No banco, Allison gritava “go forward, go forward” (“para a frente, para a frente”).
Mesmo com Oliveira ausente por se ter lesionado com o Boavista algumas jornadas antes, o Sporting dominou o jogo com Manuel Fernandes, Jordão e Lito num triângulo ofensivo de enorme eficácia suportado por um meio campo operativo e uma defesa de betão. Os leões venceram folgadamente por 7-1 e por cada golo o Estádio quase que ia abaixo com a euforia dos adeptos, já a imaginar a loucura que seria a invasão do relvado logo depois do apito final do árbitro.
Ficha de jogo:
Campeonato Nacional (29ª jornada)
Sporting 7 - Rio Ave 1
Estádio de Alvalade, 16 de Maio de 1982
Árbitro - Agostinho dos Santos (Leiria)
Sporting - Ferenc Mészáros, Virgílio, Bastos, Eurico, Barão, Marinho, Ademar, Lito, Mário Jorge, Manuel Fernandes e Rui Jordão
Treinador - Malcolm Allison
Rio Ave - Trindade, Dias, Baltemar Brito, Sérgio, Duarte, Cabumba, José Manuel, Adérito, Quim, Paquito e Álvaro Soares
Treinador - Mourinho Félix
Marcadores - Rui Jordão (8’, 25’,39’, 75’ g.p. e 85’), Manuel Fernandes (30’ e 50’) e Álvaro Soares (65’)
A equipa leonina de 1981-82 é uma das melhores de sempre do Sporting. A época anterior tinha sido desastrosa, e o presidente João Rocha considerou que para o cargo de treinador teria de haver uma decisão inesperada e ousada. Tendo falhado a intenção de contratar José Maria Pedroto, seguiu uma sugestão de John Mortimore e foi buscar Malcolm Allison. O plantel era muito forte, a Manuel Fernandes, Jordão, Eurico, Carlos Xavier, Mário Jorge, Inácio, Ademar, Freire e Nogueira, acrescentou António Oliveira e Mészáros.
Os métodos de treino, a filosofia de jogo e a cultura desportiva de Allison deram “asas” ao triângulo ofensivo formado por Oliveira, Manuel Fernandes e Jordão. Atrás deles havia um meio campo operário e uma defesa de betão. Do treinador contaram-se inúmeras histórias, fascinantes, umas, inverosímeis, outras. Houve quem falasse de conflitos de egos entre as três estrelas da equipa, mas o Sporting conquistou o Campeonato e a Taça. Em Alvalade, o ambiente era vibrante. O Estádio estava sempre cheio.
Na pré-época de 1982-83, João Rocha cometeu talvez o maior erro da sua gestão ao despedir “Big Mal” durante o estágio na Bulgária. Um caso nunca esclarecido que originou grande instabilidade na equipa de futebol. O presidente suspendeu o técnico, despediu-o pouco depois, e António Oliveira foi escolhido para treinador-jogador. Depois de ter conquistado a sua quinta “dobradinha”, o Sporting iniciou a fase que o conduziria a um longo jejum de títulos no Campeonato Nacional.
Na fotografia, a equipa leonina que venceu o Red Boys (Luxemburgo) por 4-0 em Alvalade para a Taça UEFA.
Há determinadas frases que ficam na nossa memória por terem sido pronunciadas por alguém icónico num determinado momento histórico. É o caso da célebre afirmação “Por cada leão que cair outro se levantará!” feita por António Oliveira dias depois de se ter lesionado no Bessa em vésperas de um jogo crucial com o Benfica no Estádio de Alvalade. O campeonato podia ficar decidido nesse dérbi.
No Boavista - Sporting disputado em 20 de Março de 1982, para a 22ª jornada, as coisas correram da pior maneira para a equipa leonina. Perdeu o jogo e o concurso de Oliveira, um dos “imprescindíveis” na estratégia delineada por Malcolm Allison, e que só voltaria a jogar no final da época. Esteve presente nas partidas com o Amora e o Estoril-Praia, nunca fazendo os 90 minutos completos.
