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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Szabo e a táctica
Joseph Szabo era de uma dedicação extrema ao trabalho. Exigente, preparava com minúcia a táctica da sua equipa antes dos jogos. Foi sempre assim, mas tornou-se ainda mais meticuloso depois do estágio no Arsenal de Londres em 1935.
O treinador húngaro utilizava uns bonecos que colocava num tabuleiro a imitar um campo de futebol onde explicava a táctica do jogo, como os jogadores se deveriam colocar e organizar em campo e as características da equipa adversária. Fernando Peyroteo escreveu nas suas "Memórias" (1957) que, noutras ocasiões em que não tinha o tabuleiro, Szabo "pegava num lápis e num papel, onde marcava bolinhas e cruzinhas indicativas das posições dos companheiros e adversários".
Um dia, no Sporting, os jogadores tinham comprado bilhetes para uma 'matinée' no cinema e Peyroteo atreveu-se a dizer qualquer coisinha por causa de uma prelecção táctica de Szabo que parecia não ter fim. A resposta do Mestre foi pronta e definitiva: "Senhor Fernando, o seu cinema é este". Foi outra a 'matinée' dos atletas leoninos.
FC Porto - Sporting (1940)
Lição de vida
O FC Porto ganhou o Campeonato Nacional em 1939-40, ficando o Sporting em 2º lugar. A fotografia refere-se ao clássico disputado no Campo da Constituição em Fevereiro de 1940, que rebentava pelas costuras. Na imagem, o guarda-redes portista Rosado parece agarrar a vitória, perante a inoperância dos sportinguistas. O Sporting não venceu qualquer das competições em que participou.
Essa época encerrou uma grande lição para o Sporting. O presidente Joaquim Oliveira Duarte pretendeu demitir o Mister Joseph Szabo porque, afinal, ele não estaria a corresponder às expectativas. No entanto, Peyroteo convenceu o dirigente leonino a manter o treinador. A nova época foi absolutamente vitoriosa: os leões conquistaram o Campeonato Nacional, a Taça de Portugal e o Campeonato de Lisboa, dando início a um período de hegemonia no futebol português.
Não será inédito mas decerto deveras invulgar que o jornal A Bola publique uma capa tão elogiosa do Sporting. Talvez se fique a dever ao facto das atenções estarem focadas no seu velho "amigo" Jorge Jesus, quase como por força de hábito.
De qualquer modo e mais importante - bem espero que a informação esteja correcta, porque não me dei à tarefa de a confirmar - o "quasi-oficioso" porta voz do clube do outro lado da Segunda Circular reporta hoje que Jorge Jesus é o primeiro treinador do Sporting em 62 anos a vencer quatro clássicos consecutivos sobre o Benfica e FC Porto. Proeza que não se verificava para os lados de Alvalade desde 1953/54, quando Joseph Szabo levou o Sporting a semelhante feito.
A questão que fica no ar é se esta realização se afigura com um bom presságio para o que poderá vir a acontecer no mês de Maio. Esperamos que assim seja !
Nota: Não apenas por mera coincidência, decerto que o leitor teve a oportunidade de ler o excelente artigo que o nosso colega redactor Leão Zargo publicou este sábado, intitulado O primeiro clássico de Szabo No Sporting, referente a 1937, em que os "leões" derrotaram o FC Porto por 9-1. Isto, durante o primeiro e glorioso consulado de Joseph Szabo em Alvalade, de 1937 a 1945.
No dia 4 de Abril de 1937 realizou-se um Sporting-FC Porto, o primeiro clássico de Joseph Szabo ao serviço dos leões. O mestre da táctica da década de 1930 tinha sido contratado poucas semanas antes e o jogo, vitória invulgarmente volumosa por 9-1, não poderia correr de melhor maneira. O húngaro estava a iniciar no Clube um ciclo desportivo excepcional e inigualável e tornar-se-ia o treinador com maior número de jogos dirigidos e títulos conquistados. Para além disso, que não é pouco, em 1939, com o antigo jogador e director Alfredo Perdigão, concebeu e lançou no Sporting a primeira escola de futebol em Portugal.
Szabo era um adepto incondicional das teorias de Herbert Chapman, treinador do Arsenal, sobre o futebol. Chegado a Alvalade, para substituir o romeno Wilhelm Possak, introduziu medidas radicais na metodologia dos treinos, inovou na orientação táctica, impôs uma disciplina férrea no balneário e renovou a equipa principal. Jogadores como Galvão, Manecas, Mourão, Heitor e Paciência vão conseguir um protagonismo que até aí ainda nunca tinham assumido, pela conquista da titularidade ou por terem passado a jogar noutra posição no campo.
Em Abril de 1937 o título de campeão da 1ª Liga já era uma miragem pelo campeonato muito regular que o Benfica e o Belenenses estavam a realizar. Mas, um clássico suscita sempre memórias e emoções extraordinárias. Para além do mais, no banco sentou-se o irascível Szabo. Talvez por isso, talvez porque num jogo de futebol há sempre contas por acertar, a verdade é que a equipa do Sporting entrou decidida a ganhar e um verdadeiro vendaval de golos abateu-se sobre o guarda-redes portista numa tarde de glória para os leões. Soeiro marcou 4 golos, recuperou a liderança do melhor marcador da competição e estabeleceu no final um novo recorde ao assinalar 23 golos num campeonato disputado por oito clubes. Szabo, esse, consolidou o início da sua caminhada no Sporting e fixou o olhar mais ao longe, no futuro que ele se atreveu a imaginar.
