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Ser Sporting não se implora, não se ensina, não se espera, somente se vive... ou não.
Não teve grande impacto na imprensa quando foi criado, mas o XXIII Capital tem vindo a tornar-se um dos mais influentes fundos de investimento no futebol, financiando milhões de euros de transferências como a de João Félix para Madrid ou a de Griezmann para Barcelona. O jornal inglês The Guardian investigou as origens desta mina.
Criado pelo australiano Stephen Duval e pelo britânico Jason Traub, XXIII Capital abriu recentemente um escritório em Barcelona, a somar aos que já tinha em Londres, Nova Iorque e Los Angeles.
E tudo terá começado com a ida de Bernardo Silva para o Mónaco. Tendo brilhado pelas reservas do SL Benfica na II Liga e sendo regularmente chamado às camadas jovens das selecções, Bernardo tinha esperança que Jorge Jesus o pusesse a jogar na equipa principal. Infelizmente para o jogador português, Jesus não o considerava preparado para a subida de escalão e terá sido dito ao jogador para ter “paciência”.
Foi uma situação complicada para todas as partes mas ainda mais para o empresário Jorge Mendes, representante tanto do jogador como de Jorge Jesus. Sentindo que um dos seus mais valiosos activos estava a ficar muito frustrado, o antigo DJ que se tornou empresário, conseguiu que Bernardo Silva fosse para o Mónaco por empréstimo em Agosto de 2014. O clube do principado tinha contratado vários jogadores da caderneta de Mendes, como James Rodríguez ou Radamel Falcão.
Poucos dias depois da confirmação da transferência de Bernardo Silva, o XXIII começou a transaccionar. A empresa foi então listada como sendo controlada pelo grupo Candlewood Investment, sediado em Nova Iorque mas registado no paraíso fiscal das Ilhas Caimão.
E o que tem então o jogador português a ver com isto? A ida de Bernardo para o Mónaco foi tornada permanente em Janeiro de 2015, por pouco mais de 15 milhões de euros. No entanto, seria apenas um ano mais tarde que a história ficaria mais clara. Em Janeiro de 2016, o site Football Leaks publicou três documentos com detalhes das transacções entre o Benfica e o Mónaco.
Os primeiros dois diziam respeito ao acordo relativo ao empréstimo de Bernardo Silva e à sua mudança definitiva, enquanto o terceiro documento, datado de 10 de Julho de 2015, mostrava a ordem a autorizar o pagamento da comissão de transferência: 5,25 milhões de euros. O mais surpreendente, no entanto, era que de um lado estava o Mónaco e do outro, em vez do Benfica, estava o fundo XXIII Capital.
Outros documentos explicariam mais tarde que o XXIII Capital teria comprado crédito ao clube da Luz, um método usado em muitas outras transferências nessa altura, como por exemplo a do médio Giannelli Imbula do FC Porto para o Marselha, em 2015.
De acordo com o The Guardian, o SL Benfica descreveu a actuação como uma “operação financeira normal”, apesar de não haver qualquer menção do fundo XXIII Capital no relatório anual de contas em 2015. No documento, o lucro com a venda de Bernardo Silva é de 12,855 milhões de euros, o que significa que quase 3 milhões foram para outro lado.
Tendo em conta a falta evidente de documentação oficial, é difícil saber exactamente como esse dinheiro foi distribuído. É provável que pelo menos 10% do valor total tenha ido para a Gestifute. Segundo os registos, a empresa de Jorge Mendes recebeu perto de 4 milhões de euros do Benfica nesse ano, o que incluiu a ida de João Cancelo para o Valência por 15 milhões. A pergunta mantém-se: quanto foi pago ao fundo XXIII Capital pela aquisição do crédito, com uns potenciais 1,3 milhões de euros não contabilizados dos 15,75 milhões de euros no total emprestado em três parcelas – uma quantia que corresponde a 9%.
Desde essa altura, o fundo parece imparável. Traub foi recentemente citado numa série de artigos da imprensa britânica, em que descreve como a actuação estratégica da empresa, baseada principalmente em “soluções financeiras inovadoras” tem ajudado a estabelecê-la como player global no mundo do futebol.
“Todos os clubes sentem a mesma necessidade porque os seus activos intangíveis – os jogadores – sugam toda a sua liquidez,” explicou ao “Evening Standard”, em Agosto passado. “Se pensarmos nos princípios de uma transferência, temos o clube vendedor que quer o dinheiro logo ali e temos o clube comprador que, por um número de razões, quer pagar às pinguinhas. Intervimos muitas vezes para dizer: podemos resolver as questões de ambos, ajudando um a ter o dinheiro logo ali e o outro a pagar às pinguinhas, durante cinco anos. Tudo o que precisam é de negociar o custo do financiamento.”
O Barcelona, então impedido de conseguir fundos das instituições tradicionais, pediu um empréstimo de 85 milhões de euros ao XXIII Capital em Julho 2019 para poder comprar Griezmann ao Atlético. Nove dias antes, o Atlético pediu um empréstimo de 96 milhões de euros para contratar João Félix ao Benfica, jogador também representado por Jorge Mendes.
Tanto o Atlético como o Benfica já foram multados pela FIFA por quebrarem as regras que proíbem a propriedade de uma terceira parte. Mas quando questionado sobre se os fundos como o XXIII Capital estariam a permitir aos investidores evitar o escrutínio do órgão máximo do futebol a estes acordos, Traub disse ao "The Guardian”: “Nenhum dos acordos em que entramos nos dão a capacidade de influenciar a sua independência na utilização, transferência ou qualquer outra questão, nem nos dão o direito de receber compensação pela futura transferência de um jogador, os dois princípios-chave da propriedade de uma terceira parte definidos pela FIFA".
Vários clientes do agente Jorge Mendes mudaram de clube graças a empréstimos do XXIII Capital, a começar por Bernardo Silva, mas Traub diz: “A nossa relação comercial é exclusivamente com os clubes uma vez que ela existe para dar liquidez ao clube para ir ao encontro das suas necessidades”.
A relação entre o Benfica, clube com o qual Jorge Mendes tem laços apertados – e o XXIII Capital continua forte. Em Fevereiro de 2018, o clube da Luz assinou um acordo para a aquisição de crédito pelos seus direitos televisivos – 100 milhões de euros – “de forma a equilibrar as contas”, de acordo com Traub.
Quanto às fontes do fundo, um dos principais investidores é a Quantum Partners LP, um fundo privado de investimento administrado por George Soros, apesar de Traub insistir que não tem “qualquer contacto directo” com o investidor.
O Twente, clube holandês que teve de ser socorrido pelo governo local em Abril de 2016 para que se mantivesse vivo, pediram um empréstimo de 8 milhões de euros ao XXIII Capital, o principal financiador da família Pozzo que detém o Watford, em Inglaterra.
Tendo presente que estamos a apenas semanas de abrir o mercado de Janeiro, anuncia-se uma nova época festiva para a empresa sediada em Londres.
Publicação de Tribuna Expresso, assente na reportagem do jornal The Guardian
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