Durante a semana o ambiente não era o melhor em Alvalade, onde Oliveira se apresentou com a perna direita engessada. A vantagem de cinco pontos sobre o Benfica permitia alguma “folga”, mas o empate e a derrota nas duas jornadas anteriores constituíam motivo de preocupação. Foi então, em 22 de Março, que numa entrevista ao repórter Francisco Rosa de “A Gazeta dos Desportos” o jogador sportinguista afirmou que “eu caí, mas outros vão levantar-se”. E concluiu garantindo que “se eu não jogar outro jogará tão bem ou melhor do que eu”.
Estas terão sido as palavras exactas de Oliveira segundo o jornalista Daniel Reis, então subchefe da redacção da Gazeta. De acordo com a sua versão, no jornal alteraram a frase original por outra ainda mais incisiva e que ficou imortalizada na memória de todos os sportinguistas e numa placa de mármore colocada no antigo Estádio: “Por cada leão que cair outro se levantará!”. Na placa consta a data de 16 de Maio de 1982, dia da vitória no jogo com o Rio Ave, na penúltima jornada, quando o Sporting garantiu a conquista do título de campeão nacional.
Na fotografia, Oliveira lesionado no Boavista - Sporting em 20 de Março de 1982.
Malcom Allison foi o mais heterodoxo de todos os treinadores do Sporting nas últimas décadas, talvez mesmo em toda a história do Clube. Com a sua filosofia de jogo, métodos de treino e cultura desportiva criou com António Oliveira, Manuel Fernandes e Rui Jordão um triângulo ofensivo de enorme eficácia, suportado por um meio campo operativo e uma defesa de betão. Jogadores e adeptos contam inúmeras histórias sobre ele, fascinantes, umas, e inverosímeis, outras, que Gonçalo Pereira Rosa recordou (e acrescentou) no livro “Big Mal & Companhia”.
Carlos Xavier, campeão nacional em 1981-82, descreveu os dias dos jogos da seguinte maneira: “Quando jogávamos em Alvalade chegávamos ao Estádio às 10h30 e almoçávamos a essa hora. Até ao jogo, ficávamos no Estádio à espera de entrar em campo. Quando íamos a caminho do relvado já estávamos em pele de galinha, porque o mister Allison entrava em campo antes de nós e era um espectáculo dentro do próprio espectáculo. Dava a volta ao campo com o braço no ar a segurar o inconfundível chapéu. Os adeptos deliravam e nós também. Houve uma altura em que até havia música ao vivo e se tocava o Comanchero. Alvalade sempre teve ambientes apaixonados, mas aquilo era outra coisa. O Estádio ia abaixo.”
Com Allison o jogo começava muito antes da hora marcada. O objectivo dele era retirar a pressão de cima dos jogadores quando entravam em campo com Manuel Fernandes à frente, que aquela mescla de artistas e operários, convictos da superioridade e desejosos do confronto, se transformasse numa máquina capaz de triturar a equipa adversária. O barulho no Estádio era ensurdecedor e a caminhada no túnel de Alvalade a alegoria que conduziria à vitória e à glória. “A entrada em campo era especial”, diria depois António Oliveira.
“O tempora, o mores”
“No tempo em que os animais falavam nem calculam a confusão que era. Os lobos imitavam a voz dos homens, os homens imitavam a voz dos lobos, os cães imitavam a voz dos donos, os gatos imitavam a voz dos cães, os ratos imitavam a voz dos gatos e a raposa, do lado de fora das redes da capoeira, imitava a voz das galinhas…” (António Torrado)
… e no futebol, nesse tempo, também se verificavam coisas verdadeiramente invulgares e de espantar: nas Antas, no último jogo do Campeonato de 1981-82, os jogadores do Porto cumprimentam desportivamente os do Sporting que tinham conquistado o título de campeão nacional na jornada anterior. Por também terem vencido a Taça de Portugal (4-0 ao SC Braga), os leões conseguiram a “dobradinha” nessa época. O treinador era Malcolm Allison.
(“O tempora, o mores”, frase latina que significa “oh tempos, oh costumes”.)
“Big Mal”
O Sporting teve uma temporada desastrosa em 1980-81. Praticamente, o pior aconteceu em todas as provas em que participou. Para a época seguinte, o presidente João Rocha considerou que para o cargo de treinador teria de haver uma decisão inesperada e ousada. Tendo falhado a intenção de contratar José Maria Pedroto, seguiu uma sugestão de John Mortimore e foi buscar Malcolm Allison. O plantel era forte. A Manuel Fernandes, Jordão, Eurico, Carlos Xavier, Bastos, Inácio, Mário Jorge, Ademar e Nogueira, entre outros, acrescentou António Oliveira e Ferenc Mészáros.