Ficha de jogo:
Campeonato da 1ª Liga, 10ª Jornada
Sporting 9 - FC Porto 1
Estância de Madeira (Lisboa), 4 de Abril de 1937
Árbitro - Henrique Rosa (Évora)
Sporting - Azevedo, Jurado, Galvão, Rui Araújo, Paciência, Manuel Marques (Manecas), Mourão, Pireza, Soeiro, Heitor e João Cruz
Treinador - Jozeph Szabo
Marcadores - João Cruz (33m, 43m e 60m), Soeiro (40m, 64m, 86m e 89m) e Pireza (47m e 57m)
FC Porto - Soares dos Reis, Ernesto, Vianinha, Nova, Reboredo, Carlos Pereira, Valdemar, António Santos, Pinga, Gomes da Costa e Guilhar
Treinador - François Gutkas
Marcador - Pinga (48m)
O húngaro Joseph Szabo e Fernando Peyroteo são duas figuras míticas do Sporting Clube de Portugal e que trabalharam em conjunto ente 1937 e 1945. Nutriam, entre eles, o maior respeito e a mais absoluta admiração.
Szabo, treinador húngaro, revolucionou o futebol do Sporting ao impor uma disciplina férrea no quotidiano dos atletas, o planeamento desportivo da época, o rigor absoluto nos treinos e um sistema táctico revolucionário, o WM. Era frequente utilizar um tabuleiro com vinte e duas figuras para explicar a “táctica”.
Por vezes algum jogador mais brincalhão escondia-lhe os “bonecos” o que provocava fúrias ao treinador que rapidamente se esmoreciam. No fundo, o húngaro era um grande folgazão com um forte espírito disciplinador.
É Szabo quem está na origem dos "Cinco Violinos", ao descobrir o talento ímpar de Peyroteo e de Jesus Correia e conceber o esquema táctico que iria integrar os cinco avançados. Permaneceu oito épocas consecutivas à frente da equipa do Sporting, conquistando treze títulos, um record que ainda hoje se mantém. Voltaria ao Sporting, mais tarde, nas décadas de 1950 e de 1960.
A época de 1939-40 foi particularmente desastrosa, uma vez que o Sporting não conquistou qualquer título nas provas em que participou. O F. C. Porto venceu o Campeonato Nacional e o Benfica a Taça de Portugal e o Campeonato Regional de Lisboa. A contestação foi forte até porque Szabo também fazia questão de granjear as suas animosidades e o presidente Joaquim Oliveira Duarte hesitava na renovação do contrato. Perante a indecisão do presidente e a contestação de alguns directores e sócios, Peyroteo assumiu a defesa do treinador e aconselhou o presidente a manter o técnico. E assim aconteceu.
Ninguém podia adivinhar, mas a época 1940-41 seria extraordinária pois o Sporting venceu pela primeira vez o Campeonato Nacional e a Taça de Portugal, nos novos moldes, para além do Campeonato Regional de Lisboa. O “tri”, como se dizia na altura!
Curiosamente, Szabo não era nada “meigo” com Peyroteo, o seu jogador eleição e que ele considerava a grande estrela da equipa. É célebre a sua exclamação quando Peyroteo se acercava da baliza adversária e o golo era eminente: “Cárega, Maria”! Precisamente por isso, por ser o melhor jogador, Peyroteo tinha responsabilidades acrescidas.
Num dia em que Szabo prolongou a prelecção muito para além do que era habitual e Peyroteo e outros tinham comprado bilhetes para a “matinée”, tendo soado um reparo, de pronto se ouviu o mestre: “Sinhor Férnando, o seu cinéma é este”. Sempre o goleador a ter que dar o exemplo!
Naquele tempo de semi-profissionalismo os jogadores treinavam antes de irem para os empregos. No Sporting, era normal o treino iniciar-se às 7.45 horas ou até antes. Peyroteo residia em Sintra e tinha de apanhar o comboio das 6.03 horas para chegar a tempo ao treino. Um dia que se atrasou, Szabo não permitiu que Peyroteo se juntasse aos jogadores em exercícios de aquecimento. Antes, mandou-o dar quatro voltas em corrida e quatro em marcha ao rectângulo de jogo.
Nesse tempo a equipa realizava dois treinos semanais, mas Peyroteo, que treinava ainda outros dois dias com nove quilómetros de corrida e treino com bola, ficou confiante que o assunto ficaria arrumado com um pedido de desculpas e uma justificação a propósito do despertador que não o teria acordado.
Nada disso. No final do treino, Szabo chamou-o de parte e disse-lhe: “Sinhor Férnando, ter que ser multado dez per cente no ordenado, Férnando ter quê dar exemplo. Tudos égales, Férnando... Ok, Férnando, você treinar quatro vezes por sêmana, eles dois, mas não treinar para mim, treinar para si. Não poder desculpar, outros dizer quê você mênino bonito... Todos égales.”
Como era costume, depois do treino ambos apanharam o eléctrico do Lumiar para os Restauradores. Szabo tinha um plano e Peyroteo começou a desconfiar que o assunto não estaria arrumado. Então, para quebrar o gelo entre ambos, o treinador prazenteiro virou-se para a estrela e disse que lhe perdoava a multa se comprasse um despertador novo escolhido por ele. Peyroteo, aliviado, disse logo que sim. Entraram numa relojoaria da Baixa e foi Szabo que escolheu o despertador. Caríssimo, terá custado 50 escudos!
No domingo, antes do jogo, durante a prelecção à equipa, Szabo estava muito bem humorado: “Sinhores, Férnando não chigar mais atrasado a training. Fumos comprar déspertador, experimentar tocar lá na loja e fazer barulheira quê Azêvedo vai ouvir no Bareiro”.
(Texto adaptado de “Fernando Peyroteo”, por Carlos Loures, e da Wiki Sporting)
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