“Big Mal” foi o mais heterodoxo de todos os treinadores do Sporting das últimas décadas, talvez mesmo incomparável em toda a história do Clube. Jogadores e adeptos contam inúmeras histórias a propósito dele, fascinantes, umas, e inverosímeis, outras. Com os seus métodos de treino, filosofia de jogo e cultura desportiva formou com Oliveira, Manuel Fernandes e Jordão um triângulo ofensivo inesquecível, um meio campo operário e uma defesa de betão. Houve sempre uma história de conflitos de egos entre as três estrelas da equipa, mas o Sporting conquistou o Campeonato e a Taça de Portugal.
Em Alvalade os jogos começavam vinte minutos antes da hora marcada quando Malcolm Allison ascendia ao nível do relvado junto da Bancada Superior Sul. O efeito era poderoso. Carlos Xavier contou mais tarde que “quando íamos a caminho do relvado já estávamos em pele de galinha, porque o Allison entrava em campo antes de nós e era um espectáculo dentro do próprio espectáculo. Dava a volta ao campo com o braço no ar a segurar o inconfundível chapéu. Os adeptos deliravam e nós também. Houve uma altura em que até havia música ao vivo e se tocava o Comanchero. O Estádio ia abaixo”.
Na pré-época de 1982-83, João Rocha cometeu talvez o maior erro da sua gestão ao despedir “Big Mal” durante o estágio na Bulgária. Uma história nunca esclarecida que terá gerado grande instabilidade e indisciplina na equipa de futebol. O presidente suspendeu o técnico, despedindo-o pouco depois, e António Oliveira foi nomeado jogador-treinador. Depois de ter conquistado a sua quinta “dobradinha”, o Sporting terá iniciado a fase que o conduziu à secundarização desportiva no futebol nacional.
Nogueira, um “carregador de piano”
Há jogadores de futebol que são grandes pela importância que assumem na sua equipa. Não serão necessariamente excepcionais, mas imaginamo-los sempre a ligar a equipa, a organizar e a comandar o jogo para a grande área adversária. Esses têm de jogar (quase) sempre. O bravíssimo António Nogueira foi uma figura incontornável do Sporting que conquistou o título de campeão nacional em 1981-82.
Nogueira chegou a Alvalade já com trinta anos de idade, onde esteve nas épocas de 1981-82 e 1982-83. Nessa altura possuía uma carreira longa de futebolista com passagens pelo Atlético (o seu primeiro clube), Braga, Boavista e Belenenses. Depois do Sporting ainda jogou no Recreio de Águeda.
No Sporting foi um “carregador de piano” de grande utilidade, fazendo o meio campo com Ademar e Virgílio. Sabendo que o ataque leonino era constituído por António Oliveira, Manuel Fernandes e Rui Jordão percebe-se melhor a importância de uma linha média assim batalhadora e operária.
A presença de Nogueira transmitia respeito. Com aquele bigode e cabeleira fazia lembrar o Rocha da série “Duarte e Companhia”. Mas, a ‘dobradinha’ (Campeonato Nacional e Taça de Portugal) dos leões na época de 1981-82 também se deve ao seu dinamismo inesgotável, à direita, ao centro, à esquerda, atrás ou à frente. Ele era o cimento que ligava aquilo tudo.
O treinador Malcolm Allison considerava-o essencial na estratégia do jogo da equipa e chegou a afirmar que havia dois génios no plantel leonino: António Oliveira e António Nogueira. Na realidade, no ano da ‘dobradinha’ Big Mal não prescindia dele pois esteve em vinte e quatro jogos para o Campeonato e em todos para a Taça de Portugal.
Nogueira era um verdadeiro jogador de equipa. Na fotografia uma equipa leonina da época de 1981-82:
Em cima - Eurico, Jordão, Meszaros, Virgílio, Inácio e Oliveira;
Em baixo - Lito, Carlos Xavier, Barão, Manuel Fernandes e Nogueira.
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